Luanda - A Inspecção-Geral de Saúde (IGS) intensificou o combate à falsificação de medicamentos e apertou a vigilância nos hospitais. À frente da instituição, Miguel dos Santos Oliveira admite ter falta de quadros e revela as dificuldades que encontra nos hospitais.

Fonte: NG
O que faz a IGS quando detecta medicamentos falsos?
A retirada de lotes de medicamentos no mercado é algo normal, praticada em todo o mundo. Enviamos circulares quando recebemos alertas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Comunicamos preventivamente para que o medicamento não chegue ao consumidor. Quando já está no mercado, comunicamos aos distribuidores e criamos uma equipa composta pela Administração Geral Tributária e Serviço de Investigação Criminal para fazer vistorias aos armazéns. Se for mal transportado, acondicionado e conservado pode ser impróprio para o consumo. Às vezes, detectamos lotes impróprios, devido a erros de fabrico.
A nossa maior preocupação é com as fronteiras terrestres. Há medicamentos que chegam dos dois Congos e da Zâmbia de forma clandestina. É muito difícil termos controlo, por isso, são apanhados nas farmácias. Esses medicamentos vêm escondidos em caixas de flores, peixe seco, em pneus e são introduzidos no circuito.

O que é acontece a quem introduz esses medicamentos?
Tem a responsabilidade de retirar os medicamentos, fazendo a recolha na rede de distribuição. Nós monitoramos o processo. O distribuidor deve comunicar às farmácias e aos hospitais para comunicar a quem prescreve. Depois é destruído na presença dos inspectores e do Serviço de Investigação Criminal (SIC). Se o problema for de fabrico, poderá resolver com o produtor. Se for de transporte, é com o transportador. Se for provado que houve intenção de introduzir os medicamentos aplicamos multas e entregamos o caso ao SIC, para abrir um processo-crime.

Há um número elevado de medicamentos falsos?
Já diminuiu bastante. No passado, havia muitos casos. Um dos elementos que contribuiu para a redução foi a proibição de transporte de medicamentos por pessoas não autorizadas. Se andarmos nas ruas, o zungar medicamentos diminuiu. As farmácias criaram condições adequadas. O mercado que ainda persiste é o da venda de medicamentos para a disfunção sexual. A venda dos anti-maláricos diminuiu. Mas tem de haver leis para proibir a circulação anárquica de medicamentos. Quem está na venda de medicamentos deve ser responsável, porque qualquer mau manuseio pode causar mortes.

Qual é a origem deles?
Os medicamentos falsos encontram-se em todo o mundo. Angola compra os medicamentos maioritariamente na Europa e Ásia. Os falsificados são da Nigéria, Congo Democrático, República Centro Africana, Índia e China. É bom não fazer confusão. As maiores fábricas de medicamentos do mundo estão na Índia e China. Mas onde há bons medicamentos, há também falsificadores. Por isso, sempre temos dito aos importadores para comprarem em laboratórios certificados pela OMS. Mesmo da Europa vêm medicamentos falsos. É um mito dizer que todos os medicamentos da Europa são bons. Nos países africanos, o controlo é deficitário.

Existe uma ‘máfia’?
Infelizmente há. O mercado da venda de medicamentos rende milhares de milhões de dólares todos os anos. Em todo o sector que dá biliões, a ‘mafia’ está presente e bem estruturada. Os organismos de fiscalização devem estar muito atentos e o segredo para descobrir o original do falso está no detalhe.

E a medicina natural?
Há muita gente que se apresenta como terapeuta tradicional e não é. Muitos são curandeiros e feiticeiros e não passam em cursos. Quando se querem licenciar, dizem que têm formação em medicina natural, mas quando trazem o diploma possuem apenas um curso de uma semana. É uma área que actuamos com os responsáveis da direcção de Saúde Pública e da Câmara dos Terapeutas Tradicionais.

Como é controlada a qualidade dos medicamentos?
Nesta área, temos duas vertentes. Há os que importam para a medicina natural quase sempre com os efeitos fitoterápicos e há os que exercem a actividade com medicamentos da nossa flora. Temos de fazer a diferença. Os que importam devem apresentar certificados.

Existem clínicas ilegais?
É um mito pensar que tudo o que existe de privado é clínica. Estão divididos por postos de enfermagem e médicos e centros médicos. Temos as clínicas de 3.ª, 2.ª e de 1.ª. Depois temos as de especialidade, como as de cardiologia, estética e oftalmologia. O número de unidades sanitárias ilegais reduziu porque fizemos o levantamento de todas, as legalizadas como as reconhecidas.

Há dois anos, a IGS denunciou a existência de clínicas ilegais de estética…
Depois desse anúncio, assistimos ao licenciamento massivo de clínicas que se dedicavam à estética, oftalmologia, estomatologia e outras. Deu-se aqui um passo muito grande. O serviço de estética também se dedicava a cirurgias e era necessário pormos ordem. Conseguimos legalizar quase todas.

Como são inspeccionadas as empresas de água?
Há, por vezes, água vendida supostamente como mineral ou de mesa e que não é nada disso. É uma água captada e engarrafada em locais impróprios. Está contaminada, mas passa como água pura, mineral e de mesa. As empresas de águas são licenciadas pelo Ministério da Indústria, mas não basta. Estamos a concertar com a Inspecção-Geral Industrial para traçarmos formas conjuntas de fiscalização.

“Faltam quadros”

Como encara o trabalho da IGS?
Desde 2010, que reestruturamos a IGS. Antes, existiam apenas 19 funcionários, entre administrativos e inspectores muitos dos quais estavam já em fim de carreira. Em 2012, foram recrutados jovens. Temos cerca de 50 funcionários. Estamos a formar em quatro áreas fundamentas: inspecção administrativa e financeira, sanitária, farmacêutica e hospitalar. Cada uma exige pessoal qualificado e necessitamos de mais quadros. O Estado deve elaborar normas de consenso com os profissionais da área e fazer a fiscalização. O papel da IGS é muito importante para diminuir as mortes e a mortalidade materno infantil. Muitas vezes testemunhamos acções que são autênticos atentados à saúde.

Como inspector, quando entra num hospital e se identifica, como é visto?
Os utentes gostam. Já os profissionais sentem-se desconfortáveis, mas procuramos explicar a nossa função de uma forma educativa, sem usar posições musculadas. Em 2014, foram expulsos cerca de 70 profissionais falsos. Em 2015, foram 56. No passado, quando entrávamos nos hospitais, fechavam-nos a porta e mandavam recados de que a direcção não estava.

Quais as infracções que mais se notam?
A ausência de profissionais de saúde nos locais de trabalho, atrasos na entrada nos serviços e, por vezes, demora no atendimento. Damos estas informações aos directores dos hospitais. Por isso, o nosso trabalho com os hospitais melhorou bastante.