Luanda - As diversas manifestações e discussões em torno do acto do Presidente da República (PR) de nomeação da sua filha para o cargo de Presidente do Conselho de Administração da Sonangol, EP ainda que despropositado trouxe à memória de muitos a necessidade de distinção de uma “res-publica” e a uma “res-privata”.

Fonte: Club-k.net

Há uma distinção clara e expressa entre ambas, a “res-publica”, coisa pública e a “res-privata”, coisa privada. Entretanto, os últimos pronunciamentos que têm sido divulgados nos órgãos de imprensa pública e privada cá em Angola, parece definitivamente confundir uma e outra, pois apregoa-se a ideia de que tirar partido do poder de que se está investido e transforma-lo num meio ao serviço de familiares, violando-se o princípio da igualdade e imparcialidade a que se deve estar sujeito, consubstancia-se num acto meramente político, discricionário e até mesmo de coragem. Mas, uma análise do acto nos termos dos preceitos jurídico-administrativos com base na Lei 03/10 de 29 de Março (Lei da Probidade Publica) e jurídico-constitucionais a luz da CRA de 2010, pode-se aferir a ilegalidade do acto.

Vejamos o seguinte:

A competência do PR de nomear os gestores das empresas públicas é-lhe conferida enquanto titular do Poder Executivo no artigo 120º alínea b) da CRA que dispõe “Compete ao Presidente da Republica, enquanto titular do Poder Executivo: dirigir a política geral de governação do País e da Administração Publica”. Portanto, essa disposição remete-nos ao campo de acção publico-administrativo, pelo qual são regidas as empresas públicas angolanas, como é o caso da nossa Sonangol e não na esfera política como se faz crer em certos pronunciamentos. Até aqui não há qualquer anormalidade. Todavia, olhando para a qualidade dos sujeitos na relação de parentesco entre ambos, pai que nomeia filha a um cargo público, somos remetidos à Lei 03/10 Lei da Probidade Pública, por estarmos na esfera administrativo público.


Essa Lei da Probidade Publica no artigo 15º nº 1, considera “agente publico a pessoa que exerce mandato, cargo, emprego ou função em entidade publica, em virtude de eleição, nomeação, de contratação ou de qualquer outra forma de investidura ou vinculo, ainda que de modo transitório ou sem remuneração” e no nº 2 al. a) reza “para efeito da presente lei são agentes públicos, nomeadamente as seguintes entidades: Os membros do Executivo”.


Ora, aqui enquadra-se o PR enquanto titular do Poder Executivo. Aliás, é nas vestes de titular do Poder Executivo, conforme supra citado que o mesmo nomeia os gestores das empresas públicas. Assim sendo, segundo o artigo 28º nº 1 al. b) da Lei da Probidade Publica impede todo o agente público, do qual faz parte o titular do Poder Executivo ou seja o PR, executar actos nos casos que nele tenha interesse seu cônjuge, ou parente na linha recta ou até segundo grau na linha colateral. Recorrendo ao Código de Família angolano no seu artigo 11º constatar-se-á que a relação entre pai e filho(a) surge no primeiro grau da linha recta.


Portanto, pode-se concluir que o acto do PR nomear a sua filha Eng.ª Isabel dos Santos é contrário a Lei da Probidade Pública. Não está em causa nem o mérito, tão pouco a competência da nomeada.

Ademais, a CRA no seu art.º 198º nº 1 impõe a prossecução dos objectivos da função pública com base entre outros princípios, no princípio da legalidade, proporcionalidade, imparcialidade e probidade administrativa e nunca na coragem. Os princípios enunciados pressupõem que a acção deve ter como fundamento o disposto na lei, primar pela igualdade, não favorecer terceiros, sobretudo seus parentes, amigos ou membros do seu partido. De outro modo estar-se-ia a instaurar o nepotismo, como no caso que nos propusemos a analisar.

A constituição e as demais leis ordinárias devem ser respeitadas e têm primazia sobre qualquer acto independentemente da sua fonte. A democracia e o exercício do poder é feito com regras, mas não as regras do vale-tudo. O poder discricionário dos gestores públicos e a defesa do interesse público não devem servir de fundamentos para violação dos princípios constitucionalmente estabelecidos.