Luanda - Quando o Presidente José Eduardo dos Santos anunciou, na sexta-feira, perante o Comité Central do MPLA e perante o povo, a retirada da vida política activa em 2018, a minha memória num repente trouxe para o consciente um turbilhão de acontecimentos marcantes das últimas quatro décadas na vida de Angola e em todos havia algo em comum, a presença e a liderança de José Eduardo dos Santos.
Fonte: JA
Retrato de um líder no género crónica
Um kandengue, de repente, indicado para substituir o “mais velho”, o Kilamba, na mais alta magistratura da nação, assim, de choque, sem pré-aviso… Um jovem tímido, envergonhado, de maneiras cordatas, de vestir simples…
O jovem José Eduardo dos Santos não queria acreditar, ele não tinha pedido nada, ele não se tinha nunca perfilado para o cargo nem era “presidenciável”.
Quando o “velho” Lúcio Lara o foi buscar a casa no seu velho carro, o jovem José Eduardo dos Santos hesitou, não queria abrir a porta de casa, parecia um sonâmbulo. Mas o “velho” acordou-o: camarada José Eduardo dos Santos, tem de assumir as suas responsabilidades.
O jovem José Eduardo dos Santos “caiu” no Palácio sem tempo sequer de comer um bom funje, como os jovens da sua idade.
Ele recordou-se, Sambizanga, liceu, música, fuga para o Congo, luta de libertação nacional, Independência Nacional…
E agora? Agora, calça os sapatos e corre, camarada José Eduardo dos Santos. Ele podia ficar assim, a fingir que está a pensar, abrir de mansinho a janela, saltar e fugir com dor de barriga, todos o iam compreender. Mas não o fez. Mais uma vez assumiu o sacrifício iniciado na juventude.
Naquele fim de ano de 1979 Angola começou a ficar outra, o carimbo “José Eduardo dos Santos” da mudança começou a ser aposto em toda a acção do Estado.
O difícil processo de reconciliação dos angolanos, traumatizados por divisões que pareciam insolúveis, foi uma das prioridades da recém-iniciada governação do jovem José Eduardo dos Santos.
Ao mesmo tempo o novo Presidente lançou uma consistente estratégia diplomática virada para a paz na África Austral, oferecendo a via do diálogo aos Estados Unidos e à África do Sul para o alcance da Independência Nacional da Namíbia, para o fim do regime racista do apartheid, para a libertação de Nelson Mandela e para o fim da guerra em Angola.
A década de 1980 foi decisiva
A década de 1980 foi decisiva na acção de José Eduardo dos Santos como Presidente da República e como presidente do MPLA.Ele não se escusou com justificações de inexperiência ou de forças de bloqueio. Ousou mudar, ainda jovem Chefe do Estado e do MPLA, sem medo, as estruturas políticas e económicas, ao mesmo tempo que liderava e vencia grandes batalhas militares contra os racistas sul-africanos e seus aliados internos no Cunene e no Cuando Cubango.
José Eduardo dos Santos, ainda jovem Presidente nos quarenta anos, teve a coragem de reestruturar o MPLA, propondo a adopção de nova ideologia política que conduzisse ao multipartidarismo e transformasse a organização política num dos mais fortes, abrangentes e bem organizados partidos políticos africanos. O mundo estava a mudar e José Eduardo dos Santos estava na liderança das transformações em Angola e na África Austral.
A economia de mercado deu os primeiros passos na Angola independente por iniciativa de José Eduardo dos Santos. Uma transformação igualmente difícil porque a mentalidade do “estatismo” estava entranhada.
Democracia multipartidária, economia de mercado, liberdade, estabilidade, reconciliação e paz entre os angolanos, África do Sul livre do apartheid, passaram a ser as linhas condutoras da acção de um Presidente ainda não chegado aos cinquenta anos.
Aos inimigos armados foi oferecida a paz, a integração na sociedade, num processo cujos recuos foram responsabilidade da liderança da UNITA que, ao contrário de José Eduardo dos Santos, entendia a solução armada e a exclusão como a via a seguir para o país.
Uma dinâmica imparável
A partir de 1990 a condução do país define-se por uma dinâmica interna e externa imparável nunca antes conhecida.
José Eduardo dos Santos, vencido o apartheid sul-africano e com a Namíbia a despontar como país soberano, protagoniza importantes acordos de paz internos para o fim da guerra e a inserção dos militantes da UNITA na sociedade angolana. O Presidente teve a inteligência política de reconhecer que a guerra, se fosse vencida pelas armas, não trazia o apaziguamento, a reconciliação, a estabilidade e o desenvolvimento ao país. A humanidade do estadista foi estendida aos inimigos armados para a sua integração plena na sociedade civil, militar e política. A democracia multipartidária foi instituída, dezenas de partidos políticos foram criados e se estabeleceram, as portas do Governo foram abertas a dirigentes da UNITA.
José Eduardo dos Santos, na qualidade de Presidente da República, liderou toda a estratégia de risco para a realização das primeiras eleições multipartidárias em Angola, numa altura em que a UNITA persistia em não desmobilizar as suas tropas.
Em 1992 acompanhei José Eduardo dos Santos a algumas províncias no âmbito da campanha eleitoral. O Andulo, Benguela, Bailundo, entre outras cidades foram palco de verdadeiros banhos de multidão para ouvir o Presidente e a sua mensagem de paz e de reconciliação.
José Eduardo dos Santos conduziu o MPLA a uma vitória esmagadora nas eleições legislativas de 1992 e ganhou a primeira volta das eleições presidenciais.
Mas o líder da UNITA teve medo de enfrentar o Presidente José Eduardo dos Santos numa segunda volta das eleições e fugiu de Luanda, onde estava instalado numa luxuosa mansão do Miramar, abandonou os seus homens e desencadeou uma destruidora, cruel, mortífera e sanguinária guerra contra o povo, que levou o país a uma situação de penúria e de desespero, só invertida, mais uma vez, pela sábia liderança de José Eduardo dos Santos.
Uma ideologia humanista
A ideologia democrática e humanista de José Eduardo dos Santos chegou ao patamar supremo, de que poucos líderes se podem gabar, de enfrentar uma guerra injusta e demolidora e ao mesmo tempo manter o sistema multipartidário, com a UNITA sentada no Parlamento e a fazer a guerra.
Apesar dos muitos apelos internos e internacionais, Jonas Savimbi não aceitou desistir da guerra e persistia na destruição de vidas humanas e das infra-estruturas.
Reorganizadas as Forças Armadas, com o concurso de oficiais superiores da UNITA que não seguiram Savimbi na guerra, José Eduardo dos Santos demonstra mais uma vez a sua inteligência político-militar ao liderar uma campanha de cerco e aniquilamento dos inimigos da paz e da democracia.
Dez anos depois das primeiras eleições multipartidárias e com um país exaurido pela guerra terrorista de Jonas Savimbi, este é cercado e morto, quando se aprestava para fugir por uma das fronteiras do leste do país com os poucos homens que lhe restavam no terreno.
Vencida a UNITA pelas armas, José Eduardo dos Santos, o homem simples, tolerante, sensato, humilde, não vergou os seus inimigos. Ao contrário, de novo lhes estendeu a mão e os convidou a integrarem a sociedade angolana em igualdade de circunstâncias com o partido vencedor das eleições, o MPLA.
A integração da UNITA deu-se gradualmente e de forma aberta, sem armadilhas nem jogos escondidos.
Seis anos depois, em 2008, um líder amadurecido pela complexidade da situação interna e internacional, e dirigente já respeitado em todo o mundo, conduz o seu partido, o MPLA, a nova vitória eleitoral esmagadora.
A paz, a estabilidade, a democracia e o desenvolvimento, cerca de 30 anos depois de o jovem José Eduardo dos Santos render o “mais velho” Neto, navegam em velocidade de cruzeiro, sem precipitações nem atropelos aos direitos humanos.
A guerra: triste recordação
A guerra é já só uma triste recordação, a UNITA integrou-se na totalidade da sociedade angolana e faz frequentes apelos a uma paz efectiva e à reconciliação, na esteira da arquitectura política dirigida por José Eduardo dos Santos.
O ano de 2012, após ser aprovada, pela Assembleia Nacional, uma nova Constituição da República, conhece novas eleições gerais para a escolha do Presidente da República e dos deputados da nação. A amadurecida liderança de José Eduardo dos Santos dirige uma vez mais o MPLA para uma vitória retumbante. De novo acompanhei o Presidente no seu périplo eleitoral pelo Lubango, Lobito, Bié, Huambo e de novo vi centenas de milhares de pessoas entusiasmadas com a mensagem de esperança, de optimismo, de unidade nacional, de estabilidade, de liberdade.
Com a liderança de José Eduardo dos Santos Angola tornou-se um país pacífico, no qual as pessoas se podem deslocar livremente pelas estradas e caminhos de ferro reconstruídos e muitas vezes erguidos pela primeira vez. Um esforço enorme, só compreendido por quem tem a pesada responsabilidade de governar, foi empreendido para construir e reabilitar aeroportos e complexos hidroeléctricos e por todo o lado se constroem sistemas municipais de abastecimento de água potável e a energia eléctrica solar ganha terreno.
Em 2015 Angola começa a conhecer uma situação menos boa com a diminuição do preço do petróleo, monopólio das exportações. Sem demora, o Presidente José Eduardo dos Santos fala à nação, preparando-a para tempos de contracção económica, mas não esperando para lançar programas de diversificação da economia com vista a, a médio prazo, Angola se tornar um país exportador da agro-indústria.
A integração na região Austral de África consta das prioridades da governação de José Eduardo dos Santos, com vista a tornar a zona num imenso mercado comum com livre circulação e inclusão das populações.
Mas a acção diplomática do Presidente José Eduardo dos Santos não fica pela zona sul do continente. Das suas preocupações consta a complexa situação de conflito na região dos Grandes Lagos, em cuja organização Angola detém papel preponderante, com o seu exemplo de solução interna do conflito armado.
Também a pirataria e a segurança no Golfo da Guiné concentram a atenção de José Eduardo dos Santos, que promoveu uma parceria com as forças armadas dos EUA e de outros países ocidentais e africanos para o patrulhamento e fiscalização da zona.
Mas foi nas Nações Unidas que a acção governativa proactiva e virada para a paz de José Eduardo dos Santos, conduziu o país à conquista de um lugar de membro não-permanente do Conselho de Segurança. Todos os dias emissários de países ocidentais, asiáticos, americanos e africanos viajam para Luanda em busca de parcerias para o desenvolvimento em todas as áreas económicas, uma prova indubitável do êxito da governação de José Eduardo dos Santos.
O 4 de Abril é comemorado como o Dia da Paz. O nome e a liderança de José Eduardo dos Santos vão ser referenciados por todo o país como os alicerces, as paredes e o telhado de uma obra ímpar no mundo contemporâneo, começada muito cedo, aos 18 anos, continuada em fins de 1979 com a responsabilidade máxima da governação que levou Angola à paz, à reconciliação, à democracia multipartidária, à economia de livre iniciativa, e com novos caminhos hoje, rumo à vitória nas eleições gerais de 2017.