Lisboa - Jornalista Luís Fernando diz que não há censura em Angola (…). Vem-me à memória, por exemplo, um recente relatório dos Repórteres Sem Fronteiras apresentado em Paris e que coloca o nosso país no lugar 123 do Índice Mundial de Liberdade de Imprensa com o rótulo de – eu cito – “situação muito difícil” – fim de citação.

Fonte: Club-k.net

Diz o mesmo relatório que “apesar de uma modesta liberalização que pôs fim ao monopólio do Estado na televisão, os jornalistas continuam a ser objecto de um controlo permanente, seja através do recurso à lei de difamação, seja de métodos mais directos, como sendo a detenção dos jornalistas incómodos às autoridades”.

 

Ora, aqui está uma boa razão para podermos afirmar, com propriedade, que em grande medida os inimigos dos jornalistas somos nós mesmos, os jornalistas. Digamos que um seccionamento do conceito mais geral que define o homem como sendo o lobo do homem, tornado célebre pelo filósofo inglês Thomas Hobbes e que significa que o homem é o maior inimigo do próprio homem. Frase que na verdade vem de trás, criada pelo dramaturgo romano Platus que a introduziu numa das suas peças – homo homini lupus – uma metáfora que indica que o homem é capaz de grandes atrocidades e barbaridades contra elementos da sua própria espécie.

 

De facto, não devemos ser nós, os jornalistas, os primeiros a promover a inverdade, a fomentar a mentira, apenas porque há um relatório que é preciso pintar com cores que se ajustam melhor a determinados alinhamentos políticos ou porque há países e governos que, quer façam bem quer façam mal, têm um modo de ser julgados que não carece mais de novas leituras, de novos dados. Bastam os que um dia serviram para lhes definir uma etiqueta ideológica, o resto é a teoria goebbeliana de uma mentira repetida mil vezes até se transformar em verdade.

 

Nós não temos nem os jornalistas detidos por serem incómodos às autoridades nem as listas de temas censurados que existem nos lugares em que a Liberdade de Imprensa é efectivamente vigiada. Os progressos são notáveis primeiro pelo número de títulos que são licenciados pelas autoridades competentes, no caso o Ministério da Comunicação Social – e essa é uma maneira de se aferir a liberdade de expressão e democrática num sentido mais amplo – e, depois, pelo conteúdo do que se veicula que todos nós sabemos que, se houvesse vontade assumida de se perseguir os seus autores, restariam poucos colegas a pavonear-se pelas Redacções a seguir aos fins de semana em que os jornais saem à rua.

 

Temos de aprender a ser honestos e a destruir os mitos no ovo. Repetir o discursinho da falta de Liberdade de Imprensa em Angola apenas porque o “Eixo do Mal” e outros da mesma tribo, lá fora, fizeram uma serenata com isso, é agir com a ingenuidade que ressabiados e velhos amos pregam que sejamos, numa aliança espúria com “embaixadorzinhos” seus que por cá andam e, volta e meia, deambulam por chancelarias e capitais conhecidas no triste papel de chorões em busca de amparo.

 

Dizem-nos que é preciso aperfeiçoar a Liberdade de Imprensa? Claro que sendo obra de homens, o espaço para a melhoria contínua desse desafio existirá sempre mas não nos parece lícito falar-se, como se fala, em sistemática e deliberada pressão para que os angolanos não disponham de uma informação ampla, aberta, transparente e sem censura. Caros Colegas, Ilustres Convidados Como profissional que me movo nestas lides há quase quarenta anos ininterruptos, creio dispor já de licença para me poder indignar perante situações que poderemos considerar de “Mau Uso da Liberdade de Imprensa” entre nós.

 

Por razões éticas não citarei as plataformas em que inúmeros exemplos que nos envergonham foram dados a estampa, como aquele infeliz trocadilho na primeira página de um semanário, por altura de um jogo que a selecção angolana de futebol de honras perdeu em Madagáscar. Escrever que “Filhos da P…..voltaram a perder”, numa tentativa torpe de se querer poetizar uma chamada de capa, é claramente uma demonstração de muito mau gosto e que não nos enobrece. Outra manchete ilustrada com a nudez obscena de uma mulher para se pretender dizer que a prostituição não está a ter rendimento por causa da crise financeira que vivemos, é um segundo exemplo que projecta de nós uma imagem de absoluta irresponsabilidade no uso da Liberdade de Informar. Pergunto-me que escola é esta que pretende subverter os valores, os princípios e a moral que constituíram sempre a espinha dorsal do jornalismo feito em Angola ao longo de décadas, onde o escárnio e o maldizer, muito menos o discurso obsceno e as imagens despudoradas nunca tiverem espaço, que escola é esta que se quer impor do nada, como se nos apanhasse a todos distraídos, como se – de repente – tudo o que existe de conquistas de bons costumes e saber estar, pudessem ser apagados olimpicamente do espaço social que é pertença de todos?


O jornalismo que hoje se faz continua a resistir mal à tentação de se fulanizar os acontecimentos, os factos, os fenómenos, atirando lama sobre pessoas quando o que se tem de julgar são os actos; assassinando na praça pública o que muito custa a ganhar – a reputação, o bom nome, a honra – sem o menor respeito por outros direitos quiçá mais relevantes, como o de qualquer cidadão sob suspeita ser considerado inocente até a sua culpa ser provada em tribunal. Boa parte do nosso jornalismo precisa com toda a urgência e veemência de se entregar a um esforço de redefinição de identidades, para saber o que efectivamente pretende, se ombrear com as plataformas que se afirmaram à conta do prestígio dos seus quadros e da seriedade das suas abordagens, ou se continuar a chafurdar no lamaçal da insensatez, do sensacionalismo e da hibridez inútil, sem que se possa saber se é comunicação social o que ali se faz, mera propaganda política ou um caminho ainda pior, sem regras e sem futuro.

Quero terminar exprimindo a ideia de que é fundamental -mais do que fundamental, VITAL – que os jovens e as jovens que agora abraçam a profissão, herdeiros de uma geração a quem se poderão imputar outras insuficiências mas nunca o desrespeito ao rigor e à ética, percebam que só irão longe se fizerem jornalismo e não simples acrobacias circenses; que só irão longe se estudarem a fundo as técnicas da profissão, as dominarem, e não se agarrarem à vontade cega de serem famosos à pressa e à martelada; que só irão longe se perceberem que a relação com a pátria nunca pode ser uma espécie de contrato comercial, visando o lucro, o ganho, o triunfo do material a qualquer preço, mas antes um compromisso de toda a vida que implica fazer por ela o mesmo que fizeram nos tempos tenebrosos da guerra os filhos heróicos que defenderam a nação de armas na mão, ao sol, à chuva, enfrentando miruís, mosquitos, o horror da noite, a solidão, a traição das minas terrestres, o cheiro ocre da morte que levou colegas de trincheira.

Tenho dito. Muito Obrigado pela vossa atenção.
CEFOJOR, 3 de Maio de 2016