Luanda - Mais de 5 mil milhões de dólares (€4,4 mil milhões) de clientes terão sido indevidamente utilizados, nos últimos dez anos, por alguns bancos comerciais em Angola que não conseguem, agora, satisfazer os pedidos dos clientes. Esta informação foi revelada ao Expresso por um alto funcionário do Banco Nacional de Angola (BNA).

*Gustavo Costa
Fonte: Expresso

Com a desdolarização do sistema financeiro, aquela prática, em tempos de ‘vacas gordas’, era disfarçada pela abundante oferta de divisas que a conjuntura da época então propiciava mas, agora, a crise económica e financeira que atinge o país, veio destapar o ‘buraco’ em que alguns deles estão mergulhados. “Este é um problema muito grave que os bancos comerciais e o sistema financeiro vão ter que enfrentar”, disse ao Expresso uma fonte da administração do BNA.

Em consequência desta situação, aumentam as reclamações de muitas empresas angolanas e portuguesas, por não poderem utilizar os seus próprios recursos cambiais para fazer operações com o exterior, num país que importa quase tudo para sobreviver. “Muitos estudantes no estrangeiro estão a abandonar as universidades por não estar a ser possível aos pais fazerem transferências para suportar as suas despesas”, disse o economista Luís Paulo.

Estes terão sido alguns dos motivos que levaram o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, a tecer, na semana passada, duras críticas à supervisão do BNA. “Os interesses dos clientes, famílias e empresas estão a ser gravemente prejudicados sem qualquer responsabilização pelos danos causados”, acusou.
Não espanta, por isso, que a insatisfação de Eduardo dos Santos tenha culminado com a exoneração do governador do BNA, José Pedro de Morais, depois de, em outubro de 2008, já o ter afastado do cargo de ministro das Finanças.

Os bancos defendem-se argumentando que “as suas reservas cambiais estão cativas no banco central” e que “a quebra dos leilões de venda de divisas reduziu significativamente a oferta de dólares ao mercado”. E a verdade é que pela segunda vez consecutiva, esta semana não houve a habitual venda de divisas aos bancos comerciais.

“O que eles têm no banco central são apenas 15% do valor dos depositantes, que corresponde ao teto das reservas obrigatórias. E o resto do dinheiro?”, interroga fonte da supervisão do banco central angolano. “O que alguns bancos não assumem, é que fizeram uma utilização imprudente dos dólares dos clientes em investimentos frágeis no interior do país e aplicações pouco seguras no estrangeiro”, denunciou a mesma fonte.

A evaporação dos dólares da conta dos depositantes nalguns bancos comerciais está agora a fazer crescer a tendência para o desencorajamento da poupança interna em divisas. “Toda a gente que pode, preocupa-se, agora, em colocar os seus recursos no estrangeiro, designadamente em Portugal”, disse ao Expresso fonte governamental.

Muitos investidores estrangeiros mostram-se, por isso, preocupados com o silêncio do novo governador do BNA, Valter Filipe, relativamente ao pagamento de dividendos a repatriar. Mas o nervosismo atinge também alguns bancos comerciais que, depois de terem estabelecido um acordo com bancos ingleses para a compra regular de divisas, não veem o governador do BNA dar luz verde a uma operação, que já havia sido autorizada pelo seu antecessor.

Alguns empresários portugueses, com liquidez em Portugal para contornar a falta de divisas nos bancos, a partir de um mínimo de cinco milhões de euros, estão a vender a moeda europeia, em troca de kwanzas ao câmbio praticado no mercado paralelo. “Alguns bancos, em ambos os países, surgem nestas operações como veias de transmissão através de transferências tipo escrow account e os kwanzas comprados aqui, são aplicados em investimentos em Angola”, explicou o empresário português, Jorge Farinha.

Mas a escassez de divisas no mercado formal contrasta com a elevada oferta de dólares e euros no mercado paralelo. “Todos os dias são descarregadas aqui notas novinhas de dólares e euros devidamente cintadas, que são comercializadas à vontade na rua com a cumplicidade da polícia”, refere Ramalhete Figueira, um comerciante português do bairro da Vila Clotilde.