Lisboa  - Várias escutas telefónicas do processo Operação Marquês deram origem a uma nova ação judicial por suspeitas de corrupção em Angola. Estão em causa conversas entre Carlos Santos Silva, amigo do ex-primeiro-ministro José Sócrates, Joaquim Paulo Conceição, administrador executivo do Grupo Lena, António Gameiro, deputado do PS, e Delfim Albuquerque, cidadão angolano, que a Autoridade Tributária considera ser um intermediário para o pagamento de comissões para adjudicação de obras ao grupo de Leiria em Angola.

Fonte: DN

As escutas telefónicas a Carlos Santos Silva colocaram os inspetores da Autoridade Tributária na pista do cidadão angolano com residência em Portugal, Delfim Albuquerque: "Este interveniente assume um papel de intermediário entre o governo de Angola e o Grupo Lena nas adjudicações de obras públicas naquele país e aos pagamentos das mesmas e, como contrapartida, exige uma contraprestação na proporção da obra adjudicada." É desta forma que Paulo Silva, inspetor da Autoridade Tributária, se refere ao cidadão angolano, que será proprietário de uma discoteca na zona de Entrecampos, em Lisboa. Para sustentar a afirmação, Paulo Silva recorre a inúmeras conversas telefónicas. Numa delas, no início de 2014, Carlos Santos Silva falou com Delfim Albuquerque e este diz estar à espera de receber 5% do valor de uma obra adjudicada.

O acervo de conversas telefónicas intercetadas revela que Joaquim Paulo Conceição, administrador executivo do Grupo Lena, estaria a par dos contactos com Delfim Albuquerque, assim como saberia quem era tal indivíduo. Numa dessas conversas intercetadas, Joaquim Paulo Conceição chega a questionar Santos Silva se Delfim não se "alambazou" demais. Noutra escuta, Joaquim Paulo Conceição até chega a afirmar estar sem paciência para Delfim Albuquerque, até porque o Grupo não teria recebido "um avo do que era suposto". "Não comentamos escutas telefónicas por respeito pela lei, o mesmo respeito que caracteriza todas as nossas parcerias de negócio", declarou ao DN Joaquim Paulo Conceição, depois de confrontado com as suspeitas.

Processo autónomo

Delfim Albuquerque voltou a ser tema de conversa. Desta vez entre Carlos Santos Silva e Vítor Santos, responsável do Grupo Lena em Angola. Este último disse a Santos Silva que o cidadão angolano "anda-se a portar mal". Aparentemente, ainda segundo Vítor Santos, Delfim Albuquerque teria pedido 2,5 milhões de euros. Vítor Santos informou Santos Silva de ter dito ao cidadão angolano que "enquanto não houver obras, não há mais nada". Porém, revelou "preocupações" porque Delfim teria "ligações fortes".

O contacto entre Carlos Santos Silva e Delfim Albuquerque prosseguiu noutras ocasiões. Em janeiro do ano passado, o angolano disse a Carlos Santos Silva que o andavam a fazer "de palhaço" e que não iria "fazer mais pelos gajos da Lena". A julgar pelo teor da conversa, Delfim Albuquerque ainda estaria à espera de um pagamento anteriormente combinado. Até porque este último diz a Santos Silva que pelas suas mãos já passaram "mais de 70 ou 80 milhões de dólares" e que alguém ficou de lhe pagar 5% desse valor. "Em numerosas conversas, Delfim Albuquerque reforça o seu poder de exercer influência na adjudicação das obras e é claro relativamente ao que pretende", refere o inspetor tributário Paulo Silva numa informação do processo Operação Marquês - onde Santos Silva, tal como José Sócrates, estão indiciados por crimes de fraude fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais.

No meio destes contactos, surge o deputado socialista António Gameiro que, tal como os demais intervenientes, aparenta conhecer as atividades de Delfim Albuquerque para o Grupo Lena. Numa conversa intercetada entre Carlos Santos Silva e o deputado socialista, ambos falam sobre Delfim Albuquerque, o que indicia que António Gameiro estaria a par das atividades do cidadão angolano. Santos Silva contou já ter feito outro depósito a Delfim Albuquerque. Ao que Gameiro responde, "outro?". Santos Silva termina a conversa dizendo que o angolano já tinha recebido muito.Em declarações ao DN, o deputado socialista confirmou conhecer Santos Silva, de quem é amigo pessoal, e Delfim Albuquerque. Mas negou saber o tipo de atividade a que o cidadão angolano supostamente se dedicava, fosse para Santos Silva ou para o Grupo Lena.

Segundo informações recolhidas pelo DN, as suspeitas de corrupção no comércio internacional já estão a ser investigadas num processo autónomo, distribuído a um procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal.