Luanda - Com as milionárias linhas de crédito da China, não foi só dinheiro que chegou a Angola. Chegaram gangues de chineses que apostaram num tipo de crime que ganha cada vez mais dimensão: os raptos para pedido de resgate. A situação agravou-se de tal forma que a China enviou agentes dos serviços de informação para ajudar as autoridades angolanas

Gustavo Costa
Fonte: Expressso

Uma vaga de sequestros para pedidos de resgate atingiu nas últimas semanas a região de Luanda. As autoridades admitem que se registam um a dois casos por mês, perpetrados por chineses. Não se sabe ao certo quantos casos foram registados, mas trata-se de uma nova tendência do crime, perpetrado por chineses.

Os casos de sequestro começaram a ser registados em finais do ano passado e envolveram, numa primeira fase, exclusivamente gangues provenientes da China. Com as ocorrências a disparar, soaram as campaínhas de alarme em Pequim. “Tivémos aqui especialistas dos serviços de informação chineses que nos ajudaram a desmantelar esses grupos”, confidenciou ao Expresso uma fonte do Ministério angolano do Interior.

“Nalguns casos, os elementos desses grupos, utilizando nomes angolanos e com identidade falsa, protagonizavam ajustes de contas mal saldadas na China”, acrescentou a mesma fonte, que participar também no desmantelamento de uma rede de prostituição chinesa.

Com a abertura, pela China, das multimilionárias linhas de crédito a Angola, não foi só dinheiro que chegou ao país africano. Chegou de tudo: executivos, homens de negócios, trabalhadores, agentes dos serviços secretos, desempregados, prostitutas, criminosos.Entre imigrantes legais e ilegais, haverá hoje entre 250 e 300 mil chineses em Angola.

MERGULHADOS EM ÁGUA QUENTE

As vítimas de sequestro são facilmente identificadas pelos gangues. Cidadãos chineses abastados, alguns viciados em jogo (casino), movimentam elevadas somas em dinheiro “vivo” que depois guardam em casa ou em armazéns. Há um mês e meio, quatro comerciantes foram raptados, espancados e mergulhados num reservatório de água quente por um grupo de comandos militares “contratados” por gangues civis, num crime que chocou a sociedade angolana. Na origem desta atrocidade esteve a tentativa de usurpação de 229 mil dólares aos chineses, correspondentes a 10% da falsa venda de um terreno de mais de 2 hectares.

Este tipo de crime propagou-se rapidamente e começa também a ser praticado por grupos criminosos angolanos. No último mês e meio, foram mortos sete estrangeiros por gangues. Além dos quatro chineses, registou-se o homicídio de três portugueses - um casal e o funcionário de um aviário.

CRIME MAIS VELOZ DO QUE A INVESTIGAÇÃO


Especialistas da polícia judiciária angolana reconhecem agora que, “depois da vinda, sem critérios, de chineses de vários extratos sociais, registou-se uma alteração substancial no paradigma dos crimes”. O número de resgates pagos por chineses raptados pela própria máfia chinesa continua a ser, para as autoridades angolanas, uma verdadeira incógnita.

“Nalguns casos, com medo de represálias, as vítimas preferem silenciar os sequestros; noutros casos, ao não pagarem o resgate, são pura e simplesmente mortos”, disse ao Expresso Vasco Alexandrino, diretor de informação dos Serviços de Investigação Criminal angolana.

“A dinâmica dos crimes está a ser mais veloz do que a investigação”, reconheceu outra fonte policial, que revelou ter sido abortado, no último fim de semana, o sequestro de um português e de um cidadão da Guiné-Conacry.

Além de chineses e angolanos, os serviços de informação passaram agora a ter também sob o radar grupos de marginais altamente perigosos originários da África do Sul, disse ao Expresso uma fonte da Procuradoria Militar. “Há suspeitas de envolvimento, neste tipo de crimes, de nigerianos com apoio de angolanos”, acrescenta a mesma fonte. Um dos casos visou o empresário de origem árabe Jean Michel Ritz, sequestrado à porta do seu apartamento, no bairro Nova Vida, e libertado quatro dias depois, mediante o pagamento de 30 mil dólares.

Outro caso visou o engenheiro português Carlos Martins, cujo carro foi emboscado nas imediações do Cacuaco, à saída da fábrica Vidrul. Martins não ganhou para o susto, e “o técnico francês que o acompanhava, aterrorizado, no dia seguinte apanhou o no avião e foi-se embora!”, contou uma fonte da fábrica.

O Procurador Geral da República, José Maria de Sousa, garante não haver motivos para sobressaltos, mas o receio propaga-se.

EMBAIXADAS ESTRANGEIRAS ACONSELHAM RESTRIÇÕES

Perante a atual situação de segurança, a embaixada dos Estados Unidos impôs aos cidadãos norte-americanos restrições de circulação em certas áreas da cidade e recomendou que, a partir de agora, mantenham os telemóveis permanentemente ligados.

Depois do sequestro, durante três dias, de um francês, funcionário da multinacional Maerks, também a embaixada da França desaconselhou os membros da sua comunidade a circular pela Via Expresso. “Só devem fazê-lo escoltados”, disse uma fonte diplomática.

Com o agravamento da situação, Carlos Cunha, proprietário da Imprimarte, a segunda maior gráfica do país, admite agora recorrer aos serviços de patrulha da polícia para garantir a escolta dos turnos da noite, assegurados por operários portugueses e angolanos.