Lisboa - Com a devida vénia reproduzimos uma carta atribuída a empresária Lídia Amões dirigida ao procurador-geral da República de Angola, General João Maria de Sousa, inicialmente publicada no portal Maka Angola.

Fonte: Maka Angola

Antes de mais, votos de que neste Ano Novo a Procuradoria-Geral da República seja próspera no que tange ao cumprimento das funções que constitucionalmente lhe são imputadas, destacando-se certamente, para o bem do país, o essencial dever de fiscalizar a legalidade.

Serve a presente carta como resposta àquela que V. Exa. me enviou, datada de 30 de Dezembro de 2015, mas recebida em Janeiro apenas.

Anoto com satisfação que V. Exa. assume a responsabilidade directa e pessoal por todos os actos cometidos pela Procuradoria-Geral da República em relação a mim.

Assim, a morte em prestações a que estou a ser submetida é da V. inteira responsabilidade, o facto de não ter forma de sustento é da V. inteira responsabilidade, assim como toda a forma arbitrária como tenho sido tratada.

Ficamos entendidos: toda a desgraça e infâmia que se abateu sobre mim é da V. inteira responsabilidade, que antes de qualquer julgamento já me considera uma criminosa.

Os actos de V. Exa. destruíram uma família, uma mãe, e arruinaram um grupo económico nacional.

Passo aos pontos focados na sua carta, de que faço o seguinte sumário:

1. Morosidade;
2. Existência de dois passaportes em meu nome;
3. Situação da minha Mãe;
4. Declaração Médica.

 

1. Morosidade

Quanto à morosidade do processo, quero dizer que V. Exa. sabe bem que fui, ao arrepio da lei expressa, constituída como arguida sem culpa formada por cerca de 800 dias, quando o limite máximo para tal acontecer era de 145 dias. Não há justificação nenhuma para este abuso ilegal. Não vale a pena acrescentar mais nada...

2. Passaportes

V. Exa. finalmente justificou o facto de ter interditado a minha viagem à África do Sul, a 21 de Julho de 2015, para tratamento médico. Afirmou na sua correspondência que tinha informações sobre o meu suposto plano de fuga para os Estados Unidos da América, através da África do Sul. Arrolou, como prova do meu plano, o facto de eu ter dois passaportes em meu nome, um dos quais serviria para pedir o visto para os EUA na África do Sul.

Só uma intenção obcecada com a perseguição pessoal - e não legal - pode afirmar que o facto de um cidadão ter dois passaportes válidos em seu nome é algo suspeito. É prática legal em Angola conceder um passaporte adicional, independentemente da validade do anterior, quando este não tem mais páginas disponíveis para os carimbos de entrada e saída dos vários países, mantendo os vistos (no caso, para África do Sul) no passaporte que, apesar de válido, tem as páginas praticamente todas utilizadas. Assim, o cidadão não precisa de pedir novo visto, o que até lhe seria negado pelo consulado competente, tendo em conta que ainda existe um visto válido. É por esta razão que eu tenho um passaporte com o visto, mas sem páginas, e outro passaporte sem o visto, mas com páginas para o controlo migratório.

3. Mãe

Sobre a situação da minha Mãe, as afirmações de V. Exa. são no mínimo aleivosas e ordinárias. a) Destrata-a, pelo facto de ela se assumir como meeira; c) Quase me chama de mentirosa, por ter afirmado que a minha mãe é co-herdeira; b) Destrata-a pelo facto de numa carta eu ter escrito o nome dela com o sobrenome de casada, quando já se tinha divorciado. Passo a esclarecer:

a) Qualquer jurista sabe que em sede de divórcio, no Tribunal de Família, trata-se apenas da guarda de filhos menores e da moradia do casal e possível homologação, por parte do juiz, dos acordos assinados pelos cônjuges. Neste contexto, após obtenção da certidão do divórcio, será nas salas do civil que se discute ou se partilha a meação do património do casal. Como afirma, e muito bem, o meu pai morreu um ano após o divórcio, ou seja, não houve o tempo suficiente para se efectivar a partilha dos bens do casal. A dona Angélica casou-se com o senhor Valentim, na altura ainda menor, em Março de 1981 no religioso e em Março de 1989 no regime de comunhão de bens adquiridos. O referido matrimónio foi reconstituído em 2003 (Doc. 1), devido ao extravio dos documentos na Conservatória do Registo Civil da Comarca do Huambo, em função da guerra pós-eleitoral de 1992.

Por má-fé ou ignorância, o PGR atropela o despacho judicial da 2ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, datado de 16 de Julho de 2013, referente ao Processo nº 0035/09-B, que determina a Dona Angélica como meeira (Doc. 2). Essa acção foi promovida pela Procuradoria-Geral da República junto desta secção (Docs 3 e 4).

Ademais, em várias sociedades do GVA (Grupo Valentim Amões) a Dona Angélica é sócia e sócia maioritária da maior e mais lucrativa empresa do grupo, a Marinela Comercial.

b) Quanto à V. afirmação sobre a minha mãe não ser co-herdeira, mais uma vez se nota que o PGR tem baseado a sua actuação, no mínimo, no que ouve dizer na rua e não em sede de justiça.

No trágico acidente em que o meu pai perdeu a vida, também faleceu um dos filhos do senhor Valentim Amões, Sílvio Amões, cuja mãe é a Dona Angélica. Ou seja, por direito sucessório vigente em Angola, ela é a única herdeira. A 31 de Outubro de 2008, foi publicada no Jornal de Angola o Certificado de Habilitação de Herdeiros, passado pelo Segundo Cartório Notarial da Comarca de Luanda, declarando como única herdeira do seu falecido filho “Angélica Chitula Amões” (Doc. 5).

Logo, no Despacho de 25 de Fevereiro de 2014, da 2ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, referente ao Processo nº 035/08-B, Angélica Amões consta como co-herdeira, entre os filhos de Valentim Amões, na sua qualidade de herdeira do malogrado Sílvio Amões, que faleceu sem filhos.

c) Quanto ao facto de eu afirmar que a minha mãe é Angélica Chitula Amões e não Angélica Chitula, por ter perdido o apelido aquando do divórcio. Primeiro, o apelido julgo que se perde após o divórcio e não aquando do divórcio, uma vez que os efeitos pessoais do divórcio se produzem quando o mesmo se torna definitivo. Segundo, até onde sei e me informei, quando o casal se divorcia, mesmo que deixe de usar o apelido do ex-marido, isso não se reflecte na filiação dos filhos que geraram enquanto casados. Ou seja, basta ver o meu bilhete identidade, onde constará na minha filiação a seguinte Mãe: Angélica Chitula Amões (Doc. 7), conforme o meu registo de nascimento.

4. Declaração Médica

Finalmente, uma nota sobre as declarações médicas. Importa realçar o seguinte: a mesma foi passada pela directora da Geno-obstetrícia da Clínica Cligeste, após ter detectado arritmia no feto. O documento foi produzido antes mesmo de ter sido notificada pela DNIAP 

5. Cartas Rogatórias

V. Exa. afirma, com toda a convicção, que engendrei manobras dilatórias para obstruir o curso da justiça, ao ter omitido intencionalmente contas bancárias domiciliadas no estrangeiro, em nome do meu malogrado pai.

Sempre emocionado, V. Exa. acrescenta que fui “a correr” ao tribunal entregar extractos bancários das contas domiciliadas em Portugal depois de a Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP) ter enviado cartas rogatórias ao exterior. Isso é simplesmente inacreditável, pelas seguintes razões:

A 12 de Dezembro de 2011, o Tribunal Provincial de Luanda, como parte do inventário obrigatório, emitiu cartas rogatórias a Portugal (Doc. 9), para que fossem notificados dez bancos locais no sentido de se apurar a existência de contas bancárias do malogrado. Outras foram emitidas para a Bélgica, França, Grécia, Holanda, Hong-Kong (China), Suécia e Suíça. Era mais um trabalho de adivinhação. Onde houvesse contas, pedia-se o extracto bancário e a transferência dos valores existentes para a conta do Tribunal Provincial de Luanda, domiciliada no Banco de Poupança e Crédito.

O processo contra mim só foi remetido para a DNIAP, órgão tutelado por V. Exa., em Outubro de 2013. Logo, o general está enganado. Se a DNIAP enviou cartas rogatórias, fê-lo sobrepondo-se à competência do tribunal que já o tinha feito dois anos antes.

Mais informo V. Exa. que a 5 de Julho de 2011 as minhas advogadas solicitaram, mais uma vez, ao Tribunal Provincial de Luanda, para que fossem notificados os ex-directores do GVA a prestação de informações sobre contas bancárias em offshore e em bancos estrangeiros.”

Eu não era fiel depositária de informação do grupo ou de segredos profissionais do meu pai. Por altura do seu falecimento, eu era apenas a sua filha que estudava no exterior do país.

Senhor General João Maria Moreira de Sousa,

O que está aqui em causa não é a Lei, mas uma perseguição desenfreada que nem respeita os mínimos requisitos exigidos por lei. O grande objectivo dessa operação é tornar-me um cadáver vivo na perseguição de dinheiros supostamente existentes em contas secretas, mas lutarei pela justiça em Angola.