Lisboa - Marcolino Moco afirma que não vai candidatar-se à liderança do MPLA. Em entrevista exclusiva à DW, explica as razões que o levam a não se candidatar às eleições do partido no poder, liderado por José Eduardo dos Santos.

Fonte: DW

A situação económica que o país atravessa tem levado a vários problemas no plano social e político, agravados pelo atropelamento dos direitos humanos, especialmente ao nível da liberdade de expressão e de opinião.

Marcolino Moco, natural do Huambo e antigo primeiro-ministro de Angola, confirma que não se irá candidatar à liderança do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Em Lisboa, explicou à DW África quais as razões que o levam a não querer assumir a liderança do partido no poder e faz uma análise à situação política, económica e social de Angola.

DW África: Aproximam-se as eleições em 2017 e nesta altura já é possível confirmar ou ter alguma indicação, até contra a existência de medo no seio do próprio MPLA, de que o senhor pensa candidatar-se à liderança do partido?

Marcolino Moco (MM): Do partido não é possível porque eu estou fora! Eu estou fora das proximidades da liderança visto que, desde 2009, não tenho militância efetiva, porque fui submetido a chantagens, a insultos até de caráter étnico-tribal dentro de um partido em que eu cresci. Pensei que era um partido despido destas coisas e como não tem havido oportunidade para as discutir então não tenho interesse nenhum, digamos, de disputar este lugar.


DW África: Considera que é um risco ir por esse caminho ou que isso constituiria para si uma imprudência?

MM: Diria mais que é uma impossibilidade. O José Eduardo dos Santos ocupa todos os espaços dentro do partido [MPLA] e de forma muito impulsiva, muito autoritária, embora com dissimulações. Não há possibilidade de difundir a minha mensagem. Não tenho acesso aos meios de comunicação [públicos], nomeadamente televisão, rádio e dentro das estruturas do partido.

DW África: Não teria também apoio no seio do próprio partido?

MM: Não teria manifestação de apoio, sejamos mais corretos [risos], porque as pessoas estão intimidadas. Este é que é o problema.


DW África: Olhando para o caso específico dos jovens condenados. Face àquilo que tem sido a pressão internacional, acredita que será possível a libertação destes jovens no âmbito dos recursos apresentados pelos respetivos advogados de defesa?

MM: Sim, se esta pressão continuar a partir de fora. Infelizmente há atitudes incompreensíveis. Há pouco tempo, referi-me ao historiador Carlos Pacheco, autor do livro “Angola – Um Gigante com os Pés de Barro” que, agora que esses “pés de barro” estão a cair, diz que essas manifestações de solidariedade para com os ativistas se inserem num quadro de uma suposta conspiração internacional angolana. E já não é a primeira vez que estes jovens são vítimas de algum tipo de injustiça; eles têm sido massacrados. Já enfiaram um saquito de droga na bicicleta do Luaty Beirão. Isso é muito preocupante e não sei o que significa [as afirmações de Carlos Pacheco], mas o que eu quero dizer é que se esta pressão não continuar, este tipo de injustiças vai persistir. Uma condenação sem fundamento, que se baseia numa atividade perfeitamente coberta pela Constituição de Angola que é o exercício dos direitos às liberdades e garantias.

DW África: Ainda temos o “Caso Kalupeteka”. Na sua opinião, considera que ainda deverá haver uma investigação independente internacional para apurar a veracidade dos factos?

MM: Dificilmente haverá porque o regime angolano refugia-se na capa da soberania para impedir qualquer tipo de investida no sentido de apurar a verdade. E também aí, mais uma vez, a justiça foi utilizada certamente para se dar mais um sinal de que com o poder angolano não se brinca. Houve realmente mortes, tanto da parte dos polícias como da parte dos crentes do senhor Kalupeteka, mas só se salientou a parte dos atos dos crentes. E depois, no plano jurídico-penal, vemos esta coisa estranha de que, quando a moldura máxima penal é de 24 anos, o senhor Kalupeteka foi condenado a 28 anos. Não estudei bem o processo mas é uma coisa muito estranha, por um lado, mas por outro lado não é estranho porque conhecemos o poder que temos, que aproveita tudo para demonstrar que eles é que mandam.

DW África: E como olha para a situação económica de Angola depois desta crise do petróleo?

MM: A economia angolana entrou num caos porque, primeiro, se elaborou na ideia muito falsa de que havia crescimento económico. Eu e muitas outras pessoas chamámos à atenção de que aquilo não era crescimento económico. Crescimento económico não se pode basear na elevação do preço de um produto que, ainda por cima, é exclusivo para as exportações e as importações. Portanto, com a baixa do preço do petróleo, ficou tudo destapado e a realidade está à vista. Angola é efetivamente um gigante com pés de barro, como dizia [o historiador angolano] Carlos Pacheco há uns tempos, infelizmente como se diz, para o prejuízo das grandes massas do povo de Angola.


DW África: Olhando agora para estes episódios à volta das negociações sobre o Banco Português de Investimento (BPI), já havia setores que questionavam a origem do dinheiro que Isabel dos Santos investiu em Portugal. Pelas informações que eventualmente terá na sua posse, de onde acha que vem a riqueza da empresária, filha do Presidente de Angola?

 MM: Esta é uma situação praticamente inédita. Eu não conheço nenhum caso, pelo menos nos Estados que se proclamam democráticos e de Direito, com separação de poderes, com uma função específica da justiça, onde possa ter ocorrido ou ocorra uma situação como esta, em que parentes e [pessoas] próximas do Presidente da República – que é também chefe do Governo – enriqueceram de um dia para outro.

À Isabel dos Santos é atribuída essa expressão cínica de ter começado a fazer negócios muito cedo vendendo ovos. É inaceitável ouvir esse tipo de gozo para com as populações de Angola. Mas penso que os angolanos têm sido passivos demais, provavelmente com receio, para evitar problemas num país onde houve guerras durante muito tempo.

No entanto, tenho que lembrar que houve denúncias e apresentação de queixas junto dos tribunais por parte da oposição, por parte de alguns elementos da sociedade civil, como por exemplo o jornalista Rafael Marques ou o político e jurista David Mendes. Apresentaram queixas, algumas delas documentadas, a que as instituições judiciais de Angola fizeram vista grossa.

A segunda vítima deste tipo de recursos suspeitos é Portugal que, por razões tanto ou quanto difíceis de aceitar para quem está fora, tem sido complacente com a entrada destas avultadas somas sem questionar onde saiu o dinheiro para comprar cotas enormes em bancos, em empresas estratégicas.


Depois disso, o regime angolano tem repetido uma série de ameaças e chantagens sempre que o Governo português ou outros setores portugueses tentam reclamar alguma coisa ou reprovar alguma atitude. Mas, como tenho dito, em Portugal parece que há indivíduos masoquistas que acham que assim é que está bom, que se tem que aceitar tudo.

DW África: O regime de José Eduardo dos Santos está a deixar de ter margem de manobra para manter a calma e a paz no país?

MM: Bom, até agora [o regime] tem conseguido manter uma falsa calma na base da repressão, sobretudo dos mais jovens que são os mais inconformados com esta situação.