Lubango - Já sob o comando de outro guia, rumamos à rua Dr. Agostinho Neto. O relógio estava para lá das 22h00. Ao passarmos defronte à Delegação Provincial das Finanças, duas jovens saltaram-nos à vista, vestidas de forma sensual, em conversa com três rapazes. Mal o carro parou, uma delas veio ao nosso encontro. Apresentou-se como Carolina, de 22 anos e estava disposta a manter relações sexuais com quem aceitasse pagar 2.500 Kwanzas.

Fonte: O País
“Não se preocupem, apesar de aparentar ser menor de idade já estou com 22 anos e exerço essa actividade há vários anos. Se vocês quiserem podem nos levar à vossa casa, a uma pensão ou, então, podemos ir aos arredores da Nossa Senhora do Monte”, tentou acalmar os falsos clientes. Questionada se não correríamos o risco de sermos flagrados pela Polícia, assegurou que indicaria um espaço bastante discreto em que pudéssemos praticar tal acto sem sermos importunados pelos agentes da ordem. Explicou que os três indivíduos com quem conversavam são os que as protegem dos marginais e as ajudam a escapar das malhas dos polícias à troco de parte do montante que ganham por cada saída, no caso 1000 Kwanzas.

Contou que anda com preservativos na pasta e que não aceita ir à cama com clientes sem este “acessório”. Nos casos em que aparecem pessoas dispostas a pagar até 50 mil Kwanzas para o fazer, recusam, por desconfiarem que a real intenção seja transmitir-lhes o VIH. A nossa conversa foi interrompida por uma das suas colegas já embriagada. “Como a minha colega disse, o sexo vaginal e oral custa 2500 Kwanzas.

Querem ou não?” Questionou num tom autoritário, mas, ao obter o silêncio como resposta, retirou-se. Assim que a jovem embriagada se afastou, um dos ‘chulos’ passou por nós como se fosse um transeunte, alertando-a de que devia afastar-se, apontando-nos como falsos clientes que não estavam interessados nos serviços. Ela ripostou em nossa defesa, por acreditar que estávamos interessados nos seus préstimos, mas, logo a seguir, para não comprometer a “segurança” por eles prestada, achou por bem retirar-se, temendo represálias.

Sentadas no murro lateral esquerdo da Reitoria da Universidade Mandume Ya Ndemufayo estavam duas jovens à espera de clientes. Uma delas apresentou-se apenas como Cláudia, 24 anos, tendo confessado que era mãe de um filho de oito, alegando que entrara nessa vida para sustentá- lo. Próximo a elas estava um dos seguranças que protegem a supracitada instituição, encostados ao gerador industrial, porém acompanhando minuciosamente todos os movimentos. Indagada se vive com o pai do seu filho, respondeu negativamente, fazendo sinal de que estavam separados há já algum tempo.

Contrariamente às suas colegas angolanas, ela dirigiu-se aos falsos clientes com uma voz sensual, pronunciando palavras obscenas de forma pausada e aliciante. O preço e o local para a prática do acto era o mesmo, isto é, nos arredores da Paróquia da Nossa Senhora do Monte, a 2500 Kwanzas. Sublinhou que se o cliente quiser ma “menage” a três terá que pagar o dobro. A parte traseira do Grande Hotel da Huila é o outro ponto de eleição das cidadãs angolanas que se dedicam a essa actividade.

Polícias sentem-se “impotentes” face às prostitutas

Os efectivos da Polícia Nacional na província da Huila encontram- se agastados com a forma como as autoridades governamentais estão a lidar com esse fenómeno que, segundo eles, tende a crescer, cada ano que passa. “A prostituição aqui está em todos os níveis, desde o baixo ao mais alto, não adianta só falarmos sobre esse assunto. Notamos que não há vontade por parte do executivo local de contribuir para minimizar esse fenómeno, já que acabar é quase impossível por se tratar da profissão mais antiga do mundo, como se diz”, desabafou uma fonte contactada por O PAÍS.

Contou, com ar de inquietação, que o que mais entristecia os agentes da ordem era o facto de elas serem imediatamente soltas, após serem recolhidas nas micro operações, realizadas com o propósito de encerrar o referido prostíbulo ou deter aquelas que actuavam na via pública. Em seu entender, a rapidez e eficiência como tudo se processa só demonstra que há pessoas bastante influentes, ao nível da província da Huila, envolvidas nesse negócio de venda de corpos por congregar também o de venda de estupefacientes.

Lamentou dizendo que isso tinha possibilitado para que dezenas de adolescentes de 14 anos estivessem a ingressar no grosso de prostitutas que realizam essas actividades na via pública, correndo sérios riscos de serem violentadas por pessoas de má-fé, embora recebam a protecção dos Chulos.

“Há donas de casa na prostituição”

Os índices de pessoas com idades compreendidas entre os 14 e 25 anos que aderem à actividade na Huila tende a aumentar, segundo a socióloga Raída Nelson

A socióloga Raída Neusa Gomes Nelson, autora de um estudo que aborda a prostituição na Huila, declarou que esta actividade está escalonada em quatro níveis, designadamente de “alto nível”, “familiar”, de “alto risco” e de “trabalho sexual”. A prostituição de alto nível (também designada de especializada ou direccionada) é praticada por “mulheres da elite” que disponibilizam os seus números de telefone a indivíduos previamente seleccionados, com elevado poder financeiro, manifestando a plena disponibilidade de atender o seu apetite sexual.

“Elas já têm um status social, às vezes até tem filhos, uma vida social bem organizada, um emprego bem posicionado mas consideram que o seu salário não é suficiente para satisfazer as suas necessidades porque aspiram a mais”, especificou. Acrescentou que “muitas delas já têm relacionamento, que nós conhecemos, fazem parte do nosso ciclo de convívio e tentam exercer essa actividade da forma o mais discreta possível, mas nós sabemos disso, só que não falamos do assunto”.

Quanto ao designado de “trabalho sexual”, esclareceu que, embora não seja reconhecido em Angola, é praticado à socapa por jovens angolanas e estrangeiras (provenientes do Brasil e da Namíbia) que atendem os clientes em residências próprias. Elas, contrariamente às de “elite”, assumem publicamente o seu protagonismo no ofício, sem se importarem com o estigma social. Já na categoria de prostituição de “alto risco”, estão inclusas as adolescentes e jovens que actuam à noite na via pública, não se importando de exigir um preço justo pelo serviço.

Elas submetemse ao risco de serem maltratadas e oferecem um trabalho momentâneo. “São aquelas que servem nos carros, em becos e ruelas correndo riscos de saúde”. As “prostitutas de família”, segundo ela, são donas de casas, casadas ou vivendo maritalmente, que por questões económicas e a chamada perda de valores aderiram a essa actividade para obterem bens materiais.

Classificou de mais preocupante a situação dessas mulheres, porque algumas delas o fazem com o conhecimento dos seus cônjuges para acrescer os bens materiais da família. Por esse motivo, o grupo de pesquisa liderado por Raída Nelson concluiu que a prostituição é transversal e atinge todas as classes sociais, visto que os seus protagonistas deixaram de ser simplesmente pessoas pobres. “Há também pessoas que para manterem os status, o nível de vida ou a aparência, praticam a prostituição de luxo”, detalhou.

Disse que as sociedades materialistas mobilizam as pessoas para comprarem tudo e, por vezes, nos esquecemos que a dignidade humana está acima dos bens materiais. “A valorização da dignidade é importante para a construção de uma sociedade saudável. Quando perdemos os princípios e temos como fundamentais as questões económicas, acabamos por transmitir maus princípios às gerações vindouras”, disse. Acrescentou que “deste modo põe-se em risco o futuro e o desenvolvimento do país”. Alertou que aquelas jovens que escondem dos seus parentes que estão envolvidas “nesse negócio”, não conseguem fazê-lo na perfeição e que tarde ou cedo serão descobertas.

Desemprego “arrasta” jovens à prostituição

Raída Nelson esclareceu que a prostituição na Huila tem também aspectos culturais, pelo facto de tradicionalmente as jovens começarem a actividade sexual activa muito cedo, por ser comum casarem-se ainda em tenra idade. No seu entender, a escassez de emprego em alguns municípios como a Humpata, Chibia, Quipungo, Caconda e Caluquembe é um dos motivos que faz com que o índice de pessoas, com idades compreendidas entre os 14 e 25 anos, que aderiram a essa actividade tenda a aumentar. “Há que se questionar, que tipo de actividades os munícipes, maioritariamente em idade activa, realizam?

Onde retiram recursos para as suas famílias?”. A situação agudizou-se ainda mais com a seca que afectou a agricultura e reduziu ainda mais os postos de trabalho. Realçou que essa situação tem levado dezenas de homens a encararem a prostituição como o meio de conseguirem assegurar o sustento de suas famílias, embora com menor índice em relação as mulheres.

Elas, normalmente, é que acabam por ficar mais expostas. “A prostituição aparece como uma alternativa. Não a mais viável, mas aquela que parece ser a mais fácil”. Considerou que a perda de valores morais, culturais e éticos estão associadas a essa mudança de comportamento sexual dos jovens e a prostituição que era vista, até há pouco tempo, como algo pecaminoso, passou a ser vista como um meio de troca de favores.