Luanda - O julgamento do jornalista e docente universitário Mayama Salazar teve início nesta quarta-feira 6 de Julho. Segundo revelações feitas pelo réu, durante a audiência dirigida pelo Juíz da 10ª secção dos Crimes Comuns, do Tribunal Municipal de Viana, Tito Kassoma, as imagens divulgadas pela TPA usadas como provas materiais do crime foram feitas por elementos ligados ao SPIC, Serviço Provincial de Investigação Criminal, que o apontaram uma arma na cabeça, obrigando-o a obedecer sob pena de ser morto naquele instante.

Fonte:AG-Mídia

Questões prévias

Na apresentação das questões prévias o advogado do académico, acusado pelo crime de “Tentativa de extorsão e chantagem”, processo número 164310\2016, pediu a nulidade do caso por inobervância de alguns princípios legais na “dopta pronúncia”.

 

Vicente Kângua, um dos advogados do réu, referiu que a detenção e as provas produzidas pelos supostos agentes do Serviço de Investigação Criminal foram feitas de forma ilegal, ferindo o artigo 452 do Código Penal, para além do artigo 98, no seu segundo ponto sobre a “Nulidade insanável”. A defesa entende que nos termos da lei o réu deve ser mandado para casa, pois que, o “o crime a que lhe está a ser imputado (extorsão e chantagem) não corresponde aos aos factos.

 

“Segundo o dicionário de língua portuguesa chantagem pressupõe o uso da força para coagir, ameaças e recurso a qualquer meio, o que não é o caso do Mayama”, disse.

 

Ainda durante as questões prévias Vicente Kângua solicitou ao Juiz Tito Kassoma que nos termos do artigo 7º da lei 20\88 de 31 de Dezembro “combinado com o parágrafo único do artigo 464, na eventualidade do Tribunal entender continuar com a audiência e instrução do julgamento”, que se fizesse a leitura da contestação.

Detenção supostamente fraudulenta

Mayama Salazar foi detido a 18 de Janeiro do corrente ano, quando este participava de uma reunião convocada pelo Diretor Geral do Instituto Superior Técnico de Angola, com menos de 24 horas de antecedência, o que segundo revelações feitas por si durante a audiência, não era comum.

 

“Após um encontro no sábado, nas instalações do ISTA, domingo o Director liga para mim a convocar-me para uma reunião que teria lugar na segunda-feira de manhã, 18 de Janeiro. Rejeitei, mas ele na qualidade de superior hierárquico obrigou-me a comparecer”, disse o acusado para mais adiante revelar que na reunião onde participaram os coordenadores dos cursos e dos polos do ISTA, estava a ser abordado entre outros temas a corrupção.

 

“Não demorou muito tempo, fui chamado pelo Director Geral, Joaquim da Silva, posto no corredor do instituto que estava isolado, visto ser período de férias, atrás de mim apareceu um homem vestido a paísana empunhando uma arma de fogo, que de seguida apontou-me a mesma em direcçã a cabeça na presença do Director e pediu-me para obedecer porque se não eu “teria ficado no terreno”, disse-me isto este homem de altura média, magro e claro”.

 

As ameaças, segundo revelou o acusado diante dos juizes e advogados, não pararam por ai. “Dentro da sala, que por sinal já não era usada pelo Director Geral- era uma sala abandonada- encontrei um grupo de 8 elementos com câmeras fotográficas que começaram a filmar a fazer-me vários retartos, espantando perguntei ao Director o que se passava e ele disse-me apenas: «Não sabes que o PCA é bófia». De seguida, o mesmo homem que usava uma armada de fogo cuja marca desconheço disse-me para obedecer o que me estavam a orientar, que era contar o dinheiro entregue pelo Director Joaquim Pascoal da Silva, enquanto eu era filmado e fotografado”.

 

O caso que remonta desde Janeiro deste ano, tem a ver com denúncias feitas por pessoas estranhas ao então Coordenador do Curso de Comunicação Social do ISTA sobre eventuais anomalias nesta instituição. A anomalias referem-se a alegada venda e atribuição de notas e certificados a estudantes que não cumpriram o plano curricular, para além de casos de assédio sexual envolvendo a direcção do ISTA e seus professores.

 

Por entender que tais factos não abonavam a imagem da instituição contactou o Director Geral do Instituto Superior Técnico de Angola e mais tarde o seu PCA, Manuel Arsénio Mateus. Estes por sua vez, segundo revelou em tribunal Joaquim da Silva, deram a conhecer ao SIC a fim de pôr cobro ao suposto crime de chantagem e extorsão de que estavam a ser alvo.

 

“A mensagem se bem me lembro falava sobre assédio sexual na escola da parte de professores, atribuição de certificados a pessoas que não concluíram o curriculum académico, entre os quais a um funcionário sénior da Sonangol, atribuição de notas a estudante que não faziam provas entre outras coisas que não correspondem a verdade”, revelou o Director Geral do ISTA durante o interrogatório.

 

“A intenção não era prender o Dr. Mayama mas sim, chegar até os responsáveis destas calúnicas”, acrescentou Joaquim Pascoal da Silva quando questionado se a presença de elementos do SIC nas instalações do ISTA era do seu conhecimento.

Contrariedades sobre os 2.500.000 kwanzas

Durante a audiência o Director Geral do Instituto Superior Técnico de Angola revelou que a queixa contra a suposta chantagem a que a instituição estava sofrer foi feita 3 dias antes da detenção do réu, que foi fotografado no interior da instituição no sábado 16 de Janeiro a efectuar alguns contactos sobre uma suposta negociação de valores alegadamente solicitados pelos desconhecidos que tinham em posse informações presumivelmente comprometedoras em relação ao ISTA.kwanza

 

“No sábado eu tinha combinado encontrar-me com ele para saber qual era a quantia que devíamos entregar aos jornalistas que estavam a fazer tal chantagem”, disse Joaquim da Silva, que mais adiante foi questionado pelo juiz Tito kassoma sobre as razões que o levaram a não convocar o então docente da instituição naquele instante, esperando apenas pelo dia seguinte, ao que respondeu “que segunda-feira era o dia combinado para ele receber os dois milhões e cem mil kwanzas exigidos para “estancar a notícia”.

 

O acusador não soube explicar ao juiz o facto do mesmo pretender entregar ao acusado um cheque no valor de 1.500 mil kwanzas, mas que estava passado em seu nome, quando teria supostamente acordado 2.100. 000 kwanzas.

 

“Ele voltou a ligar para mim para dizer que os homens subiram o valor da proposta para 2.500.000, mas que ele, o Dr. Mayama, tinha conseguido baixar para 2.100.000 kwanzas. Como não tinhamos mais valor, segunda-feira solicitei às finanças a outra parte, que foram os tais 600.000 kwanzas que a polícia o apanhou a contar no meu gabinete”, disse contrariando a versão do réu, que revelou que em momentro algum falou sobre quantia monetária, apenas que se devia impedir que tal notícia fosse tornada pública.

Prisão de Mayama Salazar atenta contra tratados internacionais

Para os advogados de defesa a prisão do docente e jornalista Mayama Salazar, para além de violar os seus direitos absolutos, infringe alguns tratados internacionais ratificados pelo Estado angolano, entre estes o artigo 14º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o artigo 55 da Carta das Nações Unidas, o artigo 7º da Carta Africana dos Direitos Humanos entre outros.Mayama

 

Vicente Kângua entende que a forma como se procedeu a detenção do arguido e o método supostamente fraudulento utilizado para obtenção de provas materiais a fim de incriminar o jornalista e docente universitário configura a mais clara demonstração da violação dos direitos e liberdades fundamentais constantes da Constituição da República de Angola.

Réu forçado a assumir o crime sob ameaças e tortura

Ainda nas interrogações feitas pelo Juiz da causa, seus assessores, Ministério Público e os advogados de defesa, o jornalista revelou que o suposto agente do SPIC que o ameaçou de morte na altura da sua detenção, foi o mesmo que instruiu o seu processo já nas instalações do Comando Provincial de Luanda da Polícia Nacional, forçando-o, nesta altura, a responder a algumas perguntas tendenciosas na ausência de um advogado.

 

“Achei que algo de estranho se estava a passar, já que o homem que me apontou uma arma na cabeça era o mesmo que encontrei no Comando Provincial para fazer-me o intorrogatório e instruir o meu processo” revelou.

 

Entretanto, a equipa de advogados referiu, que este processo a princípio está alegadamente carregado de insuficiências, pois que, a detenção efectuado pelos agentes do SIC, a mando da direcção do ISTA atenta contra os deireitos do réu Mayama Salazar e terá sido feita “precipitadamente”, ou seja, sem que ele pegasse antes o dinheiro e saísse da sala para que fosse consumado o suposto acto criminal.

Luta pelo poder na base da crispação

Segundo revelações feitas por Mayama Salazar durante o interrogatório a que foi submetido no tribunal Municipal de Viana, a sua relação com o Director Geral do ISTA, Instituto Superior Técnico de Angola, enquanto docente foi sempre baseada no profissionalismo e no respeito, mas do outro lado não via o mesmo. Confessou que o seu então Director não gostava dele, por sentir que o seu cargo estaria a ser ameaçado dado ao facto deste ter levado a instituição a alcançar feitos jamais vistos, sobretudo nos últimos três anos.

 

Mayama Salazar foi responsável pela realização das maiores conferências cietífico-académicas da instituição, sendo que numa delas esteve presente o Vice-presidente do MPLA, Roberto de Almeida, que proferiu o discurso de abertura, isto mesmo foi reconhecido pelo seu então Director Joaquim da Silva.


“Penso que ele sentia-se ameaçado pelo facto de, enquanto professor da instituição e, coordenador do Curso de Comunicação Social ter promovido diversas actividades que engrandeciam a instituição. Provavelmente terá se sentido ameaçado com isto e decidiu urdir esta cabala contra mim. Até porque ele obrigou-me a ir à instituição numa altura em que os docentes todos estavam de pausa”, disse Mayama Salazar durante a audiência quando questionado sobre a sua relação com o seu então superior hierárquico, Joaquim Pascoal da Silva, Director Geral do ISTA.

 

A propósito, o Director Geral do ISTA refutou as informações segundo as quais a instituição que dirige atribui notas e certificados a estudantes que não tenham conluído o plano curriular. Para ele, estas são falsas informações fomentadas por docentes e discentes que desconhecem a metodologia de trabalho daquele instituto superior.

 

“Sobre o caso do funcionário da Sonangol que dizem ter recebido diploma sem concluir o ano académico, o que se verifica é o seguinte: Nós temos recebido estudantes de várias universidades, que solicitam transferências para nossa instituição. Como o estudante em referência devia frequentar o 5º ano de direito e no polo de Viana tinha apenas o 4º, então ele foi transferido para o polo do Bengo, onde concluiu a sua licenciatura e aposterior voltou apenas para defender. Isto é que provocou aqueles alaridos todos, de professores e pessoas que não sabiam do caso dele”.

 

Adiantou ainda que sobre a atribuição de notas falsas e certificados “eu sou a última pessoa na nossa instituição a ter contacto com os documentos. A última assinatura é que é a minha. Os certificados passam pela secretaria, depois na área académica e só assim chega ao meu Gabinete, então não tem como eu atribuir notas ou certificados falsos”, esclareceu.

 

Questionado sobre a sua amizade com o então coordenador do Curso de Comuniação Social, Joaquim da Silva referiu que sempre “foram amigos” e que nunca tiveram qualquer atrito, sendo que, a sua relação sempre foi baseada no respeito pelo trabalho do jornalista e docente universitário que era um quadro muito competente no exercício das suas atribuições.

 

“Sempre tivemos boas relações. Fui eu quem o trouxe na instituição em 2012, fui eu quem o indiquei para os cargos todos que ocupou na nossa instituição. Nós sempre fomos amigos”, aflorou.

 

Neste aspecto, mais uma vez as informações estão desencontradas, uma vez que Mayama Salazar teria revelado que apenas com o PCA tinha boas relações de amizade e que foi este, Manuel Arsénio Mateus, que o convidou para leccionar na instituição.

«O Dr. Mayama é um quadro competente»

 

O docente universitário, que responde em tribunal, é licenciado em Relações Internacionais, Mestre em Gestão e Administração de Negócios e estava a fazer um doutoramento, para além de ter uma pós graduação no ramo da Pedagogia. Nos últimos anos estava também empenhado na escrita de um livro sobre a “A dinâmica da Liturgia nas igrejas cristãs”.

 

De acordo Joaquim da Silva, Mayama Salazar sempre foi um quadro competente e desemepnhou a sua actividade profissional com brio e rigor, razão pela qual lhe foi atribuída entre outras responsabilidades a de coordenar o curso de Comunicação Social, “numa altura em que o promotor do ISTA pretendia ir buscar em Portugal os quadros para este ramo”.

 

“Fui eu quem disse não, é melhor apostarmos no Dr. Mayama Salazar visto que ele é competente. E de facto foi. Em relação ao seu trabalho não temos qualquer reclamação. Aliás, nos últimos anos ele foi o responsável pela visibilidade que a instituição tomou a nível nacional e internacional, particularmente no Brasil e nos Estados Unidos.

 

O Instituto Superior Técnico de Angola tem agendado para este ano a eleição de novos corpos sociais para sua direcção. Para voltar a ser indicado para o mesmo a cargo ou outro superior Joaquim da Silva estaria a contar com o apoio do Mestre em Gestão e Administração de Negócios e Coordenador do curso de Comunicação Social por ver nele um estratega de competência apurada, por outro lado, por entender que este seria o seu maior adversário. Porém, segundo fontes próximas ao processo, Mayama Salazar teria rejeitado o convite, o que lhe terá custado a privação da liberdade.

 

Explica uma fonte que não se quis identificar que ao não aceitar o convite do seu superior hierárquico, Mayama Salazar estar a abrir a possibilidade de ser um potencial candidato ao cargo de Director Geral ou de Vice-Reitor e, diz a fonte, “para não correr o riso de ser subordinado do Dr. Mayama Salazar, o Dr. Joaquim da Silva, armou esta «cabala». No fundo o que se pretendia era só afastar o Dr.Mayama”, explicou.

 

O julgamento que teve início as 10 horas e 30 minutos de quarta-feira terminou apenas as 17H30, altura em que as instalções do tribunal de Viana sofreu um corte brusco na corrente eléctrica, quando o juiz ouvia o primeiro declarante do processo, Joaquim da Silva. A sessão retoma na próxima quarta-feira, 13 de Julho para continuidade das audições. Para além da conclusão da audição do Director Geral do ISTA o juiz pretende ouvir igualmente Manuel Arsénio Mateus, PCA do ISTA, Paulo Adão e Francisca Mateus, todos declarantes.