Luanda - O Presente artigo surge, essencialmente, como tentativa de analisar de forma profunda e meditativa, a conduta generalizadamente impune, instalada com um grau de sucesso extremamente assustador, em nosso fazer Angola, que a título de flagrante exemplo, um cidadão (ricamente pobre) que, infelizmente, ocupa um cargo de elevadíssima categoria a nível do país, de entre várias verborreias resultantes da sua pouquidão intelectual, apostrofou com elevado ímpeto e bastante azedume, a um determinado jovem (pobremente rico), os seguintes tritongos:

 Fonte: Club-k.mnet

“Eu sou chefe! Posso te degolar aqui e agora, não vai sair mesmo nada…! Nunca estarei preso…”.

 

 

Como um bom cidadão, respeitador de todas as leis vigentes e até as revogadas, coloquei-me diante dos meus “caducos” botões, mas, ainda, pensantes e questionei-me escangalhadamente: afinal, quando alguém é Ministro, Governador, Deputado, Administrador ou até mesmo Presidente, assim já pode fazer e desfazer e não sai mesmo nada? Essa novidade só está a “bater” aqui em Angola ou também “bate” além das nossas fronteiras? Quando estamos a falar de um Estado democrático e de direito, será que estamos a falar, também, de um Estado em que o filho ou o dono do poder pode pisar, bater, achincalhar, atropelar e até mesmo aniquilar um pobre cidadão (dito soberano, mas sem soberania) e ficar impune? Será que existem pessoas, em Angola, que têm o “poder” de ofuscar as leis? Que país afinal é este? Será que descendi mesmo aqui?  

           

Os 244º artigos constantes da Carta Magna da República de Angola, deveriam ser exercitados por todos os cidadãos, pelo facto de os mesmos estarem acima de tudo e todos. Repito: estão acima de tudo e todos. Segundo o Artigo 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos “todos são iguais perante aos olhos da lei e têm o mesmo direito, sem qualquer distinção; assim a lei e os juízes devem tratar a todos igualmente perante a lei, independentemente da sua raça, género, orientação sexual, nacionalidade, cor da pele, religião, condição social, filiação partidária, deficiência ou outras características”. No mesmo diapasão, se dermos uma espreitadela à Lei Suprema da República de Angola, no seu articulado 23º (principio da igualdade), notamos que “todos são iguais perante a Constituição e a lei”. No âmbito do Direito Penal Angolano e do Direito Processual Penal, as penas estão tipificadas como crimes, sem ter em conta o agente do crime, basta o facto de o praticar. Afinal somos todos iguais porque a lei diz ou somos totalmente diferentes porque a prática, critério da verdade, nos vem mostrando a cada instante? Como entender que somos todos iguais perante a lei, se um cidadão pobre como eu, jamais será Presidente da República, pelo facto de não possuir um cartão de militância partidária? Se as leis, tanto as nacionais como as internacionais, são bastante claras, não entendo a vulnerabilidade de muitos sem poder e a fortaleza de alguns soberanos. Ipso facto, enfiando um dedo de opinião no buraco aberto dos artigos acima, pensamos que as leis em Angola são maravilhosamente pomposas e ditosas, dignas de alguma vassalagem, porque dificilmente “gostam” de largar o papel, no sentido de ir dar “uma volta” a esta imensidão territorial. Estamos perante um dilema, ou nós somos todos iguais perante a lei ou então, assumamos de uma vez por todas que alguns estão por cima da “árvore” a saborearem dos acepipes suculentos e outros, continuam localizados na raiz, sem ao menos terem o infortúnio de saborearem as cascas do tronco (uns estão acima da lei e tantos outros estão abaixo da mesma). Acho, claramente, pouco realista e até exagerado dizer-se que somos todos iguais. Verdadeira Utopia! Somos e seremos todos diferentes, perante a todas as leis. A prática, a cada segundo prova e aprova isso. A verdadeira Constituição encontra-se na vivência prática do cidadão e não na existência da tinta preta sobre o papel branco.

 

Seremos verdadeiramente iguais perante aos olhos da lei, quando os Tribunais (de Contas, provinciais, Supremo e Constitucional) exercerem competente e destemidamente as suas funções; quando um Ministro, Comandante, Governador, Administrador, Deputado, presidente responderem pelas suas presumíveis trapaças; quando o cidadão comum sentir que os filhos dos que detêm o poder, não são mais poderosos que eles, ou melhor nunca estarão acima de ninguém. É possível, sim, acabar-se com essa IMPUNIDADE “legal” que muitas vezes confunde-se com a “famosa” imunidade…

 

Afinal somos todos iguais, ou afinal os “poderosos” são iguais aos “poderosos” e os sem poder são iguais aos que nunca terão poder?

 

O pior dos piores é que o fenómeno da impunidade gera a audácia dos maus, porque eles sentem que não há justiça que os coloque no lugar. Quando as pessoas acreditam que ficarão impunes, optam e oficializam a corrupção. Elas (as pessoas), acreditam que ficam impunes, por isso, corrompem, roubam, ceifam, fazem e desfazem e ainda são assustadoramente galardoados. Num país onde reina a impunidade, a corrupção grita mais alto que o pacato cidadão, que, com fome crónica, até já nem grita mais, agora só olha já os movimentos das impunidades oficialmente legalizadas. SOBERANO SEM SOBERANIA. A corrupção está intimamente ligada a não punição dos actores envolvidos nos processos ilícitos. Quando, por exemplo, um “bongô” cobrar a “taxa de circulação” aos taxistas, em plena via pública e, for imediata e exemplarmente punido, pelas autoridades (in) competentes, para que os outros não sigam tais vícios, ai sim, já poderemos falar de uma Angola com rumo de verdade. A realidade nos obriga a afirmar que a impunidade só anda à solta graças a famosa corrupção legalmente consagrada. Não há dúvidas, a impunidade é mesmo um estímulo à corrupção. Já não bastam os paraísos fiscais, agora o paraíso que esta “bater” é o da impunidade. Onde o coitado cidadão só por pensar um pouco diferente de outros já será encaminhado para um sítio qualquer e, ainda, por azar, ganha uma “boa surra” gratuita. Mas, se eventualmente, um filho de Ministro, por embriaguez acentuada, decidir atropelar um coitado em plena via pública, ainda terá razão e, o atropelado, ainda, deverá pedir desculpas. Afinal, que pais é este, se muitas vezes aquele que ainda nem abriu a boca para falar, já está condenado à pena de prisão maior?

 

Sempre que um Governante for descoberto a desviar o erário público, em vez de ser colocado para um cargo mais elevado e noutras paragens, deveria ser encaminhado directamente para o tribunal e dai, rumo à cadeia. Com essas práticas, de responsabilização dos actos dos gestores públicos, de certeza, haveria menos montanhas de corrupção, o sentimento de impunidade a todos os níveis diminuiria e o princípio da parcimónia constante da Lei da Probidade Pública seria uma regra de ouro. Se o funcionário da base, notar que o seu grande chefe responde judicialmente por um determinado crime, tal facto servirá como lição para que o mesmo não enverede no mesmo caminho. Podemos assegurar que a educação faz-se com exemplos e não com meras palavras e pobres discursos. Angola clama e reclama por homens e mulheres que coloquem a cidadania sempre na dianteira dos partidos (a carroça não pode ficar à frente dos bois).

 

Entretanto, se continuarmos a assistir sentados, ao vivo e a cores, todo esse cenário que enferma a nossa pobre, mas rica Angola, então o futuro do país jamais terá futuro. A audácia, impingindo o medo de um povo, faz toda a diferença… O bom cidadão é, também, aquele que luta pelos seus direitos e cumpre com fidelidade os seus deveres. O bom cidadão é, também, aquele que luta contra todas as injustiças que enfermam o seu país. O bom cidadão é, também, um defensor da constituição, quando os Órgãos (in) competentes não o são. O bom cidadão é, também, aquele que não assiste o que acontece, mas sim, participa para fazer acontecer melhor. O bom cidadão é, também, aquele que não vota embriagadamente, mas sim intelectualmente nos seus melhores representantes. O bom cidadão é, também, aquele que vota em quem quiser e, cobra o que quiser sem medo. O bom cidadão é, também aquele que investe com seriedade na cidadocracia e aposta menos na partidocracia. O bom cidadão, também, ajuda na reposição da legalidade, quando a ilegalidade estiver instalada. Primeiro aparece Angola e depois o resto. Quando um cidadão já não consegue intervir, desapaixonadamente, com seus pensamentos, ideias, acções, por Angola e para uma Angola melhor, infelizmente a nação perde mais um cidadão desnecessário, improfícuo e utilmente inútil.

 

 

Portanto, inspirados na ideia de que o futuro não é o que tememos, é o que ousamos, somos todos chamados a agir e a reagir de maneira colectiva por uma Angola democrática, de direito e mais justa, onde todos os angolanos se revêem nos sistemas de justiça e nos seus magistrados, onde os abusos de poder já não serão mais uma regra normal de convivência. Onde todos os angolanos considerem-se iguais a todos os angolanos. Onde a partidocracia não tenha mais importância que a meritocracia, nem que a democracia. Uma coisa deve, porém, estar bem clara nas nossas mentes, a nossa sociedade está a afundar-se, e se pensamos que o “safa-se quem puder” é o que conta, estamos bem enganados. Nunca teremos um país com uma paz verdadeira, se não se inverter o actual quadro negro. Devemos continuar a denunciar e a condenar os actos indecorosos que nos apoquentam, mas devemos fazer um pacto com nós próprios para sermos homens e mulheres de carácter. Contudo, nem tudo está perdido em Angola e nem o futuro do país está decidido à partida, como apregoam os fatalistas (reis dos discursos falaciosos). Não acredito no destino, acredito, sim, na vontade enérgica de lutarmos todos contra o fenómeno da IMPUNIDADE que carrega nas “costas” a sua “irmã”, cheia de pecado, com o epíteto: CORRUPÇÃO.

 

Podíamos folhear o dicionário das velhas máximas e repetir aqui o ditado de que se plantarmos o mal, colheremos a pobreza! Na óptica do inolvidável Nelson Mandela, “its allways impossible until it´s done” (sempre parece impossível até que alguém o faz). A ver vamos! Eu acredito na força aguerrida do povo angolano. Não há impunidade que resista. Tudo é possível, até mesmo o impossível…

 

   A justiça só será justa, se ela decidir morrer cega e divorciada.