Lisboa - Enquanto esteve preso, o rapper e ativista angolano Luaty Beirão manteve um diário onde tomava nota de alguns dos seus pensamentos sobre perdão, justiça e o estado do seu país, Angola.

Fonte: Observador/Publico

São as palavras de um homem que não se quer calar. É o sentimento de perdoar aqueles que foram responsáveis por o prenderem, ainda, a coragem de expor o que defende. Estas são palavras do diário de Luaty Beirão, escritas enquanto esteve preso.

Embora não estejam datados, é de crer que estes textos divulgados pelo Público tenham sido escritos entre 6 de julho e 15 de novembro de 2015, período em que o rapper esteve encarcerado pela primeira vez. Durante este período o ativista angolano foi notícia mundial devido à sua greve de fome, que durou 36 dias.

Os textos publicados esta terça-feira fazem um retrato da Angola de José Eduardo dos Santos, um país onde Luaty Beirão está “inibido de escrever”, pois sabe que “a qualquer altura se baixa uma ordem para virar tudo de cangalhas” e levarem todos os papéis e que “os outros leem (os seus textos) como se tivessem sido eles a escrever, inescrupulosamente.” Luaty Ceirão descreveu esta sensação de ter os seus escritos lidos por aqueles a quem não dá consentimento como “uma sensação de violação perante a barbaridade do acto consumado.”

O autor do diário ressalva as condições da sua prisão, afirmando que ter acreditado na manutenção dos direitos dos presos políticos em Angola “foi de manifesta ingenuidade.” O luso-angolano refere a importância de “desamarrar” a imprensa e promover o diálogo público.

O rapper relembra a os efeitos que a guerra civil teve em Angola: “O nosso país passou por (quase) ininterruptos 41 anos de guerra (1961-2002) e, ao dissipar do cheiro da pólvora e do fumo dos monacaxito, despontam todos os horrores da carnificina, dos traumas, dos desarranjos que deixaram profundas cicatrizes na psique do povo angolano, tão injustamente martirizado, um povo que, como todos os outros alheados dos centros de decisões, deseja apenas viver em paz e harmonia*.”

O ativista angolano sublinha que ao longo dos anos de guerra interna a prioridade era o esforço de guerra e que “concomitantemente, a educação e a saúde foram ocupando lugares periféricos na distribuição do orçamento, pois precisavam-se de soldados e não de doutores.” Mas o rapper considera “preocupante” que passados 14 anos “do silenciar/ribombear dos canhões essas rubricas não tenham ainda o posto cimeiro das prioridades de investimento, preteridas consistentemente para a “segurança”(?)”.

“Entregamo-nos a um bacanal de arbitrariedades e (graves) violações de direitos humanos elementares perpetrados por aqueles que deveriam ser os arautos da dignidade” entregamo-nos a um bacanal de arbitrariedades e (graves) violações de direitos humanos elementares perpetrados por aqueles que deveriam ser os arautos da dignidade” afirma o luso-angolano, apontando o dedo à classe dirigente do seu país, que abusa dos seus “pequenos poderes”, sem consideração por aqueles que poderão ficar para trás.

Mas a mensagem de Luaty Beirão não é de raiva e revolta. É uma mensagem de perdão e redenção, dirigida aos responsáveis do poder público. “Parece-nos sensato que, ao invés das vinganças e perseguições, se promova e se cultive doravante a ideia do perdão e da amnistia como forma de pacificar os corações e se poder começar da estaca zero.” escreve o rapper, como que em forma de pedido aos seus conterrâneos, para que não deixem que o ódio lhes tolde a visão e o sentido de justiça, tarefa que Beirão reconhece que não será fácil: “Necessário será convencer o povo acerca desta via, discutindo ampla e publicamente acerca das modalidades deste perdão“.

Relativamente a esse perdão, o autor afirma que este “não deve ser incondicional, é preciso saber o que se perdoa e isso pressupõe confissão, um acto que aqui deve ser entendido como nobre e patriótico, pois é do futuro das gerações vindouras que se trata e para se atingir a verdadeira paz é preciso, necessário, essencial, purgar rancores que carregamos nos nossos corações.”

Para o ativista angolano que fez greve de fome, nem todos os crimes perpetuados pelo Estado podem ser considerados como iguais. No ideal do angolano, crimes como o de lesa-pátria poderão ser perdoados automaticamente, mas outros terão de ser perdoados pelos ofendidos, referindo que o ato de perdoar alguém acusado de homicídio deve caber aos que foram lesados por este ato. O rapper afirma ainda que “apenas os crimes confessados serão perdoados!”, defendendo que o indivíduo em causa possa “regressar ao “confessionário” tantas vezes quantas queira, de livre vontade ou solicitado”.

O autor dos escritos refere a importância da liberdade de expressão e da democracia no seio de Angola, apelando a que se desenvolvam “apaixonadas discussões onde os argumentos mais convincentes prevaleçam; ninguém possa ficar com a impressão de marginalização ou manipulação e os argumentos vencidos tenham legitimidade para se impor.”

Luaty Beirão afirma ainda que “aquele que considere desprestigiante ou vergonhoso sujeitar-se ao confessionário e decida ir-se embora do país deverá ter a liberdade de o fazer, ficando no entanto sujeito a investigações acerca da sua idoneidade na gestão da coisa pública”.

Luaty Beirão termina o seu texto com uma mensagem onde afirma: “A minha mente é uma fortaleza”. É como se quisesse lembrar-se a si próprio da sua força e resistência.