Luanda - José Pedro de Morais, governador do Banco Nacional de Angola, reconhece o legado de “corrupção e falta de transparência em África” e defende a construção de “uma moldura penal regional”, com maior concertação entre os diferentes países, para atacar estes problemas. As opiniões foram apresentadas num artigo de opinião, publicado terça-feira, na edição online do Financial Times.

Fonte: RA
“Precisamos de reconhecer que o continente transporta um legado de corrupção e falta de transparência – o mundo sabe disto e nós precisamos de agir em conformidade. Temos a responsabilidade de demonstrar que – ao mesmo tempo que tentamos construir economias de alto nível – também somos capazes de bloquear a corrupção a qualquer nível”, frisa o governador do BNA no texto.

O artigo, que descreve de forma pormenorizada o que Angola tem feito ao nível do combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, parece ser uma forma de acalmar e motivar os investidores internacionais através de uma fonte – o prestigiado Financial Times – muito apreciada por estes sectores.

O sistema financeiro angolano vive, há cerca de um ano, em clima de instabilidade: as contas em moeda estrangeira estão praticamente bloqueadas (barrando a exportação de capitais/lucros e o pagamento de serviços e bens no exterior). Os bancos estão descapitalizados e com sérios problemas de cumprimento das normas internacionais.

O ex-BESA (actual Banco Económico), o Banco de Desenvolvimento de Angola (BDA) e o principal banco estatal, o Banco de Poupança e Crédito (BPC) tiveram de ser intervencionados pelo Estado com injecções de dinheiro e aumento do capital social. O kwanza já desvalorizou oficialmente mais de 30 por cento, no mesmo período, enquanto no mercado informal (única forma de aceder a divisas, mesmo que cometendo um crime) a desvalorização está acima dos 100 por cento.

A inflação, em 2015, ultrapassou as metas do governo (9 por cento) e chegou aos 14 por cento, rompendo de novo a barreira dos dois dígitos. Os eventos decorrem directamente da forte baixa do preço do petróleo nos mercados internacionais, com a consequente quebra na entrada de divisas no país, mas também das más opções políticas no que diz respeito aos sectores não-petrolíferos.

O orçamento de Angola depende quase totalmente da venda de petróleo e, nos últimos 15 anos, as medidas tomadas para a diversificação da economia não tiveram os resultados anunciados. Ao longo deste período, o Investimento Directo Estrangeiro (IDE) foi canalizado em larga escala para o sector petrolífero.

“Se todas as nações africanas estão decididas a ajudar no combate mundial contra o terrorismo, o tráfico de pessoas e de drogas, então precisamos de reanalisar o que estamos a fazer. Temos de reconhecer que, em muitos lugares de África, têm acontecido progressos significativos – mas que há ainda muito por melhorar”, lembra José Pedro de Morais, que foi ministro das Finanças na bonança pós-2002 (exonerado em 2008).

“Um dos passos essenciais para os países africanos passa por juntar esforços e cumprir as recomendações e regulamentos da Financial Action Task Force (FATF)”, defende, “ao mesmo tempo que devem implementar as políticas e os procedimentos” definidos internacionalmente.

Segundo o governador do BNA (que é a instituição nacional que regula o sector financeiro), Angola aprovou, nos últimos anos, leis e regulamentos contra a corrupção, branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.

O Fundo Monetário Internacional e a direcção de Drogas e Crime das Nações Unidas (United Nations Office on Drugs and Crime, UNODC, na sigla em inglês) dizem que é impossível saber, com exactidão, a quantidade de dinheiro que é “legalizada” todos os anos.

“Mas as estimativas dizem que representam entre 2 a 5 por cento do PIB global. Se assim for, USD 2,5 biliões foram lavados em 2014, o que representa um valor maior do que o PIB da Rússia, Índia, Itália ou Brasil. A maior tragédia é que estas grandes somas são provenientes dos mais insidiosos crimes”, reconhece José Pedro de Morais.