Luanda - O Carnaval é tido nas sociedades que o celebram, como sendo o período do ano mais descontraído, onde quase tudo é permitido e ninguém leva a mal na hora da “gozação”, como dizem os mais entusiastas foliões deste mundo que são, declaradamente, os nossos amigos brasileiros.

Fonte: Opais

Ninguém, salvo seja, porque há países em que as coisas não se passam bem assim, sendo o nosso um exemplo desta realidade carnavalesca mais sorumbática, por razões que hoje já deviam fazer parte apenas das recordações dos nossos tempos mais complicados.

A tendência ainda está longe de apontar nessa direcção. Efectivamente em Angola também temos muita gente que gosta de brincar ao carnaval que, lamentavelmente, hoje está praticamente circunscrito aos desfiles oficiais que a sempre “vigilante” tutela organiza nas capitais de província.

Luanda continua a liderar esta colorida e animada movimentação, a ter em conta o número dos grupos e dos participantes nela envolvidos, quando comparados com os das restantes cidades, depois de no tempo colonial, já termos tido o Lobito, como a cidade mais carnavalesca do país.

Para além disso, teremos mais algumas farras particulares que se promovem nos salões da especialidade, onde a malta a quem ainda sobrou alguns trocos nos bolsos, vai dançar, aproveitando para se mascarar ou colocar apenas uns chapéus na cabeça.

De carnaval aqui na banda haverá pouco mais, sobrando, possivelmente, algumas batucadas dos miúdos que ainda deverão sair a rua nos bairros, como o “mayado” da nossa infância.

Com estas chuvadas todas e com o “areal” consequentemente todo alagado, muito dificilmente haverá aquelas condições mínimas para o pessoal brincar ao carnaval nas suas zonas de origem.

No que toca, nomeadamente, ao desfile que se organiza em Luanda, que é aquele que o nosso “Observatório” mais dados tem recolhido ao longo destas quatro décadas, diria este ano quase o mesmo que já tenho dito noutras ocasiões, quando o assunto vem “ao baile”, queria dizer, à baila.

Quase, porque este ano ainda alimentamos algumas esperanças de virmos a ter um Carnaval de Luanda menos acorrentado politicamente à estratégia do sempre revitalizador marketing institucional.

O que sempre dissemos por palavras diferentes, é que no geral os grupos carnavalescos de Luanda têm a sua liberdade de expressão/crítica bastante amputada e vigiada.

Tal condicionamento, acaba por fazer deles meras caixas de ressonância das invisíveis “orientações superiores”, transformando o desfile em mais uma disfarçada manifestação politico-partidária, por sinal bastante enfadonha, de apoio ao “Pai Grande e sus muchachos”.

Sem este espaço de liberdade garantido, a crítica/estiga que é o elemento fundamental do próprio discurso carnavalesco desaparece, dando lugar às loas e aos encómios, que este ano vão ter pela frente a difícil situação de crise que o país está a enfrentar.

Pelo que julgamos saber e para efeitos de organização, as músicas/letras dos grupos são apresentadas previamente à tutela, o que permite que a “dikota vigilância” entre imediatamente em acção, caso se verifique alguma quebra mais acentuada do protocolo estabelecido.

Em causa estão alguns limites impostos, sendo um deles bastante conhecido dos compositores, pelo que nem em pensamentos se deve admitir a hipótese de vir a beliscá-lo.

Em abono da verdade, a tutela tem a vida facilitada, pois conta neste âmbito com a intervenção do seu principal aliado, chamado auto-censura, que cada vez se refina mais, para não dar a entender que é dela que se trata.

Num país normal, em termos de conteúdo, o Carnaval deste ano deveria ser em Angola o mais crítico de todos quantos já desfilaram por nós nestes últimos cerca de 14 anos de paz, que, note-se, já é o mesmo tempo que durou a guerra de libertação nacional contra os portugueses.

Há motivos mais do que suficientes/evidentes a sustentar esta previsão que, entretanto, muito dificilmente se concretizará por causa do outro país, o virtual, que não permite que o real surja na nova marginal em todo o seu esplendor lamuriento e reivindicativo.

Ainda com alguma esperança, resta-nos aguardar pelo génio criativo dos nossos grupos. O maior receio, contudo, é que possamos vir a ter em 2016 um carnaval de apoio ao trambolhão do barril e à subida do preço dos combustíveis e outras cenas parecidas, onde se pode incluir o congelamento dos salários, que estão a infernizar a vida dos angolanos a um ponto tal, que se pode estar a aproximar já rapidamente da saturação.

In Secos e Molhados/O País (12-02-2016).