Luanda - Um emotivo ritual politico, consubstanciado na realização de uma conferência extraordinária do MPLA, marcou esta semana a transferência completa de poderes para Higino Carneiro, depois de ter sido nomeado para Governador Provincial de Luanda, num país que continua a ser fortemente tributário do anterior "regime do partido-estado".

Fonte: Opais

O que faltava ao General na reforma, e que ele reclamou desde o inicio, era o controlo politico do aparelho local do partido governante de que ele também é dirigente ao nível do seu BP.


Este aparelho está sob a tutela do Comité Provincial de Luanda, tendo até à última terça-feira estado sob a liderança de Bento Bento (BB), cargo que assumiu em 2003. O referido ritual político-partidário que foi uma das caixas altas da actualidade da semana que está quase a "bazar", teve assim um duplo significado.


Para além da entrega ao General Higino Carneiro do comando das "tropas" que lhe estavam a faltar, foi o momento simbólico do tonitruante Bento Bento deixar um posto que ocupou e geriu com uma garra particular, durante cerca de 13 anos, na considerada maior praça politica do país.

Foi um período que até aos dias de hoje, praticamente ocupou toda a fase do pós-guerra que o país começou a viver a partir de 2002, com a morte em combate de Jonas Savimbi.


A garra particular que aqui se destaca teve a ver com a necessidade de afirmação do próprio Bento Bento, pois pela primeira vez na sua trajectória pelas fileiras do MPLA iniciada em Abril de 74 com 16 anos de idade, era-lhe entregue uma missão com tamanha abrangência e responsabilidade.

Foi de facto a sua grande oportunidade que ele soube aproveitar como ninguém, tendo ultrapassado todas as expectativas pelas melhores, mas também pelas piores razões, sendo aqui o consenso impossível de se conseguir nesta classificação.

Destes 13 anos de Bento Bento no comando das falanges rubro-negras em Luanda muito já se disse e de forma sempre desencontrada, mas pelos vistos ainda muito mais se vai dizer na hora dos inevitáveis balanços que serão feitos sempre a conta-gotas e em função das lentes políticas de cada um dos analistas.

O que é facto é que no consulado de Bento Bento realizaram-se duas eleições gerais, tendo sido neste período de tempo que se assistiu a um movimento sem precedentes de mobilização das hostes partidárias mas não só, em torno da figura do Líder.

Na memória colectiva ficou retido o tratamento de "nosso fofucho" como ele se referiu, pelo menos uma vez em público, à pessoa do Presidente José Eduardo dos Santos.

Mas ficaram outras igualmente famosas, como "vamos partir o disco duro da oposição" ou "vamos controlar milímetricamente a oposição nos nossos bairros", de uma longa lista de permanentes ameaças que povoaram o seu musculado discurso político, que foi claramente uma das notas mais mediáticas do seu desempenho como responsável partidário.

Até então nunca se tinha visto no seio do MPLA uma defesa tão ardente e pessoalizada da figura do Presidente José Eduardo dos Santos.

Tal aposta terá valido, certamente, a Bento Bento preciosos dividendos para a sua afirmação e ascensão no seio do partido, mas que nem sempre foram suficientes para o proteger de outros ataques mais cirúrgicos dos seus adversários internos que não viam com muito bons olhos esta meteórica subida da sua influência.

Para um "pintor de crónicas", foi verdadeiramente deslumbrante a "paisagem" oferecida pela Conferência Extraordinária do Comité Provincial de Luanda do MPLA realizada esta semana no Centro de Convenções de Belas.

Apesar de já pertencer ao passado nesta "paisagem", Bento Bento acabou por se destacar no ritual da passada terça-feira pelo conteúdo do improvisado e algo atabalhoado discurso de despedida que proferiu diante das centenas de delegados que foram até lá homologar e testemunhar a transferência dos seus poderes para o General Higino Carneiro, que é agora também o novo homem forte do MPLA em Luanda.

Das palavras proferidas pelo General certamente ninguém se vai esquecer daquelas onde ele resumiu o seu método de trabalho, quando afirmou: " Eu não gosto de correr. Eu antecipo-me".


Curiosamente e logo a seguir a estas palavras, soubemos que para além de se antecipar, o General também gosta de recuar um bocado no passado para ir buscar reforços, o que ficou patente na substituição do Director do IPGUL, o Doutor Arquitecto Helder José, por alguém que com ele já tinha trabalhado nos tempos em que foi Ministro da Construção.

Estamos a falar do regresso à ribalta do antigo Director do INEA, o Arquitecto Joaquim Sebastião.

Já dos vinte e tal minutos que durou a despedida de Bento Bento, foi efectivamente um momento político extraordinário ao nível da informalidade, mas que permitiu a todos quantos tiveram acesso na integra às suas palavras, terem uma ideia mais ou menos exacta do que foram em parte estes 13 anos da sua caminhada.


O recado enviado aos "generais que mandam e desmandam em Luanda" ainda não está todo descodificado, mas já deu para perceber qual foi um dos destinatários da mensagem, enquanto que em relação aos outros ainda haverá algumas dúvidas.


Para o "pintor de crónicas" a parte dedicada aos generais foi, obviamente, aquela que mais brilhou no conjunto da "paisagem" e que, certamente, mais panos dará para fazer outras mangas.


Em perspectiva já estamos a ver este futuro embate de estrelados na "cidade-estado" que é Luanda, onde de acordo com o derradeiro diagnóstico de Bento Bento já não havia mais hipóteses de se colocar alguma ordem no circo, só com recurso aos métodos da administração convencional.

No meio de todo este caos sobrou como sempre, segundo BB, a clarividência de alguém, o único que sempre soube ver a floresta, enquanto outros apenas têm lidado com a existência de algumas árvores.
*In Secos e Molhados/O PAÍS (19/02/16)