Huambo - Estou no Huambo, minha terra mãe. Logo pela manhã da primeira sexta-feira de Junho, meu telemóvel sinalizou recepção de uma sms… “Morreu Nzita Tiago”, escreveu Amilton da Gama um meu amigo a partir da Cidade Baixa. Espantado, reli a mensagem para rever se tratava-se mesmo do nome comum em assuntos políticos angolanos…

Fonte: Club-k.net

Num olhar vazio, involuntariamente espirei um ar como que de alento; “Nzita Tiago, o separatista de Cabinda”, pensei; pensei em muitas outras coisas. Foi da Bíblia Sagrada que aprendi que, contentar-se com a morte de um inimigo era uma atitude errada, pelo que contive minha emoção e continuei a pensar sobre o assunto.

 

Não conheci Nzita Tiago pessoalmente, mas como um filho de Angola preocupado com as intenções desse compatriota, devo confessar que pensava dele como uma figura controversa, um inimigo público; pois, dizer que Cabinda não era Angola era contra-senso. O exclave de Cabinda é histórica, cultural e politicamente parte integrante da República de Angola, e administrativamente uma das províncias que constituem o território nacional; qualquer referência à região com intenções divisivas é uma historieta sem graça.

 

Por causa de acções provocativas por parte do Sr. Tiago e seus seguidores, muitas pessoas perderam a vida, inclusive civis, elementos de forças regulares do exército, e ‘terroristas’ da chamada “Frente de Libertação do Enclave de Cabinda-Forças Armadas de Cabinda”, abreviadamente FLEC-FAC. Vários anos após o fim do conflito armado no país, Cabinda continua uma espécie de geena, ou seja, um lugar de tormentos, uma situação susceptível de privar a população local da atmosfera social pacífica que se vive no resto do país; a persistência de rebelião suscitou envio de mais tropas a cenários de conflito activo ou tensão severa.

 

Penso verdadeiramente que, o que motivava Tiago e seus seguidores era uma desmedida ambição enraizada numa ânsia de apropriar-se de lucros de comercialização de petróleo e madeira, os principais recursos económicos numa região cuja situação geográfica dá impressão de uma ilha que alicia piratas, gatunos. Ladrões em Angola estão um pouco por toda parte; e como a pátria tem guardiões, Nzita Tiago e suas gangues tentavam alcançar seus objectivos pela violência. Após ludibriar seus seguidores com convicções falsas e a levar vida de guerrilha nas matas enquanto ele próprio andava foragido por algum lugar na Europa, refugiado, sem servir a sociedade em que nasceu, Nzita Tiago faleceu sem ter justificado a sua vida na Terra; e isso não é bom.

 

Em conformidade com o Expresso, um diário luso, online num comunicado recente, a direcção da referida organização ‘terrorista’ emitiu um alerta de que o exclave era “um território em estado de guerra” e que a circulação de pessoas e bens era “seriamente desaconselhada”. Ainda segundo o Expresso, ultimamente a FLEC-FAC alega ter ceifado vidas de 47 elementos de forças regulares do exército em emboscadas.


Independentemente de nossas atitudes face a ameaças terroristas em Cabinda, não se nega a existência do problema, pois, apesar de se estar a lidar com a situação secretamente, perda de vidas continua; apesar de se fazer parecer que o problema em Cabinda é uma historieta, derramamento de sangue é real. Os ‘terroristas’, regozijarem-se por assassinar guardiões da pátria não os servirá em nada, pois, fidelidade à pátria é inabalável… e os assassinos são eles mesmos magníficos para morrer! Os que deliberadamente causam sofrimento a outrem são eles mesmos susceptíveis de sofrerem –, por isso há pessoas felizes com lágrimas. Somos todos susceptíveis de morrer ou perder ente queridos, envelhecer e sofrer de nostalgia –. Para um ser humano, o mais importante é justificar a vida na Terra a fazer o bem a si mesmo e a outrem, para partir feliz e com a consciência nítida. O passamento físico do homem em referência deixa a situação do conflito em adivinhas, pois não houve reconciliação com as autoridades governamentais; pelo que, é difícil prever o que virá a seguir. O Sr. Tiago poderá ser substituído por um insurrecto, ou outra pessoa mais civilizada e irrepreensível; o que se espera é mesmo diálogo e superação de diferenças existentes, para que possa se proporcionar à população do exclave as mesmas condições de tranquilidade e segurança que se vivenciam no resto do país.

 

Porém, curiosamente, segundo o Expresso, houve por parte de Nzita Tiago uma vontade de se conversar com as autoridades governamentais e principalmente com o presidente da República. Conversar o quê?

 

Na eventualidade de qualquer diálogo, a ideia de separação é inaceitável; a definição de Cabinda como parte integrante do território angolano é inquestionável, e a ideia de se atribuir ‘estatuto especial’ à uma província é também inaceitável, pois é alienante. O que deve haver entre os angolanos é igualdade em direitos e dignidade. Independentemente de suas motivações, eu aconselharia qualquer sucessor de Tiago a abdicar da ideia de secessão, reconhecer a integridade territorial de Angola, mudar a denominação de sua organização e desfaze-la do carácter militarista e, talvez, transforma-la em uma organização política (partido político) reconhecida pelo povo através do país e verificada pelo Tribunal Constitucional.

 

Quanto à situação geográfica da província, a condição de exclave não deve servir de aliciação para se pensar dela como possível propriedade de um grupo de indivíduos ‘piratas’, usurpadores, cujo propósito é adquirir ‘argent’, ‘money’–, dinheiro; existem pelo mundo afora vários casos de exclaves e outros similares, entre os quais o Alasca –, o maior dos Estados Unidos da América; situado a noroeste daquele país, está geograficamente isolado por uma parte do território canadense. O exclave de Kaliningrado a oeste da Rússia situa-se entre a Polónia, Lituânia, e o Mar Báltico. Os territórios britânicos ultramarinos de Gibraltar e Falklands situam-se um no extremo sul da Península Ibérica e o outro nas proximidades da Antárctida, respectivamente. A ilha japonesa de Okinawa situa-se 640 quilómetros a sudoeste do resto daquele país asiático.

 

Por cá, enquanto uns persistirem em inútil insurreição, a vontade popular de se promover no país condições para desenvolvimento sociopolítico e melhoria da sociedade humana não se desvanece; desde os dias de luta pela independência nacional ao ano de 1975 e desde então aos dias de hoje, o que se superou era ainda mais difícil, e nós não abandonaremos os ganhos alcançados. O problema em Cabinda é semelhante ao caso da Chechénia no sudoeste da Rússia; trata-se de terrorismo, e não se cede a terroristas; face ao terrorismo, os patriotas não se retraem. Os homens do bem vencerão.

 

Apesar do sistema sociopolítico angolano carecer de mais relevância, a elite política nacional não é assim tão distraída quanto parece, e isso me impressiona; o presidente da República não se expõe aos rebeldes para conversar sobre uma província, pois, seria um erro crasso. Não se deve dar importância a ambições de um grupo de indivíduos com olhos de porco, indivíduos que visam apoderar-se de uma parcela territorial por causa de recursos económicos. Nos anos ’90, Boris Yeltsin , o então presidente da Rússia cedeu à pressão de rebeldes chechenos e deslocou-se a Grozny, a sede provincial da Chechénia para negociações. A especial atenção concedida por Moscovo deve ter feito os insurrectos pensarem que afinal podiam exigir mais do que mereciam; pensaram que, além de observância de direitos civis e políticos iguais, o governo russo era susceptível de ceder a ambições separatistas; nisso não houve consensos, e alucinados os rebeldes que praticamente controlavam os assuntos sociopolíticos e instalações militares locais reforçaram suas posições e ocuparam a cidade onde os seus ideais difundiram-se de tal maneira que, milhares de pessoas acarretavam em suas psiques atitudes anti-russas numa parcela territorial que não é ilha nem é enclave; houve alguns anos de ilusiva ‘autodeterminação’, um assunto tão complexo que, para sua solução esperou-se circunstâncias apropriadas que somente surgiriam com a intervenção das Spetsnaz , as forças especiais federais, auxiliadas pela GRU e, o FSB , cujo director nacional era Vladimir Putin; em finais de 1999 os principais canais de televisão e rádio mundiais, inclusive a BBC e a DWtv , estavam virados a um cenário de conflito militarizado do qual os repórteres informavam o mundo; viu-se imagens de soldados das forças regulares a entrincheirarem-se em arredores de Grozny. Para se repor a administração do Estado em toda a Chechénia foi preciso sitiar e tomar de assalto a cidade, numa operação que requereu uns sustentados cirúrgicos ataques com artilharia pesada e aviação, seguidos de combates por homem-a-homem entre ruínas de Grozny. A população civil local foi a que mais sofreu as consequências do conflito durante o qual, como era de se esperar, vários governos, outras instituições e indivíduos ocidentais tentaram tirar proveito da situação ao proferir várias acusações e criticar duramente as autoridades russas como se a Chechénia fosse um país.

Qualquer acontecimento histórico acarreta lições, pelo que deve haver cuidado com a situação de Cabinda. Um presidente da República expor-se a rebeldes de uma província seria uma desviância traiçoeira. Certamente deve haver diálogo, e um diálogo construtivo não precisa necessariamente a presença do presidente da República. Uma delegação estatal acompanhada de representantes da sociedade civil poderia ser constituída pelos seguintes elementos: um membro do bureau político de cada um dos partidos políticos nacionais, o governador local e seus vices, um membro do governo central, os ministros da Justiça, Administração do Território, e da Assistência & Reinserção Social, o Segundo Comandante Geral da Polícia Nacional, e um responsável do corpo ecuménico. O lugar de encontro deveria ser a própria sede do governo local ou, em caso de desconforto psicológico por parte dos rebeldes, poderia se escolher um outro local, desde que seja exclusivamente na África Austral –, na capital de uma sociedade exemplar em relação à democracia e organização sociopolítica; talvez Windhoek na Namíbia, Pretória, ou Cidade do Cabo na África do Sul.

Se a ‘flec-fac’ insiste em ilusões e paranóias, tais como ‘secessão’ ou ‘estatuto especial para Cabinda’ e coloca tais ideias a frente forçosamente, então as forças nacionais de segurança têm o privilégio de ensaiar métodos e meios de operações antiterroristas em acção e fogo reais, o que parece ser bom… Não! Interacção negativa entre filhos da mesma pátria não é o que queremos. Haja fraternidade! A ‘flec-fac’ pode abdicar da violência e evitar reacção armada por parte das forças de segurança nacional. Sinto-me orgulhoso do povo angolano pelo seu espírito patriótico e de manutenção da integridade territorial; e ao MPLA vai o meu apreço. Vê-se no seio do outro partido político, a UNITA, um homem natural de Cabinda chamado Raúl Danda; trata-se do vice-presidente da referida organização política. Esse tradicional gesto de asseguramento de equilíbrio na proporção tribal é um exemplo carismático dos homens civilizados; o povo vê e gosta –, é isso aí… vamos bem! Quanto ao sistema sociopolítico no país, nos dias de hoje, penso que tem vários aspectos positivos e outros irrelevantes; atenção, repito… as práticas sociais governamentais carecem de mais relevância, e eu sinto medo em pensar nas possíveis consequências de irregularidades. Isso é o que penso – com o melhor de sinceridade, sem querer impressionar ninguém, sem querer decepcionar ninguém. Um responsável pelo trabalho sociopolítico deve, com o seu exemplo no trabalho, granjear autoridade; deve conhecer a população de sua jurisdição administrativa, os seus pensamentos e anseios, as condições de sua vida em casa, para se evitar a influência alheia de elementos oposicionistas locais e estrangeiros, para se evitar indignação e o estado de espírito que esfria o patriotismo. Estar mais perto do povo, junto com o povo, à frente do povo –, eis o primeiro preceito do servo social em geral e do responsável pelo trabalho político em especial; comodismo, incompetência ou falta de vontade política podem acarretar consequências graves.

 

É preciso compreendermos que há pelo mundo afora os que tendem a tirar proveito das dificuldades de outrem, ou seja, procedem exploração sensacionalista dos problemas dos outros para parecerem ser mais hábeis em relações pessoais ou internacionais; vários aspectos de propaganda são mentiras, susceptíveis de serem mais perigosas do que um exército organizado, pois não há artilharia que possa impedi-las de se difundirem e minarem os interesses angolanos de existência e segurança.

 

Para se poder contrapor tais ameaças, é necessário que haja solução sustentável a questões como protecção dos direitos humanos, os padrões educacionais e culturais, assimetrias regionais, etc. É preciso reforçar o Estado Democrático e de Direito em Angola; insistir nos valores morais e encorajar a eficácia das instituições.

De Cabinda ao Cunene –, um só povo, uma só nação; viva Angola!