Luanda - A condenação a penas de prisão de 17 activistas na segunda-feira num tribunal de Luanda não passou ao lado da imprensa internacional. Luaty Beirão, o nome mais conhecido do grupo, foi condenado a cinco anos e meio de prisão. As penas totalizam 77 anos de prisão. A mais alta recaiu sobre Domingos da Cruz: deverá passar oito anos e meio na cadeia. Tudo começou com a leitura de um livro.

Fonte: RTP

O tribunal de Luanda levou em linha de conta o pedido do Ministério Público angolano para que não fosse considerada a acusação de actos preparatórios para um atentado contra o Presidente José Eduardo dos Santos, mas acabaria por condenar Luaty Beirão e restantes arguidos de associação de malfeitores e rebelião contra o Estado angolano. Receberam penas que chegaram aos oito anos e meio de prisão.

 

De Portugal seguiu uma nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros, tutelados por Augusto Santos Silva: “Tomamos boa nota da comunicação, pela defesa, da intenção de interpor recurso judicial em face da gravidade e dimensão das penas hoje decididas pelo tribunal de primeira instância; e confiamos que a tramitação do processo, nos termos previstos na legislação angolana, obedeça aos princípios fundadores do Estado de Direito, incluindo o direito de oposição por meios pacíficos às autoridades constituídas”.

 

Já esta terça-feira a nota foi inteiramente subscrita pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa: “Eu subscrevo o que foi a posição do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que é esperar que num Estado de direito democrático haja uma tramitação normal dos processos judiciais. É isso que foi dito pelo Governo português, é essa a posição de qualquer órgão de soberania: num Estado de direito democrático deve haver uma tramitação, isto é um decurso normal dos processos judiciais”.

 

Mas o caso ultrapassou as fronteiras da Lusofonia. Foram vários os jornais de referência que deram conta do caso, das circunstâncias em que ocorreram a detenção e o próprio julgamento, bem como a reacção de organizações dos Direitos Humanos como a Amnistia Internacional e A Human Rights Watch.
Apontados incidentes do julgamento

 

Referindo-se a Angola como “a antiga colónia portuguesa (…) um dos resquícios africanos nos quais o multipartidismo e a liberdade são uma utopia”, o El Mundo aponta o estado precário em que foi realizado o próprio julgamento dos 15 activistas.

 

Um julgamento, nas palavras do diário espanhol, que “foi interrompido várias vezes por falta das testemunhas e ao qual apenas assistiram 14 detidos. Dos acusados a quem foi vetada a entrada na sala do tribunal, dois pretendiam levar consigo livros de Direito, enquanto que um terceiro, Nuno Dala, se encontra hospitalizado desde há 18 dias em greve de fome”.

 

O jornal toma ainda nota dos avisos da Amnistia Internacional, que já em dezembro havia alertado para um “processo judicial desproporcionado”, para acrescentar uma súmula do último relatório da organização sobre Angola: “a liberdade de expressão, associação e reunião encontram-se ‘gravemente restringidas’ e as autoridades utilizam as leis penais ‘para acossar, deter arbitrariamente e deter pessoas por expressarem pacificamente as suas opiniões, e também para restringir a liberdade da imprensa”.

 

Os “vícios de procedimento” do tribunal de Luanda é também assinalado no suporte online do francês Le Monde, sem poupança nos adjectivos: “Este processo grotesco, cheio de interrupções, e salpicado de vícios de procedimento, uma espécie de salada mista mal-amanhada de acusações, pôs em evidência as fragilidades de um regime cada vez mais contestado pelos jovens do país”.

O Le Monde refere-se depois a Eduardo dos Santos, “um Presidente no poder há 39 anos, um reinado durante o qual reforçou o seu poder e endureceu a repressão contra a oposição”, para citar uma fonte não-identificada que terá revelado o clima de incerteza que se vive nos palácios de Luanda.


“Uma revolução que renasce das cinzas”

“O Presidente está muito preocupado com uma juventude cada vez mais contestatária. Em 2017, nas próximas eleições, estes jovens irão juntar-se àqueles que não votaram em nós, milhões de jovens que não conseguimos controlar. Este é o maior problema do MPLA “, ouviu o jornalista durante um jantar VIP em Luanda, no último mês de novembro, de uma fonte que - acrescenta o jornalista - tem boas razões para manter o anonimato.

 

São ainda transcritas as palavras do jornalista Pedrowski Teca: “A decepção de [José Eduardo] dos Santos, depois de ter eliminado Jonas Savimbi (líder da Unita, cuja morte em 2002 pôs fim a 23 anos de guerra civil), (Isaias) Cassule e (António Alves) Kamulingue (dois dos organizadores de um encontro de veteranos, tidos como desaparecidos em Maio de 2012) e de outros críticos e adversários, foi pensar que tinha exterminado a Revolução. Surpreendentemente, esta parece que renasce das cinzas”.

 

O jornal francês sublinha ainda a intenção anunciada a 11 de Março pelo Presidente Eduardo dos Santos de se retirar da vida política em 2018. Um tema que também foi abordado britânico The Guardian há duas semanas num texto intitulado “O Presidente angolano diz que está de saída após 37 anos no poder. Podemos acreditar nele?”.

 

Nesse artigo, o jornal assinala que este seria um exemplo para levar à saída de outros líderes vistos como “Presidentes para a vida”, não deixando de fazer notar o cepticismo com que foi recebida a notícia. De facto, lembra o Guardian que não seria a primeira vez que Eduardo dos Santos anunciava a saída de cena para recuar no último minuto.

 

O diário britânico assinala depois “a leitura de um livro” que esteve na origem do processo, para assentar as reacções dos grupos de Direitos Humanos – que acusam o regime de usar o poder judicial para esmagar os opositores – e da mãe de um dos activistas condenados, que lamentou: “Estes jovens que estavam a debater os seus direitos são aqueles que eles querem condenar, mas o Presidente José Eduardo que rouba tudo, ele é protegido”.

 

O Guardian sublinha ainda que a queda do preço do petróleo provocou forte instabilidade financeira nas contas angolanas, o que levou “Luanda a cortar nas despesas públicas, quando já uma das sociedades mais desiguais do mundo, levando a um aumento no sentimento anti-governo”.

 

O norte-americano Washington Post também dedicou uma página a esta última sessão do julgamento, fazendo notar que, durante a leitura da sentença, “um activista levantou um cartaz com a foto do Presidente José Eduardo dos Santos, que governou Angola durante 36 anos, descrevendo-o como o homem que está a dividir o país”.