Luanda - As figuras públicas angolanas integrantes de um alegado governo de salvação nacional que não compareceram como declarantes no processo dos 17 ativistas em julgamento em Luanda arriscam agora uma condenação em tribunal mas que dizem não recear.

Fonte: Lusa

Críticos do regime sob ameaça de detenção 

É o caso do general e deputado da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) Abílio Kamalata Numa, que na lista deste alegado governo de salvação nacional - usada como prova contra os ativistas acusados de prepararem uma rebelião - surge indicado para ministro da Defesa, embora já tenha garantido que desconhecia esta lista e que nunca foi contactado.


"Isso tudo para mim conta pouco, o mais importante é que eu não cometi nenhum crime para ir lá depor [como declarante, ao tribunal]. Se me colocam agora na posição de arguido é lá com eles, não estou minimamente preocupado. São um cidadão que cumpre a lei deste país, mesmo não concordando com muitos aspetos", começou por afirmar à Lusa o também dirigente da UNITA.


O tribunal de Luanda que julga os ativistas acusados de preparem uma rebelião e um atentado contra o Presidente prescindiu, na segunda-feira, de ouvir dezenas de declarantes arrolados, dando por concluída a fase de produção de prova, agendando alegações para 14 de março.


A decisão foi anunciada pelo juiz da causa, Januário Domingos, após nova sessão em que nenhum dos declarantes que integra a lista do suposto governo de salvação nacional ter comparecido em tribunal, para prestar declarações.


"Prescindimos das declarações e não dos declarantes", disse o juiz, dando provimento a recursos da defesa e do Ministério Público para "acelerar" o julgamento, que se arrasta em sucessivos adiamentos desde novembro.


Anunciou também que serão alvo de processo por desobediência todos os declarantes que foram "notificados pelos meios previstos na lei e deliberadamente não compareceram, em afronta ao tribunal ou por simplesmente não pretenderem fazer declarações, com o fim de obstruir a Justiça".


A lista em causa terá resultado de um desafio nas redes sociais lançado pelo jurista angolano Albano Pedro, que confessou a autoria do mesmo, mas que não está acusado neste processo, e os integrantes notificados por escrito ou edital publicado no Jornal de Angola que não compareceram em tribunal arriscam agora uma pena de até três meses de prisão (artigo 188 do Código Penal).


"Mas qual é a norma em que o juiz se fundamenta para fazer notificações através do Jornal de Angola? O direito é precisamente o combate ao arbítrio, à ditadura e não o contrário", disse por seu turno Rafael Marques, indicado nesta lista para o cargo de ministro da Justiça e Direitos Humanos.


O ativista e jornalista angolano garante que não comparecerá voluntariamente no tribunal, até porque nunca foi devidamente notificado. "Eu não gostava de dizer que o juiz é um palhaço, mas é o que parece. Eu passei grande parte do ano passado no tribunal, não tenho medo de ir a tribunal, não tenho medo de arbítrio, de abusos", afirmou.


Também Kamalata Numa disse à Lusa que não vai comparecer no tribunal, até porque a condição de deputado obriga a uma autorização prévia da Assembleia Nacional, que não terá sido pedida, não sendo caso único no maior partido da oposição, já que acontece também com Liberty Chiaka (deputado e declarante).


"Nós, os impotentes, os descriminados desta sociedade, somos as pessoas que são atiradas logo à fogueira por tudo e por nada. Eu não cometi nenhum crime e o próprio tribunal sabe a minha situação e eles se quiserem tratar comigo têm de tratar primeiro com a Assembleia Nacional", recordou o general Numa.

Entre os declarantes que agora podem passar a arguidos está também o ex-primeiro-ministro Marcolino Moco, que na referida lista estava `designado` para o cargo de presidente do Tribunal Supremo de Angola e que sempre se recusou a prestar declarações neste julgamento, apontando a falta de isenção dos tribunais do país em relação ao regime.