Luanda - É oficial: O  Conselho Superior da Magistratura Judicial  instaurou um processo disciplinar contra o Juiz Januário Domingos por este haver retido, à margem da lei, o habeas corpus interposto pelos advogados de defesa dos 17 activistas que ele condenou no dia 28 de Março a penas de prisão efectiva por crimes que reputou como “actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores”.

 

Fonte: Facebook


No dia 01 de Abril os advogados dos 17 activistas deram entrada, na 14ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda, titulada pelo mesmo juiz, dos competentes recursos.


Embora os tenha aceite de imediato, o juiz Domingos Januário não lhes deu o necessário seguimento.


Depois de os admitir, o juiz deveria encaminhar os recursos ao Tribunal Supremo, para quem estavam dirigidos. Porém, Januário Domingos não só ignorou essa diligência como emitiu e mandou concretizar naquele mesmo dia – 28 de Março – os mandatos de condução à cadeia dos 17 activistas julgados.

 

Tendo dado entrada na 14ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda no dia 1 de Abril, o habeas corpus só “desembarcou” no Tribunal Supremo, seu destinatário, no dia 24 de Junho, depois de uma estranha passagem pelo Tribunal Constitucional.


No dia 28 , o Tribunal Supremo julgou e deu provimento ao habeas corpus e em consequência emitiu mandados de soltura, sob Termo de Identidade e Residência, em nome dos 17 activistas.

 

Esta semana, o mesmo Supremo decidiu-se pela abertura de um processo disciplinar contra o juiz Januário Domingos por haver retardado, ao que tudo indica deliberadamente, a entrega, àquele órgão do habeas corpus interposto pelos causídicos que chamaram a si a defesa dos 17 jovens.

 

No Acórdão em que responde ao habeas corpus, o Tribunal Supremo atribui também a Januário Domingos a decisão arbitrária de ordenar a detenção dos activistas.


Pressionado por familiares e advogados dos activistas, o Tribunal Supremo alegou, sempre, desconhecer o paradeiro do habeas corpus e sempre que lhe foram pedidas explicações o juiz Januário Domingos remeteu-se ao mais sepulcral dos silêncios.

 

E é aqui que o ponto não bate, sendo legítimo levantar algumas questões.

 

Alguém, no seu perfeito juízo, acredita que o juiz Januário Domingos driblou a lei, desobedeceu ao Tribunal Supremo por conta e risco próprios?

 

Alguém porá a mão no fogo em que o titular da 14ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda ignorou um Acórdão do Tribunal Constitucional pelo simples prazer de afrontar aquele tribunal?

 

Tanto quanto se sabe, nenhum dos 17 activistas alguma vez atentou contra a vida ou bens do juiz Januário Domingos ou de seus familiares. O empenho e a devoção com que se entregou à tarefa de forjar provas contra os chamados “revús” levanta a legítima suspeita de que o juiz não agiu por conta própria.

 

Januário Domingos é, muito provavelmente, o bode expiatório da vez de um processo que deixou a imagem e reputação do Governo em frangalhos.

 

Tendo fracassado, em toda a linha, a gritaria da “separação de poderes”, o o ridículo expediente a quem alguém decidiu lançar mão para cobrir de alguma decência um processo que nasceu completamente inquinado, o Governo sacou da manga o único trunfo que lhe sobrava: sacudir a água do seu capote e atirou às feras um profissional que, por ora, só lhe causa embaraços.

 

Mesmo que o processo disciplinar ora instaurado não dê em nada – e é melhor não subestimar essa hipótese - o juiz Januário Domingos já tem “um ganho” garantido: a sua reputação foi irrecuperavelmente atingida. Aos olhos dos seus próprios colegas de ofício e da opinião pública é um juiz com o qual não se pode contar para fazer justiça.

 

Com a proposta da amnistia que brevemente tramitará na Assembleia Nacional, a qual parece propositadamente concebida para os “revús”, o Governo pretende colar a si a imagem de uma entidade magnânima.


Sim, o Governo está a esforçar-se por sair por cima da grave e embaraçosa embrulhada em que se meteu por capricho e birra de uns tantos. E ao juiz Januário o que sobrará? "Apenas" isso: o desprezo e o escárnio dos colegas e outros operadores da Justiça e a raiva e ódio dos 17 activistas, cujas vidas atrapalhou e cujos sonhos possivelmente mutilou de forma irreversível.

 

Nenhuma recompensa material, se a ela houver lugar, será suficiente para reparar os danos que o juiz Januário causou à sua imagem. Como juiz, Januário Domingos é um caso irremediavelmente acabado.

 

É nisso que pode resultar o cumprimento, às cegas, de ordens superiores. É nisso que resulta o excesso de zelo no cumprimento de algumas ordens superiores.

 

Muito provavelmente o juiz recebeu ordens (e garantias de protecção) para ser mais papista do que o Papa. Sucede que o caldo entornou e agora ele assume, sozinho, as consequências. Pelo menos aparentemente.
Cuidado!

 

Perante a iminência de qualquer perigo, o regime não tem hesitado em se desfazer dos seus mais aguerridos defensores ou mesmo atirá-los às feras.


O constrangimento por que está a passar o juiz Januário Domingos deveria servir de aviso à navegação a todos os amantes do “trabalho voluntário”, nomeadamente alguns conhecidos analistas, que não hesitam em “exceder os limites de velocidade” quando arregimentados para adornar imagem do regime e do “dono”.