Luanda  - Neste artigo, apresenta-­se uma análise política acerca da expectativa que o discurso último de sua excelência o Eng.o José Eduardo dos Santos (JES), Presidente da República de Angola e do partido governante suscitou no seio da comunidade política, aquando na ‘Reunião Ordinária do Comité Central do Partido MPLA’, ao anunciar a sua retirada da vida política activa, o que pode­-se interpretar como um abandono da gestão da coisa pública.

Fonte: Club-k.net

Apesar de sua excelência JES não deixar claro o motivo que o fez anunciar a sua ausência a partir de 2018, como também não se pronunciar sobre o método constitucional que usará para se efectivar tal almejada alternância na liderança política e, nem se manifestar como o próximo concorrente do partido para as próximas eleições_, as demais opiniões que me antecederam sobre este assunto demonstraram claramente que desde o ponto de vista constitucional, a sua retirada não causará nenhum constrangimento legal, até porque será suave.

Porém — atenção que, não será bem assim; desde o ponto de vista dos estatutos do partido, quando o presidente do mesmo renuncia e abandona o cargo mais elevado daquela associação, quem o sucede é o vice­-presidente do partido, até se convocar assembleia extraordinária para eleição do novo presidente. Se JES entender que ao cumprir com a promessa política abandonando as titularidades de Chefe de Estado e Executivo, ficando apenas com a liderança partidária, surgirá um choque, caso o eventual sucessor não venha a ser ao mesmo tempo vice­presidente do partido, pois na realidade, a figura que desempenha o papel de vice-­presidente da nação, não tem sido a mesma pessoa, ou seja, tal choque será evitável se o 2o cabeça de lista vier a ser o vice­ presidente do ‘glorioso MPLA’ como por aí se tem dito.

Partindo do princípio maquiavélico, o qual narra que o bom político é aquele que age segundo as circunstâncias, JES agiu inteligentemente anunciando o seu afastamento, porque tal permitiu que se criasse um entretenimento político para que se pudesse desviar a atenção dos fazedores de opinião nos mais variados estratos da sociedade, com o propósito de tornar menos relevantes as críticas que se fazem na má gestão que a sua governação vem apresentando, com o objectivo de acalmar os espíritos críticos, uma vez que a transição política tem sido o fervoroso debate entre os cidadãos.

Por outra, a promessa política feita, ainda em Maquiavel tem a ver com o facto de que cabe aos detentores do poder político o seu cumprimento, pois para este autor, o bom político não deve ficar estagnado na palavra dita. Daí que muitas promessas políticas que são feitas nas campanhas eleitorais dificilmente são cumpridas.

Não obstante, acredito que JES compreendeu definitivamente que, em democracia, os mandatos têm limites e que associando temporariamente ao período em que foi empossado como Presidente da República (1979) até aos nossos dias, totaliza 37 anos de liderança. Em outras palavras, diz­-se que “está muito tempo no poder”, o que ele próprio tem admitido francamente como demonstrou em entrevistas que concedera a alguns canais televisivos internacionais, entre os quais o canal SIC — de Portugal.

Ora, se esse foi o motivo, racionalmente JES reconheceu que o homem tem limites desde o ponto de vista natural, e que, a situação actual do país não tem sido do seu agrado, o que se vem a transparecer sempre que é apresentado pelos canais televisivos como ainda, está com desgastes fisionómicos. Apesar de que, a incapacidade física poderá não ser divulgada como sendo a situação da vacatura que o permitirá abandonar o cargo de Presidente da Republica, uma vez que há a possibilidade de se aplicar a alínea e) — abandono de funções, nos termos do Artigo 130o da Constituição da Republica de Angola_, o que me parece muito vago. Como ainda, compreendeu que há necessidade de se dar oportunidade aos sangues novos para levarem a cabo os destinos da nação angolana.

Nesta senda, penso que se o pronunciamento for cumprido, tal retirada permitirá que se faça uma reforma estrutural no aparelho do Estado e também na direcção do partido governante a todos os níveis, pelo que a sua geração perderá a legitimidade moral para impugnar a sua reforma, uma vez que posso aqui considerar que a presença de JES no cargo mais alto da pátria constitui impasse para qualquer iniciativa de se proceder as necessárias reformas.

Quanto a estabilidade política após a ausência de JES na liderança do país, continuará a ser uma realidade desde o ponto de vista do calar das armas, se respeitarmos as instituições democráticas ou as leis que vigoram em Angola. Digo isso, por que o bom funcionamento da sociedade acontece quando os indivíduos que nela integram colocam acima dos seus interesses os interesses colectivos (da nação) e respeitam o pronunciamento das leis da cidade. Tal como Sócrates o fez em Críton —, ao invés de fugir da prisão como desobediência as leis, ou seja, no meu ver —, a questão da estabilidade política em Angola, no que diz Gianfranco Pasquino: “possibilidade de se exercer a actividade política durante o mandato democrático sem que haja interferências menos positivas”.

Verificar­-se­-á depois de haver alternância de governo várias vezes. De resto, parece haver um medo quanto ao que poderá advir depois desta ausência activa divulgada, o que percebe­se, pois fomos habituados socialmente a acreditar no homem forte em detrimento de instituições credíveis.

Para as próximas eleições, já não tenho dúvidas que JES será o candidato a corrida para a Presidência da República pelo partido maioritário, pois, segundo o que se tratou na reunião do comité central do partido dos ‘camaradas’, sua excelência foi tido como o candidato favorito para a presidência do partido, e será reconduzido no congresso ordinário em Agosto próximo. Obviamente, JES anunciou retirada da vida política activa para 2018, porque poderá concorrer em 2017.

Todavia, a outra leitura política que se pode fazer é que, JES pretende usufruir da aceitação popular de que ainda goza, do percurso político alcançado assim como o seu carisma, para concorrer —, na ânsia de ganhar as eleições gerais, no sentido de deixar livre o caminho à presidência para o seu futuro sucessor que ainda se desconhece, por ser um cidadão menos conhecido, ou entenda­se, com pouca aceitação popular, e não prestigiar­-se de uma carreira política determinante, que o faria arrastar um número significativo de votos para a sua campanha, o que teme­se pelo facto de haver a possibilidade de os líderes da oposição vierem a sair­se melhor em relação a tal indivíduo. Contudo, ao renunciar o cargo depois de ganhar as eleições gerais, à luz do Artigo 16o da CRA, seu sucessor ocupará o cargo até o mandato terminar, já que será o candidato número 2 da lista do partido no quadro das eleições gerais e seu vice­ presidente após a tomada de posse. Sendo assim, este por sua vez, enquanto exercer o poder político, poderá ganhar tal reconhecimento popular —, através de várias políticas públicas e sociais a serem apresentadas durante o mandato e através da exibição constante das suas actividades enquanto titular do Poder Executivo e chefe de Estado, pelos órgãos oficiais de comunicação social.

Alternância de liderança sem legitimidade própria poderá acontecer neste parâmetro, porque o mais desejável seria que JES terminasse o mandato, se vai concorrer em 2017, faz sentido que termine em 2022. Sem possibilidade legal para concorrer a um terceiro mandato no novo sistema político ‘atípico’ “Presidencialista­ Parlamentar” (caso convoque primeiro um referendo para posteriormente alter a constituição como têm feito os seus homólogos em outros países africanos) que vigora em Angola desde 05 de Fevereiro de 2010 com a aprovação da CRA segundo o art.o no 113o, 1 e 2, sob o qual cada cidadão tem o direito de exercer até dois mandatos de cinco anos como Presidente da República; já que, para a realidade angolana, os antigos presidentes que tenham exercido dois mandatos, que tenham sido destituídos ou que tenham renunciado ou abandonado as funções, são inelegíveis ao cargo mais almejado da terra mãe, segundo (Artigo 110o, 2, alinha h).

Sem legitimidade própria, porque este por sua vez não gozou da confiança directa do eleitorado —, mas do seu antecessor, e porque eu entendo que a legitimidade política ou a escolha democrática não deve ser transferida, se assim fosse, acredito que nos sistemas políticos presidencialistas e também semipresidencialistas por exemplo, os presidentes não precisariam de ser eleitos, uma vez que caberia ao seu antecessor a transferência do poder político, como dizia Maquiavel —, “poder adquirido através da fortuna, isto é, através da sorte”. Portanto, para a Presidência, a eleição tem que ser por sufrágio universal directo que permita ao presidente gozar de legitimidade própria, tornando­o assim independente, porque quando tal não acontece, o torna dependente de quem o nomeou. Se voltarmos a imaginar a possibilidade acima mencionada que JES venha a ser presidente do partido após abdicar do cargo mais alto em Angola (política passiva paradoxal), o compromisso do actual mandatário da nação, neste caso o seu sucessor, será para com o camarada em questão, por ser o indivíduo que transferiu­ lhe o poder e não para com o povo que o deveria escolher. Por mais que fosse eleito segundo a nossa realidade, este não é independente o suficiente para exercer separadamente o poder político, porque, nesta senda deverá prestar vassalagem ao indivíduo que o escolheu para ser o número um da lista.

Há algum tempo para cá, numa entrevista a um canal televisivo estrangeiro, sua excelência JES dizia que quando chegou a Angola já havia encontrado o país pobre.

Neste preciso momento o que me inquieta é —, se ao deixar a vida política activa em 2018, cumprindo com a sua promessa, o camarada deixará o país rico?

Essa é daquelas questões que não cabem à mim responder, mas à cada membro desta sociedade.

O que posso dizer é que, o mais aplausível é que cada chefe de Estado termine o seu mandato em glórias. Entretanto, parece­me que o caso do presidente JES será o contrário, pelo óbvio facto de se perpetuar no poder até a presente data; se em 2002 ou até mesmo em 2008 tivesse deixado o poder, com um espirito de dever cumprido, poderia até ter ganho o prestigioso prémio nobel de paz e, mereceria um

reconhecimento internacional já mais visto em África, e melhor em relação ao de Nelson Mandela se calhar.

Considerações Finais

Penso verdadeiramente que, a análise em referência é a que faltava para subsidiar às demais que me antecederam como dizia na génese da abordagem.

Quero mais uma vez, tranquilizar os meus concidadãos que, convém não serem muito optimistas quanto a promessa política que nos foi apresentada para 2018, porque até lá —, como dizia Maquiavel, as circunstâncias políticas poderão levar o nosso Príncipe a agir de uma outra maneira. Mas se assim ocorrer, será então de se esperar que aconteça, pelo que em democracia é muito normal que se verifique alterações periódicas nas lideranças do Estado, quer na Presidência ou na chefia do Governo. Lembremo­nos do exemplo do ex­presidente do Benin, Thomas Boni Yayi e, de Cabo Verde acerca dos resultados das últimas eleições legislativas que foram ganhas por partidos de oposição, livremente munidos de prerrogativas de composição ou constituição de novos governos.

Bem­haja a democracia em África...