Lisboa - Nepotismo (do latim: nepos, neto ou descendente) é o termo utilizado para designar o favorecimento de parentes (ou amigos próximos) em detrimento de pessoas mais qualificadas, especialmente no que diz respeito à nomeação ou elevação de cargos. – Wikipedia

Fonte: RA

João Paulo Ganga surpreendeu a nação com o seu ponto de vista sobre a nomeação de Isabel dos Santos para a Presidência do Conselho de Administração da Sonangol. O sociólogo, que nos acostumou ao bom senso e à imparcialidade, argumentou em defesa da nomeação da filha do presidente da república durante um debate na TV Zimbo e foi rapidamente “crucificado” nas redes sociais. É comum desviar-se o debate para o ataque às pessoas em vez de nos focarmos nas suas ideias. No entanto, devemos combater essa prática. Por isso, vale a pena prestar atenção a algumas das ideias apresentadas por João Paulo Ganga em relação a este caso, em especial em relação ao nepotismo.

“Nós temos que perceber que a questão do nepotismo é transversal à sociedade angolana, infeliz ou felizmente”. Infelizmente, diríamos nós. Pois o “favoritismo” ou “afilhadismo” são algumas das melhores formas de exclusão social e de perpetuação de privilégios familiares, em detrimento do mérito ou do acesso democrático aos cargos públicos. O nepotismo é, sem dúvida, um dos maiores problemas de Angola. Afinal, aquele que só por ser “filho de alguém” tem em sua posse as chaves de todas as portas, não chega lá com legitimidade ética e passa, muitas vezes, à frente de gente que merecia mais.

Perante a possibilidade de nepotismo no caso da nomeação da filha o Presidente, Ganga começa por argumentar que “o nepotismo é uma prática comum em Angola” e que, portanto, “nós temos que nos adaptar à realidade do nosso país”. Fica por explicar por que é que devemos adaptar-nos a uma prática ilegítima e errada. Por mais enraizado que esteja um costume, se este for prejudicial à sociedade, devemos procurar mudá-lo através da lei ou da crítica pública. Encolher os ombros é que não parece ser uma boa solução.

Nesta ordem de ideias, o argumento-falácia de que os outros partidos políticos fazem o mesmo também não serve. O facto de todos os partidos cometerem um erro não justifica esse erro.

Não deixa de ser interessante o ponto de vista do sociólogo em relação aos motivos que fazem com que a nossa sociedade seja altamente nepotista. “O nepotismo existe porque a família angolana é extensa, por um lado, e por outro lado, por causa do subdesenvolvimento em que nós vivemos.” Até poderíamos concordar com esta explicação, se não se tratasse aqui, particularmente, da família do Presidente da República e de um dos cargos administrativos mais importantes do país. O exemplo deve vir de cima, diz-se por aí. E se tanta gente discorda desta nomeação é, acima de tudo, pelo gigante conflito de interesses que aqui se verifica.

Durante a sua intervenção, que tem sido partilhada nas redes sociais, Ganga afirma que “o nepotismo em Angola não é crime”. A maior parte dos comuns mortais não entende de Direito. Contudo, sabemos ler bem o suficiente para ficarmos com algumas dúvidas.

Lendo a Lei da Probidade Pública, passando os olhos pelo seu Artigo 19º, aprendemos que, “ a actuação do agente público deve fundar-se em considerações objectivas, orientadas para o interesse comum, à margem de qualquer outro factor que exprima ou favoreça posições pessoais, familiares, corporativas ou quaisquer outras que colidam com o interesse público.”

Por uma questão de cidadania e interesse público, vale mesmo a pena citar na íntegra o Artigo 28º da mesma lei, referente aos “Impedimentos do agente público”.

“1. O agente público está impedido de intervir na preparação, na decisão e na execução dos actos e contratos, nos seguintes casos:

a) quando tenha interesse directo ou como representante de outra pessoa;


b) quando, por si ou como representante de outra pessoa, nele tenha interesse seu cônjuge ou parente na linha recta ou até ao segundo grau da linha colateral, bem como com quem viva em comunhão de mesa e habitação;

c) quando exerça actividades privadas, incluindo de carácter profissional ou associativo, que se relacionem directamente com órgão ou entidade ao qual prestem serviço;

d) quando, por si ou por interposta pessoa singular ou colectiva exerça uma actividade profissional de assessoria sob a dependência de serviços de entidades privadas ou particulares, em assuntos em que deva intervir ou haja intervindo por razão da sua qualidade de agente público;

e) quando, em qualquer tipo de contrato, assuntos, operação ou actividade, se aproveite de tal circunstância para preparar ou facilitar qualquer forma de participação directa ou por interposta pessoa.

2. A violação das normas sobre impedimento, por acção ou omissão negligente ou dolosa, dá lugar à responsabilização política, disciplinar e criminal.”


Isabel dos Santos é uma mulher competente e uma empresária angolana de sucesso, aqui e além fronteiras. Mas não é esse o problema. O problema é que o possível mérito de Isabel dos Santos entra em choque com o facto de ser filha do Presidente. É normal que a sua nomeação para PCA da Sonangol levante fortes dúvidas quanto à natureza imparcial ou nepotista desta decisão. Para evitar polémicas e descontentamento, só mesmo evitando, a todo o custo, situações de conflito de interesses, para que o “interesse nacional” não se confunda nem um milímetro sequer com “interesses pessoais ou familiares”.