Luanda - O presidente da UNITA está consciente de que a imagem de inacção do seu partido em todo o processo dos activistas fez mossa. Isaías Samakuva explica-se, garante que numa situação de instabilidade e crise como se vive em Angola, poderia ter sido contraproducente – poderia ter feito correr sangue e daria um pretexto para o governo adiar as eleições de 2017.

Fonte: RA
“Tem sido pago um preço bastante elevado, porque há aqueles até que acabam por nos conotar ou nos ligar ao regime quando o que nós procuramos é manter o país – eu não direi estável, porque na pobreza e na crise em que se encontra agora não se pode considerar o país estável, mas pelo menos tranquilo”, explica.

Samakuva garante que faltam 15 meses para as eleições, é preciso ter paciência e esperar pois está confiante que a UNITA vai ganhar as eleições em 2017 e os activistas serão logo libertados, pois o processo contra eles não é mais do que “um processo político”.

E o líder da oposição vai já deixando o aviso para o MPLA, caso tentem fazer em 2017 o que, diz Samakuva, fizeram em 2012: se houver fraude eleitoral, a UNITA retaliará: “haveremos de preferir enveredar por outras vias do que permitir que, mais uma vez, uma fraude se verifique em Angola”.

Já disse que será o candidato da UNITA à presidência, em 2017. Acha que o seu adversário será José Eduardo dos Santos, agora que ele anunciou que iria abandonar a política?
Eu estou convencido que sim. O anúncio que o senhor Presidente da República fez é uma manifestação de uma intenção. Mas, ficou claro, que o comité central, na própria reunião onde ele anunciou a intenção de se retirar, indicou-o como candidato à liderança do partido. Portanto, está visto, eu não acredito que o líder do partido seja um no MPLA e o candidato a dirigir o país venha ser outro.

Mas tem um plano A para uma campanha que seja contra José Eduardo dos Santos e um plano B que seja contra outro candidato do MPLA?
O anúncio da sua retirada da vida activa pressupunha, na verdade, o aparecimento de outros candidatos, mas eu não vejo quem vai se atrever a fazê-lo, quando o comité central já decidiu que o candidato do partido é o senhor presidente José Eduardo dos Santos. Portanto, está dito, não é verdade?! Quem se candidatar nestas circunstâncias sabe que não tem o apoio do partido.

A UNITA está, então, a preparar-se para as eleições de 2017 a pensar que o seu adversário será José Eduardo dos Santos?
Absolutamente.

Não têm um plano B para o caso de ser outro o candidato?
É assim, seja quem for o candidato do MPLA, a UNITA tem como adversário o MPLA. De modo que para nós isso não muda nada.

Sim, mas é diferente ter um adversário como José Eduardo dos Santos do que ter um adversário novo.
Não há dúvidas nenhumas, há quem diga às vezes que é mais fácil ter um adversário novo, um outro candidato, eu penso o contrário, porque um novo pode vir com novos programas, pode vir com um novo discurso, e os eleitores darem-lhe o benefício de dúvida. O presidente José Eduardo dos Santos toda a gente já o conhece. Mesmo se vier com um discurso novo, toda a gente já sabe como é que ele age, como ele é. Portanto, eu acho que é mais fácil para UNITA confrontar-se com um candidato que já é conhecido do MPLA do que um novo. Mas, como disse, estou quase certo que o candidato do MPLA para essas eleições de 2017 vai ser José Eduardo dos Santos.

Isabel dos Santos é uma hipótese para candidata do MPLA em 2017

Sobre a possibilidade de ser a Isabel dos Santos a apresentar-se como candidata. Já há quem fale nisso…
É assim, não acredito que haja no MPLA quem se apresente como candidato. Pelo contrário, haverá aqueles que o presidente José Eduardo dos Santos eventualmente possa indicar. Aí sim, a senhora Isabel dos Santos pode ser uma delas. Já se está a falar muito disso em Luanda.

Mas acha plausível essa hipótese?
É, é…

Acha que todas estas movimentações… ela que sempre se pautou por uma discrição na forma de agir…
São hipóteses, são hipóteses. Hipóteses que podem ser reais. Vejamos, o presidente José Eduardo dos Santos fez este anúncio da sua retirada da vida activa e eu creio que ele gostaria de deixar alguém da sua confiança no seu lugar. E esse alguém da sua confiança, pelas razões várias que envolvem a situação política em Angola, há de ser alguém que também seja da sua família. E não há dúvida nenhuma que entre essas pessoas, pelo menos as conhecidas, uma das hipóteses que se ventila é exactamente a sua filha.

Outra possibilidade que também já se ouve em alguns sítios é a de as eleições poderem vir a ser adiadas.
Também é uma hipótese que se está a ventilar em Angola por várias razões. Primeiro, a situação em que o MPLA se encontra. Em segundo lugar, a própria situação económica no país. Portanto, esta última razão pode ser utilizada como um pretexto para adiar as eleições. Naturalmente que a sociedade angolana vai se levantar contra tal hipótese, porque já passamos por um período enorme de adiamentos de eleições e creio que seria uma minoria a apoiar uma tal intenção agora. Portanto, todos esperam as eleições, esperam ter eleições em 2017 e nós esperamos que, de facto, esta possibilidade de adiar as eleições não venha a ser colocada.

Acha que esse adiamento poderia trazer problemas, poderia levar as pessoas para a rua?
A questão de vir para a rua, ou seja, dos cidadãos angolanos se manifestarem nas ruas de Luanda ou de outras cidades do país é uma hipótese bastante clara. Aliás, qualquer país normal não deixaria a situação estar como está. Num país verdadeiramente democrático os cidadãos angolanos estariam em manifestações constantes porque a situação é, de facto, má. Conhecemos países onde os governantes não têm tantas culpas do que se passa como em Angola, onde é visivelmente claro que a situação que se vive é resultado da incompetência, do desleixo, do deixa andar, da insensibilidade dos governantes. O povo angolano tem razões mais que suficientes para se manifestar. Agora, há que considerar que Angola tem uma história recente de confusões, de instabilidade e nós, da UNITA, achamos que não podemos nos comparar a situações de outros países. Primeiro, os outros países são democráticos e no nosso país a democracia é uma miragem ainda. Também temos de considerar a atitude do governo – o nosso governo age de maneira completamente brutal, e encorajar manifestações de rua em Angola é também assumir a responsabilidade, do sangue que pode correr nas ruas de Luanda. Portanto, se por um lado reconhecemos a razão de ser de manifestações, por outro achamos que temos apenas 15 meses para as eleições. Em vez de estarmos nas ruas a manifestar-nos, talvez estejamos nas ruas a mobilizar o povo, a organizar o povo, a consciencializar o povo sobre as outras vias que temos para mudar o regime e essas vias são aquelas previstas na Constituição. Eu penso que podem funcionar e os 15 meses que nos restam é tempo suficiente para nos organizarmos para o efeito, para que não venhamos falhar nas eleições de 2017.

Essa é a vossa justificação para não se terem manifestado na rua contra todo este processo dos activistas?
Já o passado recente nos provou que nós podemos conhecer uma situação de confusões que, na minha maneira de ver, iriam gerar situações piores que aquela que o povo viveu. Quem conhece o MPLA, quem conhece a atitude do regime angolano sabe que isto é uma realidade. Se meia dúzia de pessoas quando se manifestam, as ruas enchem-se de polícias que agem de uma forma brutal, o que será se houver uma manifestação daquelas que possa envolver muita gente?

Não acha que essa atitude acabou por ser mal compreendida pelas pessoas? O facto da UNITA não se manifestar, não dar a sua opinião?
Não há dúvidas, não há dúvidas. Temos consciência disso. Isso tem-nos valido insultos. Tem sido pago um preço bastante elevado, porque há aqueles até que acabam por nos conotar ou nos ligar ao regime quando o que nós procuramos é manter o país – eu não direi estável, porque na pobreza e na crise em que se encontra agora não se pode considerar o país estável mas pelo menos tranquilo. Há mortes por doenças que estão a acontecer de uma forma dramática que também exigiriam a existência de manifestações. Mas, mais uma vez eu repito, a nossa avaliação é que o regime está em desespero, está nervoso e pode cometer muitos crimes.

Teme uma possibilidade de voltar à guerra? Ou já não são tempos para isso?
Não, eu não direi guerra, porque quem tem armas, quem tem exército é só o governo, mas convulsões sociais, tumultos que possam, de facto, criar a instabilidade no país, isto é uma possibilidade, não tenho dúvidas. E depois violência gera violência, já sabemos como é, e evitar esta situação para Angola, eu penso que é um acto de bom senso. E é por isso que nós não fazemos. Há formas constitucionais previstas para provocarmos uma mudança, para produzirmos uma mudança em Angola. E eu estou quase certo que se enfrentarmos a situação com manifestações que possam provocar mais tumultos, isso vai dar razão ao governo para o adiamento das eleições, porque dirá que a situação no país não é estável, vai dar razão ao governo para, enfim, ceifar a vida de tantas outras pessoas. O que é útil para os angolanos neste momento é ter consciência da incapacidade do governo, da incompetência, dos maus tratos que o governo comete contra a população, dos desvios do erário público, da corrupção que existe e unir-se para mudar este governo.

Como é que uma pessoa consegue diferenciar se a vossa inacção se deve a essa estratégia ou pelo simples facto de ser um partido do statu quo como muitos vos acusam?
A política e as mudanças não se fazem apenas com actos violentos ou com manifestações. Eu estou a dizer que a Constituição prevê a forma de mudar o regime e isto tem um prazo de 15 meses, 15 meses passam depressa.

Quer dizer, passam depressa, para quem está preso não passa assim tão depressa…
Não passa assim tão depressa mas esse sofrimento pode ser maior ainda se enveredarmos por outra via. Veja, temos os 17 jovens na cadeia, vão estar ali durante muito mais tempo, se tentarmos agir de forma anticonstitucional, para além dos 17, vamos ter outros tantos na cadeia e outros tantos no cemitério… Vamos trabalhar arduamente no sentido de provocar essa mudança, temos tido uma atitude de bom senso, uma atitude mais prudente e que vai provocar o mesmo resultado, mas de uma forma menos dramática.

“Não há crime nenhum (…) É um processo político”

Se ganharem as eleições libertam os activistas?
Imediatamente. Não fizeram nada. Não há crime nenhum aqui que o justifique.

É um compromisso seu que se ganhar as eleições…
Não é compromisso, é uma maneira clara de pensar, é a realidade porque nós não concordamos de forma nenhuma…

Acha que é um processo político?
É um processo político. Nós sempre dissemos: aí é política. Portanto, não há crime nenhum e tudo o que acontece é uma tentativa de suas excelências defenderem apenas os seus lugares políticos, mais nada.

Em 2008, tiveram pouco mais que dez por cento. Em 2012, tiveram 18,6 por cento. Qual é um bom resultado para a UNITA nas eleições em 2017?
Nós pensamos que a UNITA está em condições de vencer as eleições. O nosso problema, devo dizer claramente, é que já nos processos anteriores o MPLA teve as percentagens que teve por causa da fraude. Não gostam de ouvir isso mas é uma realidade. A fraude ocorreu, e a de 2012 com dados que nós levamos à consideração da Comissão Nacional Eleitoral antes das eleições. Estava claro, tínhamos identificado eleitores transferidos das suas áreas de residência para áreas distantes dos locais onde deviam votar; temos cópias das actas da Comissão Nacional Eleitoral que demonstram claramente que a contagem dos votos não foi feita a partir dos locais de votação mas são resultados que foram emitidos de Luanda para as províncias. Nada os impede de voltar a fazer a fraude nas próximas eleições. Agora nós, sabendo que esta é a prática do MPLA, o que estamos a fazer agora é nos organizarmos e prepararmos a nossa máquina eleitoral de tal forma que esses actos venham a ser denunciados claramente e que não deixem dúvidas a ninguém.

Mas se a ideia do MPLA será cometer uma fraude, este processo do recenseamento eleitoral não será um bocado estranho, tendo em atenção que seria mais fácil com os cadernos eleitorais antigos cometerem essa fraude?
Não, os cadernos eleitorais sempre foram feitos, só que no momento exacto em que deviam servir, não serviram. Os cadernos eleitorais, de acordo com a Lei Eleitoral Angolana, devem ser afixados dias antes, muitos dias antes das eleições. Nunca foram afixados. Sempre rejeitaram afixá-los. Nas eleições de 2012, nós pressionamos até onde pudemos para que os cadernos eleitorais fossem afixados e não foram. Portanto, é possível que eles venham querer fazer o mesmo, desta vez a população angolana, e sobretudo o MPLA e o governo que sustenta, devem saber que Angola já não tem capacidade para permitir uma fraude eleitoral. Não tem. Nessa altura, sim, haveremos de preferir enveredar por outras vias do que permitir que, mais uma vez, uma fraude se verifique em Angola.

“Ganhe ou perca este é o meu último mandato”

Se não for eleito, se a UNITA não ganhar as eleições, este será o seu último mandato como líder da UNITA?
Ganhe ou perca este é o meu último mandato. Aliás, não vou completar o mandato, o mandato no nosso partido é de quatro anos e eu já disse logo depois do nosso congresso que eu vou até 2017, até às eleições. Se passar, naturalmente deixo o partido para assumir como Presidente da República, se a UNITA não passar, deixo o cargo de presidente da UNITA para desempenhar outras funções.

Sente-se desgastado, sendo o rosto da UNITA há tanto tempo?
Não, apesar da minha idade, sinto-me ainda com a força e energia suficiente que, em muitos casos, parece maior do que a de muitos que têm metade da minha idade [risos].

Sim, mas tendo em conta que uma das críticas que a UNITA faz ao MPLA e a José Eduardo dos Santos é o facto de estarem há tanto tempo no poder, não teme que esse discurso acabe um pouco obscurecido pelo facto de também estar há tanto tempo no poder?
Não, a liderança do partido não tem poder nenhum. O poder está no governo. Ali é onde há poder. Eu ando aqui a trabalhar desde de manhã até a esta hora [passava das 20 horas], sem ter almoçado sequer, onde está o meu poder? [Risos] Não tenho poder nenhum, mas há, de facto, esta confusão que é feita entre aquilo que se passa nos partidos políticos e aquilo que se passa no Estado. São duas coisas completamente diferentes.

Mas é favorável a ter uma limitação de mandatos na Constituição para o Presidente?
Sim, senhor.

Dois mandatos?
Absolutamente, absolutamente. Não há dúvidas nenhumas que é preciso. Ali há poder e é preciso de facto haver limitação de mandatos. Se esta medida fosse politicamente ou do ponto de vista jurídico aplicado aos partidos eu não estaria no partido para além de dois mandatos. Não o faria.

E não acha que deveria haver essa limitação dentro dos partidos?
Se o partido desejar. Os partidos são soberanos a esse respeito, não é uma norma que viole as regras democráticas, mas se a UNITA decidir que haja limitação de mandatos, aqueles que vierem a ser presidentes da UNITA têm de respeitar o estatuto. Mas, não é obrigatório para os partidos terem limitação dos mandatos. E podemos comparar vários casos, em Portugal, o Dr. Paulo Portas saiu agora da direcção do partido [CDS] depois de 16 anos. Se formos para a Alemanha, a Merkel está também há 16 anos como dirigente.

Se vamos fazer comparações, são poucos os líderes partidários que perdendo duas eleições continuam a dirigir um partido?
Depende…

São poucos aqueles que ficam após duas derrotas?
Se eu tivesse perdido as eleições de uma forma transparente, clara, eu deixaria também a direcção do partido. O que se passa em Angola é que ninguém pode dizer que a UNITA perdeu as eleições e o MPLA ganhou as eleições. As eleições têm sido, na gíria popular, “roubadas” pelo MPLA, pura e simplesmente. Portanto, ninguém pode culpar o dirigente de um partido que tenha “perdido”, porque não há eleições transparentes.

Portanto, estes resultados não se devem a erros seus?
Não, eu…

Não? Acha que em nenhuma dessas eleições cometeu erros?
Somos humanos e sempre cometemos erros. Agora que sejam esses erros fundamentais para aquilo que consideramos derrotas da UNITA, eu acho que não. Naturalmente, enquanto presidente assumo, em nome do partido, as responsabilidades.

“Há uma certa complacência da comunidade internacional em relação a Angola”

Mas, então, se acha que há fraude eleitoral e se acha que os resultados são arranjados, porque não boicotar as eleições? Porquê sujeitar-se a regras que não consegue controlar?!
Não, as regras podem ser controladas. Simplesmente há interesses vários, no caso de Angola, que, ao contrário dos outros países, se deixam passar. Mas a violação da lei eleitoral é uma realidade e se for a ver, por exemplo, o relatório do grupo da União Europeia que, em 2008, foi observar as eleições em Angola, é um relatório cheio de recomendações de coisas que devem ser alteradas, devem ser melhoradas – por outras palavras, estão a dizer que aquilo que tinha acontecido não estava conforme a legislação. Portanto, há uma certa complacência da comunidade internacional em relação a Angola. Nós precisamos é de persistir para procurar corrigir aquilo que está a acontecer de forma errada em Angola.

Gostariam de ter observadores internacionais nestas eleições?
Ao contrário do que acontece em toda a parte, a comunidade internacional tem dinheiro para mandar observadores até às eleições dos Estados Unidos e nunca há dinheiro para mandar observadores a Angola. Em 2008, foram uns 100 observadores para um país do tamanho de Angola, e em 2012 a comunidade internacional, neste caso a União Europeia, disse pura e simplesmente que não ia às eleições. Houve alguns observadores estrangeiros, ou internacionais, mais no quadro da União Africana e, naturalmente, já sabe como é, são observadores de países amigos, de camaradas com camaradas.

É favorável à criação do fundo do petróleo, como recomendou o FMI?
Já houve em Angola este fundo. Houve um fundo chamado do diferencial do preço do petróleo, um fundo estratégico resultante das receitas do petróleo. Agora, se de um lado somos naturalmente favoráveis à criação de um fundo desses, também exigiremos que seja gerido com transparência. Nós fomos informados pelo próprio governo que havia receitas em reserva que, entretanto, desapareceram e ninguém quer nos explicar onde estão essas verbas. Portanto, não é só a criação do fundo que interessa mas também a sua gestão.

A criação do fundo permitiria controlar melhor as receitas do petróleo?
Não. Estou a dizer que o fundo do petróleo pode ser criado mas precisa também de gestão clara, transparente. Não basta a sua criação. Vamos criar esse fundo. Quem o vai gerir? O problema está aí, porque pode criar-se este fundo e depois ser gerido à maneira que geriram os outros fundos.

Se ganharem as eleições criam esse fundo do petróleo?
Nós criaríamos não só o fundo do petróleo. Angola tem outros sectores que podem ser vitais para a economia…

Sim, mas não serão tão vitais nos próximos anos. Estamos a falar de 2017, estamos a falar de uma coisa a curto prazo. Acha que o fundo do petróleo seria uma boa decisão?
Nós sempre pensamos que os dinheiros resultantes do petróleo seriam suficientes, não só para gerir o dia-a-dia do país, mas para constituir reservas que podem ter o nome de fundo de petróleo. Aliás, estou a dizer que não é novidade para Angola porque o próprio MPLA também chegou a criar estas reservas, simplesmente a gestão dessas verbas é que não se fez de forma a servir o propósito para que foram criadas. O que interessa é que o fundo seja criado e seja gerido de forma a servir os interesses dos angolanos. O que se passou até aqui é que esse fundo serviu apenas os interesses de meia dúzia de pessoas.

A Assembleia Nacional votou recentemente duas leis, uma sobre a organização e funcionamento das comissões de moradores e outra de comunicação e fixação e alteração de residência dos cidadãos que a CASA-CE diz que transformam Angola num Estado policial. Qual é a posição da UNITA?
É a mesma. Esta coisa da comissão de moradores é regressar aos tempos de partido único, isto é regressar aos tempos de Fidel Castro, esses tempos em que o pai vigiava o filho, o filho vigiava o pai não é para agora, isto é um retrocesso enorme no nosso processo democrático. Nós manifestamos o nosso repúdio e sempre pensamos e dissemos que o que precisamos de facto são as autarquias. O senhor ministro da Administração do Território dizia que isto é comum em todos os países, que se faz na França, na Inglaterra, nos Estados Unidos. Eu vivi cinco anos na Inglaterra, quatro anos na França e nunca ouvi falar disso.

Pode explicar-me por que é que a UNITA votou ao lado do governo na legislação sobre as medidas cautelares em processo penal que permite, no ponto 3 do seu artigo 39.º, que um juiz mantenha alguém em prisão preventiva enquanto quiser?

Quando é que foi isso?

Foi votada o ano passado.

O ano passado?
Sim. a UNITA votou ao lado do governo uma nova legislação que tem no seu ponto 3 e leio: “Os prazos de prisão preventiva previstos no n.º 1 podem ser elevados oficiosamente, ou a requerimento do assistente por despacho do magistrado competente, devidamente fundamentado”. Isto não é muito perigoso? Estar a colocar nas mãos de um juiz a possibilidade de manter ad aeternum uma prisão preventiva?

Não acompanhei este processo…
[Um membro da UNITA vem em ajuda de Samakuva e explica que “a lei existente anteriormente não estabelecia prazos de espécie alguma e portanto, era muito pior”.]
O que eu sabia era exactamente isso. Não só não existia como há ainda uma quantidade de prisioneiros em regime de prisão preventiva sem um prazo para isso.

Mas se a outra lei era má, esta permite um poder discricionário ao juiz…
Havia necessidade de se estabelecer um prazo, e como está a dizer aqui, um juiz devidamente…

“São juízes que dependem do poder político”

A lei diz que é preciso “o despacho do magistrado competente, devidamente fundamentado”, mas o juiz pode fundamentar como bem entender.
Sim, a lei permite mas diz devidamente fundamentado? Agora, o que pode ser questionado é que os juízes que temos não são juízes que cumpram a lei ou que se comportem como verdadeiros juízes, são juízes que dependem de poder político.

Acha que se estão a perder liberdades e garantias?
Não é só a liberdade mas também a dignidade. Eu acho que o que se está a passar em Angola é, de facto, bastante preocupante porque estão ali homens e mulheres que gastaram muito tempo a aprender para serem juízes mas se comportam como instrumentos à mão de um regime político e para mim isto é muito preocupante. Conhecemos vários países onde até o Estado democrático não é forte, mas as pessoas têm alguma dignidade. Quando sabem que estão a fazer alguma coisa errada rejeitam este tipo de comportamentos. Em Angola não, as pessoas perderam o seu carácter.

Não seria melhor para a oposição conseguirem encontrar alguma frente comum para as eleições?
A UNITA tem trabalhado neste sentido, naturalmente não depende apenas da UNITA, depende também da vontade dos outros partidos. Nós fizemos isso em 2004, mas chegamos às eleições de 2008 e cada um tirou o seu caminho. Voltámos a experimentar no mandato de 2008 a 2012, neste caso com relevo em aspectos específicos, a elaboração da Constituição. Andamos juntos mas chegamos à altura da votação e cada um seguiu o seu caminho. Na Lei Eleitoral foi a mesma coisa. E, agora, temos estado, ao nível dos grupos parlamentares, também a cooperar em várias matérias.

Acha possível haver uma coligação alargada dos partidos da oposição para concorrer às eleições de 2017?
O senhor quer que eu lhe diga claramente aquilo que eu vejo, resultante da experiência que tenho? Eu diria que é desejável mas não acredito que seja possível na conjuntura actual.

O que é que os separa?
Há muitas, muitas situações. Cada um quer ter o seu protagonismo ou quer medir as suas forças.

Abel Chivukuvuku não quer?
Não estou a citar nomes aqui, estou a falar no geral; o comportamento que tenho verificado até aqui é que temos cooperação ao nível dos grupos parlamentares e não só. Nalguns assuntos conversamos com a CASA-CE e temos andado assim, muitas vezes verificamos que essa cooperação não visa tanto o fortalecimento da oposição mas outros interesses adjacentes. Seria desejável mas não acredito que venha a acontecer.