Luanda - Como era mais ou menos expectável, Isaías Samakuva voltou pela quarta vez consecutiva a ser reeleito para mais um mandato como Presidente da UNITA, que, entretanto, ele já faz questão de anunciar que será o seu último, faça chuva ou faça sol.

Fonte: RA
Para nós, apenas não era tão expectável a folgada margem desta nova vitória de Samakuva, pois a certa altura chegamos a admitir e a prever que neste Congresso iríamos ter uma disputa muito mais renhida do que todas as anteriores, desde que em 2002 a UNITA deixou de caminhar sob a batuta de Jonas Savimbi.

Curiosamente, o anúncio de Samakuva foi feito no decorrer da histórica entrevista que concedeu segunda-feira à TV Zimbo, quando o mais normal seria, em nosso entender, que o tivesse feito no discurso que proferiu no encerramento do Congresso, até para emprestar maior solenidade a este adeus antecipado.

Trata-se de um compromisso público que carrega consigo um elevado risco para a sua própria credibilidade como político de referência deste país.

Se na altura do próximo acerto de contas ele vier, entretanto, a dar o dito por não dito, não haverá novidade nenhuma, Samakuva estará apenas a fazer o que outros tantos já o fizeram na mesma sequência.

A política é cada vez menos um campo de virtudes, sobretudo para quem se movimenta nele com ambições de poder, não sendo nossa intenção aqui pregar o sermão a quem quer que seja, mas tão somente constatar que é assim que as coisas têm vindo a acontecer na prática.

Este compromisso, como é evidente, poderá vir a trair Isaias Samakuva dentro de mais quatro ou cinco anos, quando a UNITA voltar a reunir-se em Congresso ordinário, pois até lá nunca se sabe o que poderá vir a acontecer, particularmente depois das eleições gerais previstas para 2017.

O compromisso de Samakuva foi assumido numa altura na qual ele já nem sequer precisava de o fazer, pois a questão da limitação ou não dos mandatos ficou agora expressamente esclarecida nos estatutos da organização que dirige, e a favor da sua própria tese.

A UNITA adoptou um modelo completamente desbloqueado no que aos mandatos do seu líder diz respeito, retirando-se assim da agenda esta incómoda questão, que era aquela que os seus inimigos/ adversários/críticos mais usavam como arma de arremesso político.

Por outro lado, o facto de Samakuva ainda não ter uma ideia de como é que o seu principal rival e líder do MPLA pretende orientar a transição já anunciada, o que em principio só se ficará a saber depois do Congresso já convocado para 2016, é um outro elemento de peso que deveria aconselhá-lo a ponderar melhor sobre o que pensa fazer no futuro, a uma distância tão grande.

Não tendo acautelado estas e outras questões, e sendo genuína a sua vontade de não voltar a candidatar-se à sua própria sucessão, Samakuva, com o anúncio que acaba de fazer, abriu caminho para o surgimento do próximo líder do Galo Negro.

Em termos de democratização interna, e depois do que se passou nos congressos precedentes, com a UNITA a liderar efectivamente esta movimentação consubstanciada no surgimento de várias candidaturas com um debate aberto a toda a sociedade, está mais do que provado que muito dificilmente quem desafiar o Presidente que se candidate à sua sucessão, terá possibilidades mais sérias de o derrotar no contexto fechado de um Congresso.

Há aqui uma contradição que importa saber resolver no interesse do aprofundamento da democratização que se pretende. De outra forma, não tarda que alguém comece a dizer, e com alguma razão, que se estará apenas diante de mais um “show off” destinado apenas a vender uma imagem diferente para se conseguir dividendos.

O passo seguinte a dar será, quanto a nós, a realização de eleições directas para o cargo de Presidente do Partido, o que implicaria naturalmente a participação neste exercício de toda a massa militante. Num Congresso, note-se, apenas se faz presente uma percentagem muito reduzida dos seus membros, o que aumenta o espaço propenso à manipulação deste pequeno universo de eleitores, havendo aqui claramente uma vantagem do candidato que esteve à frente dos destinos da organização face aos seus desafiadores.

Sinceramente, achamos não ser muito coerente que depois de se fazer um investimento tão grande na abertura do partido à sociedade, com todos os riscos políticos que este exercício implica, se continue a limitar o direito de voto apenas aos delegados do Congresso.

Sabemos que esta evolução não é fácil de fazer, pois antes de mais implica alterações estatutárias de fundo a par da criação de capacidades logísticas, sempre difíceis de organizar num país com as características do nosso.

Ainda não sabemos se esta perspectiva foi ou não abordada no Congresso que terminou sábado em Viana, mas claramente parece-nos ser este o próximo desafio interno da UNITA se quiser convencer o país que quer levar o processo da sua democratização interna até às últimas consequências.

O maior partido da Oposição tem gasto uma parte importante do seu tempo útil a verberar a falta de transparência das eleições já realizadas até agora no país, não tendo até ao momento aceite nenhum dos resultados escrutinados.

A transferência do principio democrático universal um homem, um voto para o interior da organização, seria mais uma forma da UNITA demonstrar que quer fazer diferente daquilo que tanto tem criticado e denunciado em Angola.