Luanda  - Recentemente, exactamente no passado dia 19 de Junho, os usuários desta rede social ficaram a saber, pela própria, que enquanto esteve nos Estados Unidos, em representação da Agência Nacional de Investimento Privado (ANIP), a Dr.ª Maria Luísa Abrantes, vulgo Milucha, criou uma ONG denominada “Friends of Children of Angola”, a qual teria como propósito apoiar crianças angolanas residentes naquele país. 

Fonte: facebook

Os internautas ficaram igualmente a saber que a referida ONG é presidida pela sua fundadora e uma das vice-presidências é preenchida por “Tschizé” dos Santos, sua filha.

 

O exemplo dessa ONG é aqui chamado para que fique claro que os angolanos não tomam como caso de nepotismo sempre que mãe e filha surgem na liderança de uma organização.


A ONG criada pela Sr.ª Milucha é uma organização privada e dela não irradia mal nenhum se os seus membros e dirigentes pertencerem a um mesmo e único núcleo familiar. Dir-se-ia que aquilo é uma espécie de negócio em família. Se o volume de trabalho o justificasse (que é coia que lá não deve abundar muito), a Sr.ª Milucha até poderia, sem drama nenhum, criar quantas vice-presidências quisesse para acomodar todos os filhos, sobrinhos, primos e por aí adiante. Não seria por aí que o gato iria às filhoses.

Assunto de família também foi o facto de “Tschizé” (estamos a respeitar a grafia da mãe) haver atribuído, a semana passada, a seus dois irmãos gémeos – Guilherme e António Abrantes Coulibaly - o prémio “Destaque Académico”.

 

Anualmente, Tschizé e seu irmão Coreon Dú organizam um acto a que chamam Angola 35 Graus para distinguirem figuras de diferentes espectros da sociedade escolhidas de acordo com seus próprios critérios.

 

Tratando-se, também aqui, de uma iniciativa privada, não há que ver nepotismo no facto de Tschizé haver premiado seus irmãos gémeos. Aliás, não foi a primeira vez que o Angola 35 Graus se virou para o interior da família da promotora. Em 2009 o Prémio Carreira foi atribuído ao patrono da família.


Nepotismo nu e cru mesmo é aquele de que vamos tomando ciência na Guiné Equatorial.

 

Depois de ter promovido o seu filho Teodorin ao cargo de Vice-Presidente da República responsável pela Defesa e Segurança, o chefe de Estado equato-guineense, Teodoro Obiang Nguema, nomeou outro filho, Gabriel Mbega Obiang Lima, para o posto de ministro das Minas e Hidrocarbonetos.

 

E para prevenir qualquer dissabor que poderia ser provocado por tão descarado nepotismo, o ditador guineense confiou a sua segurança pessoal a uma pessoa muito próxima, um seu irmão. António Mba trocou a Pasta da Defesa com a de Ministro de Estado para a Segurança Presidencial.

 

A esta altura do texto, alguns leitores perguntar-se-ão sobre o propósito da alusão ao que ocorre na distante Guiné Equatorial.

 

A resposta é simples: o caso da Guiné Equatorial é aqui chamado porque depois que o Presidente da República nomeou a sua filha Isabel dos Santos para a presidência do Conselho de Administração da Sonangol em alguns segmentos locais, felizmente ainda muito poucos, o nepotismo já começa a ser encarado com alguma simpatia. Ou, pelo menos, não lhes provoca incómodo algum.

 

Em defesa da decisão presidencial, há juristas que se esmeram não no fortalecimento do império da lei, mas em provocar nele brechas por onde possam escorrer ou escapar à punição práticas abomináveis como é o nepotismo.

Com o suporte de não se sabe que tipo de lupa, esses “artistas” conseguem enxergar na decisão do Presidente da República defesa do interesse nacional ali onde qualquer olho lúcido não vê mais do que a plena fusão de interesses particulares com os públicos, numa equação em que estes se subordinam àqueles.

Juristas que procuram desesperada e atabalhoadamente colocar o Presidente da República acima da lei não apenas se desprestigiam a si próprios como embaraçam a entidade que defendem.


Aqui não há voltas a dar: o que se está a passar na Guiné Equatorial é uma vergonha, da qual se devem afastar, sem tibiezas, todas as pessoas decentes.

 

Já chega a ser constrangedor para Angola que alguns dos seus dignitários se vejam forçados a partilhar areópagos internacionais (CPLP, União Africana, nomeadamente) com uma criatura (ou seus representantes) que transformou a Guiné Equatorial numa extensão do seu quintal dos fundos.

Rejeitar com determinação os maus exemplos de Teodoro Obiang é um imperativo nacional.

Neste sentido não deixa de ser preocupante o silêncio de instituições como o Tribunal Supremo, a quem um grupo de juristas requereu a anulação da decisão presidencial, para o que invocam o nepotismo de que o acto estaria ferido, e a aparente indiferença da maior força política angolana num assunto que está a fracturar o país.

Num momento como este, faz todo o sentido a máxima segundo a qual quem cala consente?

Em tempo: Por enquanto, a discussão que está sobre a mesa dos angolanos é se o Presidente da República praticou ou não nepotismo ao nomear a filha para o Conselho de Administração da Sonangol. Por enquanto é apenas isso.

Mas lá fora, em Portugal concretamente, há qualquer coisa como 8 mil quilómetros de distância, já há gente a debitar outro tipo de palpites sobre o futuro do nosso país.

Um conhecido comentarista luso, Miguel Sousa Tavares, permitiu-se já antecipar futuros cenários e neles vê na filha de José Eduardo dos Santos a pessoa “mais competente” para o suceder.


Embora se afirme contrário a modelos de sucessão dinástica, que é o que pareceria se a novel presidente da Sonangol fosse entronada no lugar do pai, o comentarista luso diz que se comparada com outros “candidatos que se têm perfilado para o cargo” Isabel dos Santos leva vantagem.

 

“É culta, tem experiência empresarial, contactos e influência pelo mundo fora que os outros não têm e isso já é muito importante”, afirma.

 

A sucessão do Presidente da República deveria, em primeiro lugar, interessar apenas e só aos angolanos. Em bares e tascas, os portugueses entregam-se a acalorados debates a respeito porque em Angola o assunto é ainda tratado como um tabu.

Apesar das suas indeclináveis responsabilidades na matéria, os dirigentes do MPLA, sobretudo, fogem do assunto como o diabo da cruz. Até parece que lhes queima as mãos ou lhes compromete os tostões acumulados a troco do silêncio e da cega submissão.


Se as autoridades angolanas tomassem a sucessão de José Eduardo dos Santos como um processo natural, discutindo-o abertamente, colocando sobre a mesa os vários cenários e prováveis candidatos, como acontece em todas as paragens livres, não haveria lugar a tanta especulação e comentaristas como Miguel Sousa Tavares não teriam “matéria prima” para palpites tendenciosos.


(Já alguém os anda a encomendar?)