Maputo - Vivemos num mundo paradoxal, de constantes mutações produzidas pela globalização, pela sociedade de consumo e pela sociedade de informação onde a imaginação humana tem inventado novos artefactos com a intenção de facilitar a vida em sociedade. Tal invenção tem se reflectido na aceleração das mudanças sociais sem precedentes na história da humanidade, relacionadas com a frequente introdução de inovações em forma de produtos e serviços que alteram os modos de vida dos indivíduos, o funcionamento das instituições sociais, empresas e o desenvolvimento relativo dos países.

Fonte: Mange

Uma dessas invenções tecnológicas que encurta as distâncias geográficas e aproxima espaços é o celular e neste artigo queremos destacar que o celular ao penetrar na vida em sociedade gera transformações na vida dos casais influenciando seus padrões de comportamento, convivência, interacção e organização da relação, sendo que o nosso argumento central é que o uso do celular possibilita que ocorram percepções e práticas sociais de “invasão de privacidade” e controlo social, entre estes, com manifestações de insegurança, incerteza, desconfiança, culminando em aborrecimentos.

 

Para as pretensões do artigo, na impossibilidade de dar conta de tudo que o celular possibilita ou pode possibilitar nos casais, e na necessidade de eleger um problema para depois o aprofundar e atribuir relevância teórica, a construção do problema deste estudo desenvolveu-se da reflexão levantada por Macamo (2008) no que concerne a questão de privacidade.


Privacidade esta que deve ser entendida no artigo como todo o esforço sistemático perpetuado entre os casais tendentes a não mexer e fiscalizar o celular alheio sem autorização prévia, bem como, evitar tendência de entre casais se questionarem onde é que cada um está e o que está fazendo e com quem está ou estava a falar ao celular e, para quem enviou ou quem lhe enviou uma mensagem.

 

Neste sentido, a ideia de controlo social pode ser percebida como toda acção perpetuada entre os casais tendentes a fiscalizar a vida do parceiro com recurso ou através do acto de mexer o celular de um deles sem que para tal haja, por parte de ambos, uma autorização explícita.

 

A questão de invasão de privacidade, isto é, mexer o celular do parceiro sem autorização é algo que ocorre no quotidiano dos casais. Sendo que este acto pode acontecer quando o proprietário do celular se encontra distante do mesmo, onde o outro parceiro aproveita para mexer como elucidam os depoimentos seguintes:

 

“As vezes vou a casa de banho, quando voltas, vais encontrar sua esposa a mexer teu celular”. (Feliciano); “ Eu ia comprar pão e deixava celular em casa em cima da mesa, ele ficava a mexer”. (Antónia); “ Sim costumo mexer, quando alguém manda uma mensagem inadequada”. (Pedro)

 

Estes aspectos demonstram que os casais mexem o celular dos parceiros para ver mensagens e chamadas, justificando que o fazem por ciúmes, manifestando uma prática de invasão de privacidade e de controlo social por parte destes. No entanto, este controlo é mais explícito nos homens uma vez que, quando as parceiras efectuam ou recebem uma mensagem ou chamada quando estão com os parceiros, apontaram elas que existe uma tendência dos parceiros questionarem com quem estavam a estabelecer a comunicação.

 

“ Eu como namorado, vou ter que agir, no sentido de querer saber quem esta a ligar e tenho feito, Se está a ligar, estas a ligar para quem (...)”. (Flávio)“ (...), havia guerra, porque eu perguntava o que tava ela a fazer até me deixar ali em último plano, segundo plano. Fico chateado e cobro razões (risos) ”. (Pedro).

 

Este facto vem demonstrar que há por parte dos homens atitudes de demonstração de masculinidade e de controlo ao desaprovar certas atitudes que as mulheres têm no uso do celular. Esta atitude masculina faz com que surjam manifestações de desconfiança e a possibilidade de provocar aborrecimentos entre os casais podendo suscitar, até certo modo, a violência principalmente pela parte masculina, como nos justificam as passagens abaixo.

 

“ Da maneira que eu já vivo(…) a reacção é de me puxar e dizer senta-la, quem essa pessoa que te faz levantar e falar fora?”. (Crizalda) “ Ele fica aborrecido”. (Telma)

 

Em consequência do uso do celular novas regras de convivência social entre os casais emergiram e por eles foram criadas, como forma de organização do mundo vida. Com o celular a vida entre os casais se torna imprevisível, na medida em que surgem nas relações manifestações mútuas de incerteza, insegurança e desconfiança. Factos que ocorrem quando não é possível entre eles estabelecer contactos imediatos e com retornos imediatos. Bem como quando juntos estes se afastam um do outro para estabelecer comunicação com outrem. Associado a isto, surgem alterações no clima de convivência, manifestadas por aborrecimentos violentos ou tendentes a violência.

 

Em suma, neste mundo de pretensa manifestação da masculinidade, o celular também pode ser um artefacto que possibilita que os homens procurem demonstrar a sua superioridade em relação as suas parceiras.