Luanda  - No dia 7 de Abril de 2016, o Ministro das Finanças da República de Angola, vinha a público, numa conferência de imprensa, anunciar os demarches em curso, entre o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o governo angolano, que busca um acordo bilateral de prestação da assistência técnica ao governo angolano, no quadro do programa da diversificação da economia. Este rapprochement (aproximação) entre as partes tem alguma simpatia na opinião pública nacional; com incidência, nos domínios da estruturação da economia, do financiamento, da gestão orçamental ou do resgate, caso seja necessário.

Fonte: Club-k.net

Esta iniciativa surge na altura da crise financeira, em que o país vive momentos difíceis, resultantes de três factores principais: a) a baixa acentuada do preço do petróleo nos mercados internacionais; b) o saque desenfreado do erário público e a fuga (em massa) de capitais; c) a má-governação, a má-gestão e a corrupção galopante.

 

Isso acontece igualmente na altura em que, as condições sociais e ambientais do país são precárias e insustentáveis. Vivendo um quadro bastante sombrio e preocupante dos direitos fundamentais do homem, com repressões sistemáticas; perseguições politicas, cívicas e religiosas; detenções arbitrárias; julgamentos menos transparentes, fora da lei; e o retorno gradual ao regime monopartidário, do sistema comunista, através da legislação. Aproveitando o desequilíbrio politico no Parlamento, em que o MPLA possui uma «maioria qualificada», adquirida através da manipulação do processo eleitoral de 20112.

 

Portanto, o que me leva a fazer esta reflexão, de índole politica, é devida algumas incógnitas e paradoxos inerentes neste rapprochement entre o Fundo e o governo angolano. Antes de mais, ainda é desconhecido o alcance do Acordo que se perspectiva alcançar entre as partes. Desde que, o Ministro das Finanças foi implícito na sua apresentação. Invocando apenas a assistência técnica, sem saber se isso incluirá o apoio financeiro. Também não se sabe o regime, os critérios e as normas que virão reger está cooperação bilateral, da assistência técnica.

 

Estas questões emergem à superfície devidas as divergências (em 2009) que caracterizaram o relacionamento tenso entre o Fundo e o Governo Angolano sobre o programa de «standby», altamente contestado, que culminou na ruptura. Invocando, no então, a «soberania» e a «não ingerência». Alias, o que fez abortar a Conferência dos Doadores, que visava uma espécie de «Marshall Plan», para Angola, no rescaldo dos Acordos do Bicesse, tivera sido a rejeição categórica do governo angolano em submeter-se aos critérios de transparência, da boa governação e da implantação da democracia real em Angola, exigidos na altura pelas potências ocidentais. Agora, não se sabe se este quadro, de critérios exigidos, como pressupostos fundamentais de procedimento, já ficou alterado ou ainda mante-se.

 

A questão fulcral, que constitui uma incógnita, é como o Fundo Monetário Internacional vai lidar com o fenómeno da corrupção, do saque do erário público e da fuga de capitais para os paraísos fiscais. Essas práticas situam-se ao ápice da pirâmide, da hierarquia do Estado Angolano. Logo, enquanto não se superar estes três factores principais, que desarticulam a economia angolana, tudo que será feito não surtirá efeitos positivos, para concretizar o programa da diversificação da economia.

 

Interessa-nos neste caso, notar que, o governo angolano, após da ruptura com as potências ocidentais, realçara e consolidara a sua aliança (da guerra-fria) com a Rússia. Fazendo igualmente a aproximação à China, que vinha com investimentos massivos, em termos de créditos, logística, equipamentos, mão-de-obra, técnicos e expertise. Os créditos chineses, que constituem hoje o pulmão da economia angolana, são geridos a partir da China, por seus bancos. Além disso, a China não prestou apenas serviços e capital financeiro, mas constitui o modelo de gestão político-administrativa e da estruturação do actual sistema económico angolano. Esses são os grandes desafios que o Fundo Monetário Internacional virá lidar com eles e buscar soluções realistas e eficazes.

 

No debate da TV-ZIMBO, no dia 08 de Abril de 2016, sobre esta matéria, os economistas presentes neste debate, reafirmaram o carácter do FMI (nas suas intervenções constantes nos países do mundo) de ter a tendência de penalizar (sobrecarregar) a classe média e a base, a favor dos detentores de capitais. Nesta base, torna-se lógico (em parte) perceber bem esta iniciativa e a disponibilidade do governo angolano, nesta fase da recessão da economia angolana, buscar o auxílio técnico ou financeiro do FMI.

 

Pois, à luz da política da acumulação primitiva do capital, defendida pelo Presidente José Eduardo dos Santos, tem havido continuamente saques desenfreados do erário público, encaminhados aos bancos no estrangeiro ou aos paraísos fiscais, onde estão bem escondidos. O seu valor total é muito superior que o Fundo de Reserva actual do Estado Angolano. Este dado foi revelado recentemente por um economista angolano, de renome, numa conferência internacional, fora do país. De facto, é evidente a grandeza da fortuna do Presidente angolano e da sua família. Uma boa parte dos sectores vitais da economia angolana são controlados por esta família, que estabeleceu uma espécie de monopólio económico-financeiro sobre o mercado angolano.

 

Na linha do pensamento, acima referido, os capitalistas angolanos, detentores do poder politico, pouco serão afectados pelas medidas draconianas que serão impostas pelo FMI, neste processo da restruturação para a diversificação da economia. Ou seja, a diversificação da economia é o processo do alargamento do monopólio económico e da concentração de todos recursos do país nas mãos desta classe capitalista, que se enriqueceu ilicitamente através do petróleo.

 

Portanto, o Fundo Monetário Internacional poderá persuadir os detentores desses dinheiros avultados trazê-los de volta (sob uma cobertura ou atenuantes), ao nosso país, no sentido de investi-los nos projectos da diversificação da economia angolana, sendo um resgate simulado. Este processo de cobertura ou de atenuantes tanto poderá ser vantajoso para o país, quanto poderá ser prejudicial; tendo em conta os mecanismos do sistema da distribuição da riqueza do País. Ou seja, os ricos tornar-se-ão cada vez mais ricos, e os pobres tornar-se-ão mais pobres ainda.

 

Numa outra vertente, o «escândalo do Panamá», trouxe a público centenas de milhares de papéis secretos e classificados, sobre a movimentação financeira, do paraíso fiscal, daquele país da América Central. Enumeras empresas, personalidades, políticos influentes e governantes de todas partes do mundo constam nestes documentos volumosos, acima referidos, como fugitivos ou violadores dos impostos e das cobranças fiscais, dos seus países. Nesta documentação extensa, figuram igualmente personalidades angolanas, membros do poder público. A seu tempo, serão do domínio público dos Angolanos.

 

Isso, por si só, revela a vulnerabilidade das instituições financeiras do mundo, as quais, são controladas e monitorizadas pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional. Como é possível isso acontecer, em grande escala, por largas décadas, num país pequeno, que faz fronteira comum com os Estados Unidos da América, onde estão sedeados o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e as Nações Unidas?

 

Por outro lado, essas instituições financeiras, de Bretton-Woods, no seu funcionamento, na elaboração de políticas e no processo da tomada de decisões, são fortemente influenciadas ou ditadas pelas multinacionais, que detém acções e depósitos enormes nelas. É com este capital que lhes permite fazer a gestão financeira e monetária do mercado internacional. O que indica que, a indoniedade e a imparcialidade dessas instituições, de grosso modo, são condicionadas pelos detentores dos poderes financeiros e políticos. No verdadeiro sentido, as multinacionais são as donas reais dos paraísos fiscais, espalhados pelo mundo inteiro.

 

Portanto, o engajamento do Fundo Monetário Internacional em Angola, a título de assistência técnica ou de apoios financeiros, poderá ser útil nalgumas questões específicas da nossa economia. Mas, sem ignorar o facto de que, a integridade dos seus técnicos, que virão à Angola, será reduzida. Pois, pela experiência do passado recente, é bem provável que venham cair na rede da corrupção ou de tráfico de influências, através de propostas de negócios ou de comissões chorudas.

 

No debate da TV-ZIMBO, acima referido, fez-nos transparecer a noção de que, através do FMI o governo angolano busca ganhar a credibilidade das potências ocidentais. Nesta lógica, da busca da credibilidade, torna-se viável, ao governo angolano, distrair as atenções da comunidade internacional do quadro sombrio e preocupante dos direitos do homem em Angola, bem como do recuo significativo e contínuo do processo da democratização real do País. Sem ignorar o facto de que, o MPLA é antiamericano, antiocidental e antidemocracia, sendo aliado mais seguro da Rússia na Africa Subsaariana.  

 

No fundo, como síntese, esta aproximação ao FMI é somente uma cortina de fumo, que não visa, de facto, a diversificação da economia, capaz de trazer benefícios a todos, erradicar as desigualdades sociais e promover uma classe média ampla, crescente e estável. Pelo contrário, visa consolidar o partido-estado e assegurar a grande viragem, do processo da democratização do país, para uma Dinastia absoluta.

 

Infelizmente, as potências ocidentais, por natureza, não têm firmeza ou consistência na defesa dos seus valores e interesses estratégicos. Por muitas ocasiões o seu realismo político tem sido invertido e o seu pragmatismo não reflecte a substância concreta dos fenómenos. Por isso, tornam-se facilmente manipuláveis e instrumentalizáveis, para alinharem-se com causas ou fins que contrariam os seus próprios valores e seus interesses estratégicos. Portanto, não ficarei surpreso, mais uma vez, o MPLA poder enganar as potências ocidentais, com promessas falsas e nocivas à edificação da democracia em Angola – que traga consigo a liberdade, a igualdade, a justiça e o bem-estar de todos.

Luanda, 10 de Abril de 2016