Lisboa  - Agostinho Neto, o Perfil de um Ditador. A História do MPLA em Carne Viva é o nome do último livro do historiador angolano Carlos Pacheco, que na minha memória ocupa o título de pai das minhas amigas de infância Sandra e Raquel Pacheco, ainda que o título, pela sua extensão, mais pareça o relatório e contas da colectividade dos ressabiados do colonialismo.

Fonte: Jornal de Angola

O livro é uma espécie de reservatório de todo o ódio acumulado pelos saudosos do Portugal colonial do Minho a Timor, inconformados com a vitória do MPLA, dos seus líderes e dos angolanos, em 11 de Novembro de 1975 e em todas as batalhas que garantiram a Soberania Nacional e conquistaram a paz mais recentemente.


O papá da Sandra e da Raquel tortura os factos históricos, espezinha a verdade, mata a probidade e estrangula a independência intelectual e principalmente a nossa angolanidade. Falo de valores que deviam orientar o trabalho de todos os historiadores em especial os que são e/ou se dizem angolanos. Este livro é mercadoria de primeira para os supermercados, serve de lenitivo aos órfãos do paraíso colonial e conforta os saudosos do império português. Espero que o papá da Sandra e da Raquel ganhe alguma coisa com semelhante insanidade. Ele merece. Faz centenas de citações que lhe devem ter dado imenso trabalho, embora revelem uma desonestidade intelectual confrangedora como mais tarde demonstrarei.


O papá da Sandra e da Raquel esconde aspectos essenciais da ideologia de quem cita e faz pior: retira do contexto frases dos citados, para desta forma ardilosa e cobarde confirmar a sua tese que tresanda ao lado mais sórdido e repugnante dos séculos de dominação colonial. Esse cota mete pena.


Escreve ele: À luz de centenas de comportamentos que estudei, persuado-me hoje não terem sido poucos os revolucionários do bando de Neto, bem como de outras formações insurrectas, que abraçaram a luta separatista movidos antes de tudo por necessidades materiais e não por ideais”. A senilidade deixou o cota em delírio. Os guerrilheiros e militantes do MPLA sofreram ao longo dos anos da luta armada, provações e privações, arriscaram a vida e a liberdade, muitos morreram no terreno da luta ou nas masmorras dos colonialistas. E o pai da Sandra e da Raquel diz que aderiram à revolução “por necessidades materiais”. Um dos seus amigos e colegas de tertúlia da Maianga, Eurico “China”, deixou a Universidade de Coimbra e juntou-se à guerrilha por necessidades materiais. Quem não se respeita, não pode respeitar os outros.


Agostinho Neto foi um dos mais empenhados construtores da angolanidade no seio do Movimento Vamos Descobrir Angola. Foi ele que pôs na agenda os valores e os princípios dos intelectuais que 50 anos antes protagonizaram A Voz de Angola Clamando no Deserto. O papá da Sandra e da Raquel diz que Neto é um ditador! Foi eleito líder do MPLA pelos seus pares do Comité Director, quando uma facção defendia que o movimento devia fundir-se na UPA e os brancos e mestiços não podiam participar na luta armada. Neto triunfou! O líder de uma organização revolucionária que luta pela libertação do seu povo, não pode ser ditador. O libertador pode ser tudo, menos ditador!


Agostinho Neto foi o primeiro Presidente de Angola. Assumiu as funções em 11 de Novembro de 1975. Um ano e meio depois, em 27 de Maio de 1977, os amigos do pai da Sandra e da Raquel tentaram um golpe de Estado contra o líder. Perderam. Em pouco mais de um ano, ninguém consegue ser ditador. Pouco mais de dois anos depois, Neto faleceu. Um Chefe de Estado que está quatro anos no poder e tem de lutar contra exércitos invasores e matilhas de mercenários, não tem tempo para ser ditador, o pai da Sandra e da Raquel já confunde libertadores com ditadores. Mete mesmo pena o mais velho.


Mas eu também dei uma de historiador. Mesmo com algumas limitações (ai se o meu pai estivesse vivo) descobri umas coisas que importa fazer saber. Alguns cotas meus amigos contaram-me que o pai da Sandra e da Raquel foi nadador na juventude e foi mais ambíguo do que o canto do martrindinde. Refugiou-se na filosofia de pacotilha para não se definir ideologicamente. Mas a vaidade traiu-o e aceitou ir ao palácio do governador, na Cidade Alta, discursar em nome da juventude angolana chegada à Mocidade Portuguesa, defendendo o império colonial, do Minho a Timor. Como não soube envelhecer, agora lança fel, lixo e lama cobardemente para cima de Agostinho Neto, o patriota que conduziu o Povo Angolano à Independência Nacional e dirigiu o MPLA com a sabedoria dos que sabem o que querem, que caminho seguir e escolhas fazer. Traduziu isso em poemas que foram autênticas luzes-guias na escuridão da opressão colonial. Essa poesia libertadora e de que todos os angolanos e africanos se orgulham.


Sob a liderança de Neto, o MPLA acumulou retumbantes vitórias. Depois da sua morte em 1979, o partido dos camaradas continuou invencível. Depois das grandes batalhas pela Independência Nacional foi preciso enfrentar as forças do Apartheid. Foram os heróicos combates pela Soberania Nacional e a integridade territorial. O comandante desse novo período da nossa História tem um nome: José Eduardo dos Santos. Aqui é que bate o ponto. Aquele que derrotou o regime de apartheid e libertou Nelson Mandela, foi colega do pai da Sandra e da Raquel no Liceu Salvador Correia. Ele, nas férias da Páscoa de 1963, foi juntar-se às forças do MPLA que faziam a luta armada de libertação nacional. O papá da Sandra e da Raquel continuou em Luanda embrenhado nos estudos da Filosofia.


Nem sequer seguiu o exemplo dos seus colegas da tertúlia da Maianga. Eurico “China” e o meu tio por afinidade Nini Monteiro “Ngongo” abandonaram os bancos da Universidade na “metrópole” e foram juntar-se às forças revolucionárias do MPLA. O pai da Sandra e da Raquel só via a Filosofia como antes só via a piscina do Clube Nun’Álvares e as famosas travessias da Baía de Luanda que ele ganhava a tudo e a todos. Mas eram meros alibis. Porque enquanto os seus amigos questionavam os crimes do colonialismo, ele arrotava extractos do discurso de Platão. Foi defender na altura o regime colonialista como oficial dos Comandos.


Nem aqui conseguiu ter um lampejo de patriotismo. Depois do 25 de Abril, alguns dos seus colegas do Liceu Salvador Correia e do curso de oficiais na Escola de Aplicação Militar do Huambo e no quartel dos Comandos na Estrada de Catete (Hotel Belo Horizonte), juntaram-se aos revolucionários do MPLA. Dou um exemplo: os Corvos ao Embondeiro do cota meu amigo Nelson Gaspar. O pai da Sandra e da Raquel, do alto da sua intelectualidade, foi especializar-se em História.

Mas é um historiador em causa própria, trata os arquivos da PIDE-DGS como fontes inquestionáveis, ainda não li todo o livro mas pelo que já vasculhei, cita episódios pretensamente ocorridos na Frente Leste e protagonizados por combatentes do MPLA, sem chancelar esses relatos por fontes independentes e credíveis. O papóite da Sandra e da Raquel trata a História como o conto do vigário ou a canção do bandido. Parece que a velhice apodreceu-lhe a inteligência e entrevou-lhe a dignidade. Nem com bengala readquire uma postura humana. Aquela de que o MPLA tatuava os populares, tipo judeus do holocausto, é no mínimo hilariante. Quem pode acreditar em tamanhos delírios?

 

Depois da Independência Nacional o pai da Sandra e da Raquel, finalmente, descobriu que o MPLA existia e Agostinho Neto era o líder que conduziu a Revolução Angolana ao sagrado porto da Liberdade. E tornou-se militante do “bando do Neto”. A sua condição de intelectual fez dele um quadro apreciado. Chegou a trabalhar com o líder. Mas o cota da Sandra e da Raquel teve um problema. Só tinha na cabeça citações de filósofos e quadros históricos pré-concebidos. Perdeu, por vontade própria, o que de mais importante tinha o MPLA. Os seus dirigentes e militantes ajudaram os jovens dos anos 60 e 70 a limpar toda a porcaria colonialista que tinham na cabeça.
Sem o MPLA, muitos angolanos que hoje são excelentes dirigentes políticos, cientistas, artistas, jornalistas e homens de letras, clérigos ou militares, eram subprodutos humanos tragicamente escravizados pelos valores do colonialismo e as suas versões mais repugnantes: a escravatura e o apartheid.

 

Neto e o MPLA nunca foram derrotados porque tinham o apoio incondicional de um Povo que sofreu, durante séculos, o crime mais horrendo que alguma vez foi cometido contra a Humanidade: o colonialismo e a sua versão esclavagista. O pai da Sandra e da Raquel sabe. Milhões de angolanos foram vendidos para as plantações e engenhos de açúcar do Brasil. Para o Novo Mundo. Até para a Europa. Foi neste quadro social e ideológico que sucessivas gerações de angolanos viveram durante séculos. O pai da Sandra e da Raquel finge que não conhece estas violências. E então escreve que os revolucionários do MPLA são violentos e até cometem homicídios. A demência senil faz pena.


Mete no mesmo saco o MPLA, a FNLA e a UNITA. A todos atribui crimes contra os angolanos. Se este livro tivesse mais umas quantas páginas, acabava a chamar-nos terroristas, “turras” como faziam os seus amigos governadores e os seus camaradas dos Comandos que massacravam os aldeãos e os combatentes revolucionários. Este cota dá pena. Chegou a um estado de indigência intelectual que suscita compaixão. O Beiral está aí para isso mas associado ao Avô Kitoko.


E para nos chamar terroristas, serve-se de Camus. Mais uma vez, os ressabiados do colonialismo, os pied-noir de todas as potências coloniais, citam a célebre frase do escritor: “Neste momento estão a colocar bombas nos transportes urbanos de Argel. A minha mãe pode estar num desses transportes. Se a justiça é isso, prefiro a minha mãe”.


A mãe de Camus era argelina. E o escritor nunca apoiou a luta dos argelinos pela liberdade. Fez algo muito parecido com a prática do Sr. Pacheco na sua juventude. Entre a causa da libertação da Argélia e a defesa dos privilégios coloniais, ficou por cima, embrenhado no pensamento existencialista. Mas Camus fez algo mais explícito. O escritor Henri Alleg assistiu às torturas e aos massacres praticados pelos pára-quedistas de Massu em Argel. Rebelou-se e foi preso. No cárcere escreveu o livro “La Question” onde denunciou todos os abusos dos franceses. O livro foi apreendido em França.


Aqueles que o leram ficaram horrorizados. Sartre, Malreaux, François Mauriac e Roger Martin du Gard, todos prémios Nobel, exigiram ao Presidente da República Francesa que pusesse fim aos massacres e às torturas em Argel, libertasse Alleg e o seu livro circulasse livremente. Camus recusou assinar este documento.


Mas há mais. No momento em que estava a receber o Prémio Nobel, os pára-quedistas de Massu massacravam milhares de argelinos. Camus nem uma palavra de repúdio. Ele condenava a violência dos revolucionários e ficava em silêncio ante a violência dos colonialistas. Se o papá da Sandra e da Raquel quer citar o escritor, tem de ser honesto e revelar os seus princípios e os seus valores. Mas hipotecou a inteligência ao ódio e a única coisa que me passa pela cabeça é dizer: mete pena, coitado.


Enquanto Agostinho Neto colocou a sua pedra nos alicerces do mundo, Carlos Pacheco mastiga pedras de um mundo sem alicerces, um mundo sem amor, um mundo amargo com sabor a ódio.


Haja paciência e respeito, repito, RESPEITO!

Pronto, falei!!

* Adido  cultural da Embaixada de Angola em Portugal