Luanda - O caso Kalupeteca é mais um que transita do ano passado, ao lado dos révus e do afundamento do preço do petróleo, para o novo ano, que pelos vistos, nos seus tons mais cinzentos, e como era nossa previsão anterior, vai manter-se muito igual ao seu predecessor.

Fonte: RA

Estamos a falar do capitulo da crise que prossegue dentro de momentos e da polémica/controvérsia que está aí para durar e para aprofundar um pouco mais a divisão da opinião publica e publicada em torno dos dois fracturantes processos judiciais.

Com o julgamento de José Kalupeteca e dos seus correligionários em marcha no seu terceiro dia na cidade do Huambo, já deu para perceber pelas informações a que tivemos acesso de diferentes fontes, que vamos ter mais um daqueles turbulentos processos, com a diferença de que desta vez não haverá pelo menos ninguém a querer encenar na sala de audiência a “parábola” da justiça que é cega, protegendo o seu rosto da identificação imediata por contacto visual.

A primeira nota dissonante deste processo é que, com base na pronúncia, ele apenas pretende apurar quem foi que matou, como foram mortos, ou como morreram os 9 polícias, estando nesta altura ainda em aberto as três opções a ter em conta os primeiros depoimentos já registados pelo Tribunal.

Tudo o resto que se passou naquele dia e nos dias subsequentes na “montanha”, onde se tinham concentrado algumas largas centenas (ou milhares?) de seguidores de Kalupeteca e da sua “Luz do Mundo”, dificilmente será trazido para a audiência por iniciativa do Ministério Público e do colectivo dos Juízes.

Salvo melhor opinião e ulteriores desenvolvimentos, estamos em crer que ainda não será desta vez que será feito o esclarecimento completo e imparcial dos trágicos acontecimentos que tantas versões e cifras já produziram, sendo o famoso video a “prova” que mais nos aproximou dos factos vividos há cerca de um ano em São Pedro do Sumé/Caála.

As cautelosas aspas colocadas na palavra prova têm como justificação o nosso desconhecimento em relação à sua aceitação ou não pelo Tribunal, ou mesmo se ele será ou não introduzido pela defesa no decorrer da audiência.

Depois da defesa já ter visto recusado de forma liminar os seus primeiros requerimentos, tendentes a alargar o âmbito da produção da prova e do consequente apuramento da verdade, restam-nos as declarações dos réus para se fazer o contraditório com a acusação que pende sobre eles no caso da morte dos nove agentes da autoridade.
Dos outros treze mortos do lado dos adeptos de Kalupeteka, que as autoridades assumiram oficialmente, nem o nome deles se conhece, quanto mais as circunstâncias do seu passamento.

De acordo com o que disseram os primeiros arguidos, e enquanto se aguarda pelo depoimento do próprio José Kalupeteka, que será sem dúvidas um dos momentos mais esperados deste julgamento, as versões sobre os factos, de acordo com o que transpirou, parecem-nos ser pouco convergentes quanto às circunstâncias em que ocorreu a morte dos nove policias.

Com todas as dificuldades administrativas que se estão a colocar à cobertura jornalística das audiências, sente-se que a “estratégia” é filtrar ao máximo o acesso da opinião pública ao conteúdo das versões que estão a ser apresentadas pelos réus, pois a outra, a do Ministério Público, já é sobejamente conhecida.
Em nome da transparência, da credibilidade e da independência do próprio Tribunal, seria bom que não fossem colocadas tantas dificuldades aos jornalistas no seu acesso à sala onde decorre o julgamento.

Tais restrições só vão aumentar a margem de especulação e as imprecisões da informação que os nossos colegas que se encontram no Huambo estão a prestar em nome do interesse público.

De nada adiantará a Televisão repetir a dose de Luanda com o julgamento dos révus, entrevistando pontualmente alguém que passa o tempo todo a dizer que está tudo a correr muito bem de acordo com a lei e com os procedimentos previstos, pois não é isso que está em causa. É suposto que os julgamentos assim decorram não havendo qualquer necessidade de se estar a repisar este aspecto, a não ser que aconteça exactamente o contrário.

Também não nos parece que seja de bom tom os comentaristas anteciparem as sentenças no canal público, dando os réus como irremediavelmente culpados de todos os crimes que estão a ser acusados, o que efectivamente configura uma pressão desnecessária sobre o Tribunal.

Sendo o julgamento público, as pessoas têm o direito à informação do que lá se está a passar, o que só os jornalistas podem fazer à escala da opinião pública nacional que, acreditamos, esteja a dedicar a sua melhor e maior atenção ao caso, por razões mais do que óbvias.

Afinal de contas, estamos diante de um confronto sem precedentes na história do pós-independência no que toca ao relacionamento do poder com a religião, por mais que se queira subestimar o que se passou naquela localidade.

Até que ponto a defesa conseguirá convencer o Tribunal a olhar para este caso com uma visão mais abrangente e inclusiva, será, certamente, um dos maiores desafios que David Mendes e os seus colegas terão pela frente ao longo dos próximos dias.

Tudo leva a crer que eles vão continuar a insistir na tecla do apuramento de toda a verdade e não apenas de uma parte dela, que é o que se depreende do conteúdo da acusação do MP e do despacho do Juíz da causa.

Se de facto as coisas se apresentam assim, e enquanto se aguardam por outros esclarecimentos, a única forma que o próprio Executivo tem para “desmontar” os expressivos números da tragédia que tanto o incomodam e continuam a circular, seria aproveitar da melhor forma o actual julgamento, permitindo que fosse feita de forma convincente toda a luz sobre o que realmente se passou na “montanha”.

Seja como for, sempre alimentamos a esperança de que alguma coisa se ficará a saber, no final de mais este polêmico e tormentoso caso.