Luanda - Perante a actual crise diplomática no Médio Oriente entre a Arábia Saudita e o Irão, que levou a uma tomada de posição dos aliados destas duas potências regionais, é importante que a sociedade civil compreenda os interesses e os jogos de poder que estão em causa. Depois da execução do clérigo Nimr al-Nimr e do ataque à Embaixada da Arábia Saudita no Irão, o Barém, os Emirados Árabes Unidos, o Qatar, o Sudão, o Djibouti e a Jordânia anunciaram uma redefinição das relações diplomáticas com o Irão.

Fonte: Opais

Em síntese, durante muitos anos foi possível identificar a Arábia Saudita com a política externa definida pelos Estados Unidos da América e a política iraniana com as posições da Federação Russa. No entanto, com os recentes conflitos no Norte de África e no Médio Oriente, o quadro geopolítico actual mudou. A relação diplomática entre o Irão e os EUA remonta a Agosto de 1953, quando a CIA apoiou a oposição ao primeiro-ministro Mohammed Mossadegh, ajudando o xá Mohammad Reza Pahlavi (xá é o título atribuído aos monarcas da antiga Pérsia) a ascender ao poder.

Os EUA intervieram no país depois de o Reino Unido convencer Washington que Mossadegh estaria a levar ideais comunistas para o Médio Oriente. O Governo britânico era contra a política daquele chefe do Estado, que defendia a nacionalização da indústria petrolífera, por deter posições de exploração importantes no país (através da actual British Petroleum – BP).

A intervenção externa no Irão deixou marcas e, em 1963, começou a grande contestação ao regime do xá. Nesse ano, o aiatola Ruhollah Khomeini (aiatola é o líder religioso xiita) foi detido pelas forças de segurança de Mohammad Reza Pahlavi, por se opor às medidas de liberalização que estavam a ser implementadas. Khomeini foi exilado em Paris, mas continuou a opor-se ao regime.

Em 1979, os revolucionários iranianos derrubaram o xá e transformaram o país numa teocracia islâmica, liderada pelo aiatola Khomeini – a República Islâmica do Irão – adoptando medidas políticas contra os EUA que se mantiveram até aos dias de hoje. Desde então, as relações diplomáticas entre o Irão e os EUA têm sido marcadas pela hostilidade, apesar de o Irão ter apoiado os EUA na guerra contra os líderes talibãs (membros do movimento fundamentalista islâmico e afegão) no Afeganistão, depois do 11 de Setembro, e de a invasão do Iraque ter permitido que as facções políticas xiitas pró-Irão chegassem ao poder (pondo fim à facção sunita liderada por Saddam Hussein).

A tensão diplomática entre o Irão e os EUA agravou-se com a eleição de Mahmoud Ahmadinejad, em 2005, por este ter posições radicais contra as políticas ocidentais e por ser contra a existência de Israel. No que diz respeito à Arábia Saudita, as relações diplomáticas com os EUA têm mais de 70 anos e foram principiadas pelo acordo celebrado entre o presidente Franklin D. Roosevelt e o rei Ibn Saud, em 20 de Fevereiro de 1945. A cooperação económica com a Arábia Saudita remonta ao esforço de guerra despendido pelos EUA durante a Segunda Guerra Mundial, período em que o petróleo de Riade teve uma grande importância para os estado-unidenses.

Durante os decénios de 80 e 90 do século XX, os EUA mantiveram um contingente militar no território saudita, o que permitiu a evolução da Guerra do Golfo, na qual os monarcas cooperaram com a política externa estado-unidense. Após os atentados do 11 de Setembro de 2001, as relações entre os dois países complicaram-se devido a relatos que davam conta de um financiamento saudita às operações terroristas da al-Qaeda.

Contudo, o rei Abdullah al-Saud e o rei Salman al-Saud reconheceram que tanto os talibãs da al-Qaeda, como os jiadistas (aqueles que fazem a Guerra Santa) do Estado Islâmico do Iraque e do Levante compõem organizações terroristas, mostrando a disponibilidade da Arábia Saudita em combater as actividades destes grupos.

Desta forma, e para tentar negar as suspeitas de financiamento a actividades terroristas, a monarquia saudita participou na coligação internacional liderada pelos EUA, que bombardeou os territórios ocupados pelos jiadistas (na Síria e no Iraque) e que formou a coligação de países islâmicos actualmente a combater o Daesh.

Por sua vez, a Federação Russa não garante neste território uma relação diplomática tão estreita como a promovida pelos EUA. Durante a invasão do Irão, levada a cabo por Saddam Hussein, o Governo iraniano liderado pelo aiatola Khomeini considerava que os ideais da antiga URSS eram incompatíveis com a visão que os xiitas tinham do Islão, apesar de aquele país ter apoiado a Revolução Iraniana de 1979.

Com a queda do império soviético, em 1989, as relações económicas e políticas entre os dois países floresceram e a Federação Russa ajudou o Irão a implementar o seu programa nuclear. Desde então que estes dois países têm compartilhado laços de união, promovidos pela intenção de restringir a influência dos EUA no Médio Oriente e na Ásia Central.

Tanto a Federação Russa como o Irão vêem os EUA como um elemento desestabilizador na região, motivo pelo qual defendem a promoção de um multipolarismo da ordem internacional. Os norte-americanos continuam a manter as importantes bases militares que detêm no Golfo Pérsico, nomeadamente na Arábia Saudita, no Kuwait, no Qatar e no Barém.

Esta posição levou o Irão a aderir à Organização de Cooperação de Xangai. Esta tem sido um importante instrumento geopolítico para a China e para a Rússia, ao limitar a influência do Ocidente na Ásia Central. Na sequência das revoltas realizadas durante a Primavera Árabe, formou-se uma aliança militar russo-iraniana que defende o regime de Bashar al-Assad na Síria e que combate as forças da oposição apoiadas (e financiadas) pela Arábia Saudita.

As relações diplomáticas entre a Arábia Saudita e a Federação Russa têm sido marcadas pela hostilidade, uma vez que os sauditas foram aliados dos EUA. Contudo, o recente conflito com o Irão, o apoio estado-unidense aos primeiros-ministros de Israel, Ariel Sharon e Benjamin Netanyahu, e as acusações de financiamento do terrorismo islâmico têm ditado o afastamento dos sauditas em relação às posições da política externa norte-americana. Analisando a crise diplomática entre a Arábia Saudita e o Irão, considero que esta pode resultar não só de uma tentativa da Arábia Saudita em assumir uma posição dominante no Médio Oriente, perante a aproximação do Irão ao Ocidente, como também pode ser a consequência de uma política que procura um inimigo comum.

A posição do rei Salman al-Saud tem sido contestada na casa real saudita, devido à crise financeira e orçamental que o país vive. O jornal britânico The Guardian chegou inclusive a publicar duas cartas, as quais um príncipe saudita fez circular entre membros da família real, que incitavam à organização de um golpe de Estado contra o rei.

Ora, a meu ver, a melhor maneira de unir uma casa real dividida é confrontar o tradicional inimigo dos sauditas, o Irão, e afirmar uma posição de poder absoluto. Os conflitos que resultaram das Primaveras Árabes poderão redefinir, nos próximos anos, o quadro geopolítico mundial. E, mais do que isso, creio que as Primaveras Árabes poderão redefinir também o conceito de «aliado» no plano das Relações Internacionais entre os Estados.

O novo jogo de forças políticas está reflectido nas últimas notícias, que dão conta de uma aproximação estratégica entre a Federação Russa e a Casa de Saud (nome que se refere à casa real da dinastia al-Saud, família real saudita que governa o país). «No que diz respeito à nossa relação com a Rússia, acreditamos que a extensão do negócio que temos com a Rússia não está em linha com o tamanho das nossas respectivas economias», afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros da Arábia Saudita, Adel al-Jubeir.

O Governo de Riade reprova o acordo que o grupo P5+1 (composto por: EUA, Reino Unido, França, China, Rússia e Alemanha) celebrou com o Irão para controlar o plano nuclear iraniano, isto porque o encara como uma oportunidade de o Irão assumir o protagonismo político regional. Do ponto de vista da política externa, o Irão parece estar a aproximar-se do Ocidente.

Ademais, a reabertura da Embaixada dos EUA em Teerão, a condenação da execução do líder xiita Nimr al-Nimr pelos EUA e a participação do Irão na luta contra o Daesh e a Frente al-Nusra lança a especulação de que as relações diplomáticas entre o Irão e os EUA podem ser retomadas, 36 anos após a ruptura. Neste sentido, os EUA estão perante um grande dilema: ou mantêm a sua aliança histórica com a Arábia Saudita ou monitorizam o plano nuclear iraniano para garantir a não produção de uma bomba atómica.

*Mestre em Estratégia e Doutorando
em Ciência Política e Leigo
Católico