Luanda - A proposta é de alguém que tal como este escriba esteve há 40 anos numa já histórica reunião, onde se decidiu a composição do primeiro governo que viria a conduzir os destinos da primeira República, a Popular, no novíssimo país independente de Angola, proclamado a 11 de Novembro de 1975.

Fonte: OPais

Desta feita a "peregrina ideia" não foi avançada numa reunião à porta-fechada com Agostinho Neto com os únicos consultores que existiam na época e que eram os militantes e quadros da organização que tinha conseguido ficar com a capital em sua posse, depois dos "Acordos de Alvor" terem sido completamente estilhaçados.

Desta vez a tão brilhante quanto provocadora ideia (no melhor sentido é claro) teve a assinatura do empresário Carlos Cunha (Oca) e foi partilhada num debate público promovido terça-feira última pela TV-Zimbo, com direito à reposição este domingo a partir das 22.00 horas, cujo acompanhamento gostaríamos de recomendar a quem não teve a oportunidade de seguir o directo.

Quem quiser bisar a dose, sinta-se à vontade para fazê-lo, porque estamos diante daquele tipo de programas que vale a pena ver de novo que não lhe fará mal nenhum nem aos olhos nem à mente.

Antes pelo contrário.

Há quarenta anos fez-se um governo com pouco mais de dez pessoas. Hoje só em Secretários de Estado já temos mais de 50 e até nos damos ao luxo de, em termos salariais/mordomias, fazer equiparações dos administradores municipais ao nível da hierarquia do aparelho central.


Numa altura em que a orientação estratégica do país, se o Executivo quiser recuperar alguma credibilidade perdida, mais do que nunca, tem de apontar e passar, necessariamente, por uma rápida e expressiva redução do peso dos gastos do aparelho do estado no conjunto das gordurosas despesas públicas, não faz muito sentido estarmos a pensar na criação de mais um ministério. E mesmo, que fosse só como mais uma "brincadeira" ao nível da liberdade de expressão, com o risco depois da mesma vir a ser utilizada por quem de direito como prova de mais um acto preparatório qualquer.

Correndo esse risco, o problema é que começa mesmo a fazer todo o sentido pensar-se nesse "ministério" e é aí que começa a nossa história de hoje em defesa das "coisas pequenas".

Em abono da verdade é uma história que não é de hoje, nem é de ontem, pois já tem alguns anos.


A partir de certa altura, já não nos lembramos bem quando, começamos a desconfiar seriamente de algumas apostas feitas com recurso ao erário público, passe a redundância, depois de termos ficado a saber que o primeiro tem sempre o caracter do segundo, não havendo por conseguinte erários privados.

O problema é que na prática, e também a partir de certa altura, começamos a lidar com a conflituosa questão da privatização do erário, pelo que talvez seja necessário, no nosso caso, continuar a sublinhar sempre, a titulo pedagógico, o caracter público das finanças estatais.


Estamos a falar de um país onde muitos dos que mandam ou influenciam directamente o poder confundem pensar em grande apenas com fazer investimentos milionários com dinheiro público e a partir de uma certa fasquia, de preferência já com dois zeros.

A nossa desconfiança teve por pano de fundo a "febre comissionista" que também, a partir de certa altura, se apoderou dos decisores/gestores públicos, sendo fácil de perceber que quanto maior fosse o montante do investimento, maior seria a "poupança" a ser desviada para o "erário privado".

São, como reza a história, os vários milhões que depois desapareceram sem deixar rastos multiplicadores em termos de impacto positivo na paisagem do desenvolvimento sócio-económico.

As manchas da pobreza extrema e da exclusão social continuam bem visíveis a sinalizar os fracos resultados de uma estratégia que tem de ser repensada urgentemente e numa base mais consensual, aproveitando esta oportunidade criada pela crise.

Os desequilíbrios sociais e as assimetrias regionais não dão sinais mais consistentes de estarem a ser definitivamente substituídos por realidades mais prósperas e consentâneas com o crescimento económico/PIB que se verificou até certa altura.

Os arrotos das "vacas gordas" na altura, recorde-se, faziam tanto barulho que eram ouvidos quase em todo o mundo e até davam para pagar, com recurso directo ao OGE, milhões de dólares em publicidade na CNN, mas não só.

Uma das oportunidades que esta crise, a manter-se, pode vir a criar, é a abertura de um canal de comunicação/diálogo mais directo e sustentável e biunívoco, entre governantes e todos os governados, fora dos lobbys familiares, das clientelas mais próximas, das camisolas e dos coletes partidários.

Neste âmbito faz pois todo o sentido discutir-se a ideia estratégica e estruturante subjacente a sugestão do empresário angolano relacionada com a criação de um "ministério das coisas pequenas".

Sobretudo, se esta nova estrutura resultar antes de mais da extinção de tantas outras que povoam o nosso ordenamento institucional sem qualquer serventia, sem qualquer utilidade, para além de acomodar apoiantes políticos e agravar o défice orçamental, catapultando o despesismo público para patamares cada vez menos sustentáveis.

É chegada a altura de se pensar seriamente na adopção de num nova estrutura para este pantagruélico Executivo, que não tem parado de crescer em gorduras desnecessárias ao bom funcionamento de um organismo que se pretende saudável, mas que por este andar não tardará em entrar em "coma".

Este "ministério das coisas pequenas" até poderia começar por reunir num só, os actuais dois "ministérios das coisas grandes" que são os economia e do planeamento com todas as suas inúmeras secretarias de estado.

No limite este novo pequeno "ministério" e depois de ter engolido aqueles dois grandes, até poderia virar uma secretaria de estado na dependência directa do Titular do Poder Executivo, por causa da "autoridade" que este relacionamento lhe ia conferir para começar a mandar para trás todos os "projectos milionários" de duvidosa idoneidade e questionável sustentabilidade.

Estas são apenas algumas sugestões complementares que valem o que valem, sendo o mais importante para já chegar-se a conclusão (ou não) que os grandes projectos financiados com recurso ao erário não estão a ter o retorno que deles se esperava.

Mais grave do que isso, esses projectos podem estar a ter um efeito contrário, sem falar apenas do seu aspecto financeiro, com o agravamento do endividamento público interno e externo.

O empresário falou da necessidade de se priorizar as estradas secundárias e terciárias, mas no que toca a circulação de pessoas e bens as apostas continuam a ser outras.

Enfim, que a crise, crie pelo menos a oportunidade de discutir mais esta maka que "estamos com ela".

Já é antiga, mas talvez agora haja outra disponibilidade para a sua revisitação.

*In Secos e Molhados/O PAÍS (4/03/2016)/http://opais.co.ao/um-ministerio-das-coisas-pequenas/