Luanda - A polémica empresária e ex-cabeça de casal do GVA, Lídia Capepe Amões, é acusada de ter desviado cerca de trezentos (300) milhões de dólares norte-americanos da herança deixada pelo seu falecido pai, que morreu em 2008 num acidente aéreo.

*Ilídio Manuel
Fonte: Club-k.net

Juiz esclarece que prisão da acusada nada deve-se a divergências com o PGR

Num despacho de pronúncia a que o CK teve acesso, o juiz da causa José Sequeira, da 8.ª Sessão da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda (TPL), considera que a primogénita do malogrado empresário Valentim Amões “ causou prejuízos patrimoniais, e sobretudo, aos demais herdeiros adultos e menores, avaliados em trezentos e vinte nove milhões, cento e oitenta e três mil, setecentos e cinquenta e cinco kwanzas (329.183.755,00 ”, o equivalente a cerca de trezentos (300) milhões de dólares.


Convém recordar que Lídia Capepe Amões fora nomeada cabeça de casal, nesse mesmo ano, pelo TPL com o objectivo de gerir com honestidade o acervo hereditário do Grupo Valentim Amões (GVA) até à sua partilha pelos mais de 20 co-herdeiros. Acontece, porém, que a controversa empresária terá gerido as distintas empresas do grupo empresarial a seu favor e dos seus irmãos germanos, em detrimento dos demais meio irmãos, também eles com direito ao mesmo quinhão da herança.


Ela, que se encontra detida desde o dia 12 de Maio deste ano, é acusada de ter cometido vários crimes, dentre os quais avultam os de usurpação de herança, burla por defraudação, falsificação de documentos e abuso de confiança, branqueamento e fuga de capitais e corrupção activa a juíza


Há cerca de um mês começou a ser julgada, sendo a única a sentar-se no banco dos réus, depois de o seu irmão germano Azeres Cláudio Amões, “Didi”, – igualmente acusado de co-autoria material e moral no mesmo processo – ter se suicidado, em circunstâncias descritas como “bastante penosas”.


Deixando transparecer que a prisão da acusada em nada ficou a dever-se a eventuais divergências com o Procurador-geral da República (PGR), o juiz da causa refere no referido despacho de pronúncia, datado de 14 de Março de 2016, que o ilícito “não admite a liberdade provisória”, já que “ estão em causa interesses de herdeiros menores, cuja protecção deve ser garantida pelo Estado”.


O documento refere-se a uma “apetência desenfreada” da empresária, enquanto cabeça de casal, em “locupletar-se do acervo hereditário”. É acusada de ter vendido no Huambo, em 2008, ao banco BESA, o imóvel denominado Ruacaná pela quantia de cinco milhões, cento e setenta e dois, duzentos e sessenta e três dólares norte-americanos (5.172.263,00); uma alienação feita “sem o consentimento e, até mesmo, o conhecimento dos demais herdeiros”.


Em data não especificada, a acusada recebeu do Ministério das Finanças, no quadro do pagamento de uma dívida a quantia de sete milhões, novecentos e vinte e um mil e duzentos e cinquenta dólares (7. 921.250,00), montante que foi transferido para uma conta da empresa MNR- Marinela Comercial, domiciliada no BESA.


“Vendeu a arguida ao senhor Elias Piedoso Chimuco [empresário e deputado do MPLA] um imóvel na cidade do Huambo, no condomínio “Casa do Planalto”, no valor de um milhão e quinhentos mil dólares (1.500.000,00) ”, lê-se no documento que temos vindo a citar.


O mesmo documento diz mais adiante que Lídia Amões recebeu do Grupo Mbakassi & Filhos a quantia de quinhentos mil (500.000,00) dólares, tendo ordenado o depósito da mesma quantia a favor de sua mãe, Angélica Chitula. “ O destino dado ao montante em causa, não é do conhecimento dos demais herdeiros, nem dos seus representantes”.


“Autorizou a entrega ao seu irmão Azeres Amões a importância de um milhão e quinhentos mil dólares (1.500.000,00) para que o mesmo se lançasse no mundo empresarial, ou seja, para que efectuasse negócios, à margem, portanto, do que é legalmente permitido, relativamente à utilização ou à gestão do acervo hereditário pelo cabeça de casal”, refere o despacho de pronúncia.


De acordo com o mesmo documento, “para facilitar as suas engenharias de apropriação e distribuição irregular do acervo hereditário da família, portanto, de todos os herdeiros, [Lídia] socorria-se das contas bancárias de alguns funcionários do grupo empresarial do seu falecido pai, como é o caso dos Srs. João Victor de Jesus Pili, João Osvaldo Gouveia e da Sra. Vissolela dos Santos, titulares de contas bancárias por via das quais, a arguida movimentava elevados valores monetários”.


A controversa gestora é igualmente acusada de ter atribuído salários de “forma repetida, todos os meses, aos seus irmãos Azeres, Apolo Amões, e ainda, à sua mãe Angélica Chitula, em prejuízo dos demais herdeiros”.

 

Hipotecas ao Besa


No extenso documento que temos estado a citar, o juiz da causa afirma que Lídia Amões efectuou 5 hipotecas de imóveis do GVA ao banco Besa. “Sem o consentimento dos demais co-herdeiros”, ela hipotecou, dentre outros bens, na cidade do Huambo, dois prédios, um, por vinte e oito milhões (28), outro, por vinte e três (23) milhões, assim como um armazém, por vinte (20) milhões de dólares.


Em Luanda, mais concretamente na cidade satélite de Viana, ela hipotecou as instalações da empresa Vecauto por trinta e dois milhões e quinhentos mil (32.500,000.00) dólares. “ Deu como garantia das dívidas contraídas ao Besa, o edifício Tropicana, mediante uma procuração irrevogável”.

 

O despacho de pronúncia refere que Lídia Amões e o seu falecido irmão Azeres venderam de “forma ilegal” em 2009 e no ano seguinte vários camiões de marca Volvo e Iveco. De igual modo, venderam, de “forma abusiva”, às organizações Santos Bikuku, dois aviões – um cargueiro do tipo IL-76 e um Antonov-32- ambos pertença da empresa Gira Globo, por oitocentos (800) mil e cento e cinquenta (150) mil dólares americanos, respectivamente.
“Venderam igualmente os arguidos três aeronaves, sendo duas do tipo B-200, outra do tipo 1900, a António de Jesus Bete, da empresa Ango-Jet, por duzentos e cinquenta (250) mil dólares”, lê-se no documento.


No que pode ser entendido como um acto de branqueamento e fuga de capitais, consta dos autos que em Setembro de 2013, Lídia Amões deslocou-se a Israel, na companhia de 150 fiéis – membros da sua igreja denominada “Mama Tina”- entregando para o efeito a cada um dos integrantes da comitiva, à saída de Luanda, a quantia de 15 mil dólares, tendo resgatado tais valores tão logo desembarcaram no destino.

 

A empresária, através da sua mãe, Angélica Chitula, celebrou de 2009 a 2011 contratos de arrendamento de alguns imóveis na cidade do Lobito, com a empresa Tropicana Lda, cujas receitas das rendas eram unicamente repartidas entre a “arguida, a sua mãe, e o seu irmão, Azeres Amões, sempre em prejuízos dos demais herdeiros”.

 

Consta ainda dos autos que a antiga gestora do GVA recebeu, em 2007 e no ano seguinte, do Ministério das Finanças, a título de pagamento da dívida pública, um total de quarenta e sete milhões, setecentos e cinquenta e sete mil, cento e setenta e dois dólares e três cêntimos (47.757.172,03), um montante cujo destino é desconhecido.

 

O documento refere que a empresária “celebrou um contrato mútuo, por via da empresa Tropicana com o banco BAI no valor de quinze milhões (15) de dólares, no qual a mesma é avalista, e celebrou um contrato de financiamento entre a SEFA [fábrica de gasosas no Huambo] e o banco BESA, no valor de oito (8) milhões de dólares, sendo o destino desses montantes desconhecido pelos demais herdeiros”.

 


Diz, por fim, o despacho de pronúncia, que, por orientação de Lídia Amões, a Vecauto, Lda, vendeu 15 camiões do GVA às distintas empresas e pessoas singulares, no valor de cento e vinte e dois milhões, novecentos e oitenta e oito mil e quinhentos kwanzas (122.988,500.00), montante cujo destino é igualmente desconhecido.

 

Convém recordar que a ex-cabeça de casal do GVA não é ré primária, uma vez que já tinha sido condenada em 2012 pelo Tribunal Provincial do Huambo a uma pena de prisão de seis meses suspensa por um período de dois anos, por ter ordenado o despejo ilícito de uma cidadã belga, que habitava uma residência do GVA.