Lisboa - A visita de José Eduardo dos Santos a Lisboa voltou a servir para fazer política enquanto Cavaco Silva e José Sócrates, ambos e muito bem, tratavam dos interesses da nossa economia e eram dignos da história que une os dois países.

A questão é recorrente.

Em Portugal, sempre que se fala das relações com Angola, aparecem, à esquerda mas também à direita, umas virgens político-intelectuais que confluem no palco comunicacional para nos falarem da corrupção, da pobreza e da falta de democracia naquele país africano. A coragem só lhes falta para defenderem o que seria coerente na respectiva lógica: o corte de relações entre a "casta" democracia portuguesa e a "cleptocracia" angolana. Seriam bem mais respeitáveis as suas críticas se fossem capazes de o fazer - mas a isso não se atrevem, porque a democracia tem esta questão dos votos e elas sabem que há já umas largas dezenas de milhares de empregos portugueses que dependem das boas relações entre os dois países.

2 Francisco Louçã ainda há uma dúzia de anos era capaz de, sem se rir, defender as virtudes da "democracia" internacionalista com epicentro em Moscovo. Hoje, convertido ao sistema que combateu, teve esse gesto nobre de faltar à sessão parlamentar que recebeu José Eduardo dos Santos e apontou o dedo ao neocolonialismo que por aqui se terá visto nestes dias.

É fácil, na verdade fazer política longe das responsabilidades concretas do dia-a-dia das pessoas. Basta dizer uma parte da verdade e ser demagogo quanto baste.

Se apenas quiser ser o grilo falante da nossa democracia, Louçã faz bem em continuar assim. Numa certa medida até faz falta. Mas se quiser mesmo ajudar a sociedade portuguesa a resolver os problemas, a assumir de facto responsabilidades, terá um dia de mudar.

3 Responsavelmente, sobre esta e outras questões ligadas à diplomacia e aos interesses económicos, há que dizer o seguinte: Portugal não tem de ser uma espécie de D. Quixote da cena internacional. O País faz muito bem em relacionar-se de forma serena com todas as economias, e o Governo, em sintonia com o PR, tem razão quando aposta em abrir novos mercados às exportações nacionais e fala com todos os parceiros de igual forma.

Num mundo em crise seria uma profunda irresponsabilidade fazer política à custa da nossa depauperada economia e de mais desemprego, pois nisso redundaria a visão romântica de Francisco Louçã.

Para defender as nossas convicções colectivas sobre a democracia no palco global temos a União Europeia, as Nações Unidos e todas as outras organizações internacionais em que temos assento.

Até lá, e no caso concreto, deveríamos ver as coisas pelo lado bom: Angola tem sido, nos últimos tempos, um bom exemplo para a região do mundo em que se insere. Oxalá continue a fazer progressos nesse caminho, e esse é um problema sobretudo dos angolanos, cuja independência devemos respeitar.

Já vivi em África (Angola e depois Moçambique), embora num período curto (e jovem) da minha vida. Conheço um bocadinho daquela realidade. Tenho a consciência do que podemos, de forma realista, esperar de democracia naqueles territórios nas próximas décadas. O problema de muitos europeus é que não sabem. A tragédia do continente africano não sai do primeiro plano das notícias e eles parecem querer acreditar que podem exportar ideias e modelos de organização de sociedade como quem exporta petróleo. Ora isso não é apenas demagogia, é uma profunda e lamentável ignorância.

Fonte: DN