Luanda  - Temas:

1 - Tribunal interroga o activista Domingos Da Cruz;
2 - O advogado David Mendes pede licença de saída durante o interrogatório de Domingos da Cruz;
3 - Livro de Domingos da Cruz é lido por cerca de uma hora diante dos presentes no tribunal.
4 - Tribunal admite falta de condições para acomodar réus e traça um programa que impõe somente a presença de réus que já foram ou estejam a ser ouvidos.

Desenvolvimento:

Até hoje, o Tribunal dos Crimes Comuns, localizado no bairro Benfica, em Luanda, apenas ouviu 3 dos 15+2 réus acusados de actos preparatórios de rebelião e atentado a segurança do presidente da República e outros órgãos de Soberania, nomeadamente: Manuel Nito Alves, Itler Samussuku e Domingos da Cruz, demonstrando que o julgamento fixado a ter lugar entre 16 a 20 de Novembro, irá prolongar-se para mais tempo.

Hoje, o dia foi marcado pelo interrogatório do réu Domingos da Cruz e as perguntas centraram-se mais nos aspectos do "grupo de debates", onde os 17 activistas liam o livro "From Dictatorship to Democracy" do autor americano Gene Sharp.

Diante do juiz, o activista, jornalista e professor universitário Domingos da Cruz admitiu ser o autor da brochura: "Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura - Filosofia Política para a libertação de Angola", uma obra adaptada do livro de Gene Sharp, que também serviu de objecto de estudo nos mesmos debates.

O activista admitiu também a sua paternidade a idéia da criação do grupo de estudos.

O tribunal insistia em saber quem eram os moderadores, como é que mobilizavam os participantes, que mecanismos utilizavam para a comunicação e convocação de participantes para os debates, se tinham um programa, quem traçou o programa, que fins tencionavam atingir após o final dos debates, etc e etc, ao que o réu apenas respondeu na maioria dos casos que "não tinha nada a declarar".

Hoje, somente o juiz e seus auxiliares interrogaram o réu Domingos da Cruz, ficando assim para amanhã, a magistrada procuradora do Ministério Público (acusadora) e os advogados de defesa.

Durante o interrogatório, o juiz pediu ao estafeta para fazer a leitura do livro do réu, o que suscitou a contestação por parte do advogado David Mendes, acusando o tribunal de orquestrar artimanhas para prolongar o julgamento.

David Mendes, que está a defender 4 dos 17 réus, acusados de co-autoria do suposto crime, pediu licença de saída da sala do tribunal, enquanto se pretendia fazer a longa leitura do livro diante dos presentes. Em contrapartida, o juiz anuiu a saída do advogado mas não sem antes o acusar de ser o elemento que mais está a causar a demora do processo com intervenções "inúteis", mostrando-se ser o advogado de todo mundo, enquanto que o réu a ser interrogado não era seu cliente. Sendo assim, o advogado retirou-se da sala.

Sendo o estafeta incapaz de fazer uma leitura em voz alta, ouvindo as reclamações dos advogados e da audiência, o juiz ordenou ao escrivão para que fizesse a leitura.

Mais de 100 pessoas na sala do tribunal tiveram a oportunidade de ouvir a leitura do tão propalado livro do Domingos da Cruz: Ferramentas para destruir o ditador e evitar uma nova ditadura.

Ao contrário da idéia violenta que se criou pela acusação, a leitura do livro demonstrou a pacividade fortemente apelada na mesma obra literária, que condena o uso da força e realização de golpes de Estado, considerando estes métodos como retrocessos ao processo democrático idealizado.
Quão grande era o espanto nos rostos dos presentes, admirados pela capacidade argumentativa, lógica, pacífica e coerente do livro que os 15+2 réus estudavam.

Notando a fatiga e a demora da leitura, o advogado Michel interrompeu dizendo que para um bom entendedor, meia palavra bastava, pois estava claro que as intenções e ensinamentos do livro e dos activistas eram pacíficos e legítimos. Mesmo assim, o juiz mandou prosseguir com a leitura.
Enquanto o escrivão fazia a leitura, o juiz teve de sair por uns 5 minutos. A leitura demorou por uma hora, tendo assim o juiz declarado o fim da sessão de hoje.

A pedido do advogado de defesa Luís do Nascimento, numa ação coordenada, o juiz, em concordância com o ministério público, despachou em acta a decisão da não comparência de todos os réus, que ainda não foram ouvidos, em todas as sessões do tribunal, considerando que poderão permanecer no Hospital Prisão de São Paulo. Em suma, pela falta de condições para acomodar todos os réus ao mesmo tempo, de hoje em diante, somente serão trazidos ao tribunal do Benfica, os réus que já foram ou serão ouvidos. Os que aguardam serem ouvidos permanecerão na Prisão de São Paulo até serem convocados. Quando as activistas Laurinda Manuel Gouveia e Rosa Conde, também foram liberadas e poderão comparecer somente quando forem convocadas.

Questões prévias:

1 - Os réus reclamaram que desde o início do julgamento têm sido acordados à 3 horas da madrugada no Hospital Prisão de São Paulo e chegam ao tribunal do Benfica antes do sol nascer, permanecendo algemados no interior da viatura dos Serviços Prisionais enquanto aguardam pela hora do julgamento.

Acrescentaram ainda que sempre que são acordados às 3 horas da madrugada, são filmados e fotografados.
Realço aqui que as autoridades angolanas providenciaram 5 psicólogos, que estão a acompanhar o julgamento, incluindo um que está constantemente a puxar conversas com as activistas Laurinda Manuel Gouveia e Rosa Kussu Conde.

Finalmente, nota-se desde ontem, com maior incidência hoje, a infiltração de vários elementos (pessoas) na audiência, que se identificam como estudantes de direito, mas que são permitidos a assistirem o julgamento com os seus telemóveis e relógios. Hoje, mais da metade dos 96 lugares da sala do julgamento estava ocupada pelos mesmos elementos, dificultando a acomodação dos familiares dos réus, que devem ser priorizados, e impossibilitando também a entrada de outras pessoas interessadas ao caso, como por exemplo: os diplomatas da União Européia que mais uma vez foram impedidos de entrar no tribunal, alegando a falta de espaço.