Luanda - Os familiares dos activistas Alves Kamulingue e Isaías Cassule, assassinados em Maio de Maio de 2012, por agentes de Segurança do Estado, acusam a Procuradoria-Geral da República, de não cumprir com as promessas feitas de apoio aos filhos dos malogrados.

Fonte: Rádio Despertar

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Em declarações a Despertar, os parentes dos dois activistas mortos nos dias 27 e 28 de Maio de 2012, quando tentavam participar numa “manifestação pacífica” que teria lugar defronte ao Palácio Presidencial da Cidade Alta, alegam que, quando se despoletou o caso, dando depois o inicio ao julgamento dos implicados no assassinato de Cassule e Kamulingue, a Procuradoria-Geral da República teria prometido o apoio necessário às familiares, com maior incidência aos filhos deixados pelas duas vítimas da secreta angolana.


“Eles tinham dado a garantia de que vamos ajudar as duas familiares, a primeira coisa seria o registo civil das crianças e posteriormente a inserção na Caixa de Segurança Social, para além do apoio escolar para a formação dos pequenos”, disse Horácio Hessuvi, tio de Alves Kamulingue.

Visivelmente insatisfeito, Horácio Hessuvi lamenta o facto e sustentou que “a única coisa que as autoridades responderam é uma casa de três quartos, uma sala e cozinha que se encontra no zango-3 em Viana, atribuída em Março de 2015, mas também é só nome de casa; não tem documento e, em época de chuva, não dá jeito para viver lá, pois fica inundada de água que às vezes ultrapassa aqui”, sublinhou apontando para a zona do joelho.


O tio de Alves Kamulingue natural da província do Huambo, avançou que de lá para cá toda responsabilidade para garantir a sobrevivência dos quatro filhos deixados pelo malogrado tem sido da família, mas acrescenta que “não tem sido fácil sustentar as crianças dada a condição social da família de Alves Kamulingue, que de acordo com o entrevistado “é de baixa renda”.


Com a morte do pai, relatou Horácio Hessuvi, os filhos e a viúva de Alves Kamulingue, entraram numa situação vulnerável e entregues ao sofrimento pois, prossegue a fonte, o pouco que ganha não tem sido suficiente para acudir ao clamor dos filhos que precisam de tudo um pouco. “Nunca recebemos nenhum apoio. Tem sido a família a cuidar da saúde, alimentação dos filhos que por falta de possibilidades estão fora do sistema normal de ensino”, disse Horácio Hessuvi, tio do então activista morto pelos agentes do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE).
Os familiares aguardam há mais de um ano pela indemnização do Estado. De acordo com a sentença proferida pelo Tribunal Provincial de Luanda, os réus condenados as penas que variam entre 14 à 18 anos de prisão efectiva, são obrigados a pagar uma multa de 1 milhão e 500 mil kwanzas à cada uma das famílias das vítimas. Este valor foi acrescido pelo Tribunal Supremo que agravou as penas dos agentes sentenciados, fixando deste modo em quatro milhões de kwanzas para cada família, para além da indemnização do próprio Estado.


A mãe de Alves Kamulingue disse que “apesar de que não há bem algum que pague a vida do meu filho, o governo deve ser responsável e cumprir com as promessas feitas de apoiar os filhos”. Noémia da Silva sublinha que a dor pela morte do filho “é cada vez mais insuportável” com o facto de até ao momento a família não saber o local em que foram colocados os restos mortais de Alves Kamulingue.


“Se me dessem ainda os ossos para serem enterrados no cemitério do catorze podia talvez, esquecer um pouco, mas como não sei onde meteram o corpo do meu filho, é uma dor para sempre”, sustentou a mãe de Kamulingue, que até altura do seu assassinato tinha 30 anos de idade. “Quero um dia ir à cadeia e ver se na verdade os assassinos do meu filho estão mesmo presos ou não”, disse Noémia da Silva com os olhos carregados de lágrimas, para quem “os filhos estão ali, perguntam sempre mamã onde está o pai e digo as crianças o papá vem já, e é preciso ter coragem para não chorar diante dos filhos”. Para a mãe do malogrado Alves Kamulingue, “a mesma pressa que as autoridades tiveram em matar o filho, deve ser a mesma em atender às promessas feitas para o cuidado e sustento das crianças que passam por muitas dificuldades de sobrevivência”, disse.


Adão Cassule é irmão mais velho de Isaías Cassule, activista morto nas mesmas circunstâncias por agentes do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE). A semelhança de Kamulingue, Isaías Cassule segundo o acórdão do tribunal, foi igualmente raptado na via pública durante uma perseguição por agentes da secreta angolana na zona da Mutamba à baixa de Luanda, no dia 27 de Maio.


O irmão de Isaías Cassule disse que a morte do seu irmão deixou a família numa situação de vulnerabilidade, em que o sofrimento agudiza-se cada vez mais, porquanto, Cassule foi o suporte de todos os irmãos. Em entrevista a Rádio Despertar, Adão Cassule frisou que o malogrado foi professor e enfermeiro, “e sempre usou da sua honestidade e sacrifício para fazer face as dificuldades da família, agora desde que desapareceu há quatro anos, os cinco filhos e o resto dos familiares, encontram inúmeras dificuldades para manter a sobrevivência”. Ele espera que o Estado, apontando para a Procuradoria-geral da República, cumpra com a decisão do tribunal na indemnização às famílias pelos danos causados por agentes do Estado. “Foi dada uma casa sem documentos no Zango-3, mas na altura, a PGR dizia que, a casa não fazia parte da indemnização, mas sim, para acolher as crianças e não ficarem sem abrigo”, revelou acrescentando que “fora disso nunca recebemos qualquer apoio do Estado.


Adão Cassule lembra que, o activista Alves Kamulingue, companheiro do seu irmão, foi assassinato algures na zona do Ramiro, em Luanda, com dois tiros na cabeça. Adão, relata que, um dos réus condenado no processo cujo nome não precisou por esquecimento, admitiu em tribunal durante o julgamento ter morto o Kamulingue com dois disparos de arma de fogo por orientações do seu superior hierárquico, um relato que segundo disse “faz-lhe lembrar como que de um filme se tratasse”. “O agente disse que primeiro deu-lhe um tiro na cabeça e chefe dele disse dê mais um e o agente repetiu com mais um tiro na cabeça de Kamulingue”, contou Adão Cassule visivelmente agastado com a situação.

“Vou levar os filhos e deixá-los à porta do tribunal”


A mão de Isaías Cassule, activista cívico continua a ser uma senhora inconsolável, quatro anos depois desde que o seu filho desapareceu “misteriosamente” no seio familiar em Maio de 2012, cuja investigação e a sentença do julgamento viria a concluir que, Cassule foi raptado na via pública e assassinado no dia 28 de Maio e o “corpo lançado aos jacarés”, no rio Dande na província do Bengo.


Com voz trémula durante a entrevista com a nossa equipa de reportagem, Madalena Diogo Massoxi, que não conteve as lágrimas, disse que com o desaparecimento físico de Isaías Cassule há quatro anos, tido como o pilar da família, a condição social do agregado familiar já não é a mesma.

 

“Temos passado fome constantemente, como vê o meu estado físico ando doente e já não tenho forças para trabalhar, é quase uma vida de mendicidade”, lamentou à anciã, em declarações a Despertar em língua nacional Kimbundu, que considera no entanto “falta de responsabilidade das autoridades em não honrar com as promessas feitas”.

 


Para a mãe de Isaías Cassule, por falta de apoio das autoridades “a única solução será levar todas as crianças deixadas pelo meu filho, até à porta do Tribunal Provincial de Luanda Dona Ana Joaquina e deixá-los lá, para eles saberem o que fazer com os filhos; é lamentável o sofrimento da família e o que fizeram com o meu filho que não cometeu crime nenhum para ser assassinado”, disse Madalena Diogo Massoxi, recordando que “o meu filho era tudo para a família; era professor e enfermeiro. Na questão de doenças foi a nossa solução, para não falar do nosso sustento”.

 


Refira-se que sete dos oito acusados pelas mortes dos activistas Isaías Cassule e Alves Kamulingue foram condenados em Março de 2015, pelo Tribunal Provincial de Luanda, a penas que variam entre 14 e 18 anos. Os advogados dos militantes assassinados em 2012 haviam pedido uma pena de 24 anos de prisão aos réus.