Luanda  - No dia 11 de Novembro de 2005, no acto comemorativo do 29º aniversário da proclamação da independência nacional, o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, revelou que grupos empresariais estrangeiros se tinham organizado em carteis para manipularem os preços dos principais bens de consumo.

Fonte: Facebook

Na denúncia do Presidente da República, uma entidade necessariamente muito bem informada, estava implícita a ideia de que tais grupos estariam mancomunados com cidadãos nacionais. Depois de ter dedicado à denúncia do Presidente da República a enorme repercussão que ela justificava, o extinto Semanário Angolense acabaria notificado pela Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda para responder a uma acção intentada pelo então Primeiro-Ministro.

 

Fernando da Piedade Dias dos Santos “Nandó” recorreu àquela instância judicial por o Semanário Angolense o haver associado a tais grupos empresariais estrangeiros que José Eduardo dos Santos responsabilizou pelo aumento artificial dos preços dos bens de consumo.

 

O Jornal associou o Primeiro-Ministro ao Grupo Empresarial Arosfram, cujos proprietários eram maioritariamente de origem libanesa.


Além de Nandó, o Semanário Angolense vinculou, também, outros dignitários, nomeadamente o embaixador Mawete João Baptista e André Santana Pitra “Petroff”, a interesses empresariais estrangeiros que se encaixavam no perfil dos grupos denunciados pelo Presidente da República. Entre eles, avultavam a Golfrate Grup e a Angoalissar.

Com exceção da diligência judicial do então Primeiro-Ministro, que terminou com a absolvição do Semanário Angolense e do seu Director-Geral, ele também arrolado no processo, a (grave) denúncia do Presidente da República não teve nenhuma outra consequência. Institucionalmente, dir-se-ia que ela caiu em saco roto.

 

Com a complacência institucional, homens de negócios estrangeiros, nomeadamente libaneses e indianos, sobretudo, os mesmos que o Presidente da República acusou de manipularem os preços, não só continuaram a reinar a seu bel-prazer como, com o decorrer dos anos, alargaram os seus horizontes. Em estreita colaboração com comerciantes oeste-africanos, de quem se tornaram tutores, esses empresários estenderam os seus perniciosos tentáculos ao mercado de divisas nacional, de tal sorte que hoje eles são o seu regulador.

 

Com a maior das impunidades (e muita desfaçatez) são eles quem determinam a cotação da moeda estrangeira. O papel do Banco Nacional de Angola, na economia real, é perfeitamente marginal.
Aliás, nesta altura do campeonato, os nossos governantes já deviam deixar de fingir que a autoridade monetária do País continua depositado no Banco Nacional de Angola. As suas competências foram, há muito, transferidas para o Mártires de Kifangondo. É daquele bairro luandense que emanam a taxa de câmbio do dólar, euro e outras divisas; é lá que são tomadas todas as decisões que incumbem a um banco central. Pelos vistos, Só mesmo por algum pudor é que o BNA ainda não transferiu para o Mártires as reuniões do seu Comité de Política Monetária.

 


Recentemente, o próprio governador do BNA aceitou implicitamente a supremacia da máfia do Mártires de Kifangondo quando apontou à Polícia não os libaneses, malignos e outros que controlam o mercado de divisas mas as pobres kínguilas que lutam pela pela vida. Quando Walter Filipe pede "às autoridades competentes maior controlo e responsabilização dos agentes promotores do mercado informal de moeda estrangeira" e aponta o dedo às kínguilas fica claro que o BNA olha para a árvore e ignora a floresta.

 

Onze anos depois daquela denúncia na actual Moçâmedes, muita coisa mudou, mas, no essencial, os dados do problema permanecem os mesmos.

 

De um lado temos o mesmo Presidente da República. A “pequena” diferença é que nesse ínterim ele “costurou” uma Constituição que lhe confere uma “montanha” de poderes de tal magnitude que, se o quisesse, poderia, com um simples estalar de dedos, pulverizar a nefasta influência dos tais grupos que manipulam artificialmente os preços.

 

De outro lado, temos não já as outrora poderosas Arosfram, Golfrat Grup e Angoalissar, mas os mesmos libaneses, indianos e agora também eritreus, etíopes e somalis disseminados em pequenos grupos, mas com uma crescente influência na economia.

 

Arrogantes e actuando, sempre, em carteis, tais homens permitem-se desafiar abertamente o sistema financeiro angolano. Nas transações comerciais com os angolanos não aceitam outra forma de pagamento que não seja dinheiro à vista. Cheque, cartão electrónico, transferência ou depósito bancário são formas de pagamento que rejeitam terminantemente. Por maior que seja o volume da transação, o comprador é obrigado a pagar à vista. De outra forma não há negócio. Ora, nestes tempos de crescente instabilidade social, circular com significativas quantias de dinheiro é um incentivo extra à criminalidade.

Repetindo, os dados do problema permanecem os mesmos: o País continua a ter como seu Presidente o mesmo homem que já identificou a fonte da subida artificial dos preços dos bens de consumo e, no outro extremo, estão os mesmíssimos libaneses, indianos e quejandos a ditar as regras de jogo.

Em 2005, quando o PR pôs o dedo na ferida, os preços subiam descontroladamente, mas alimentos como o pão, por exemplo, ainda iam marcando presença no cardápio dos angolanos. Em 2016, o preço do pão não só atingiu níveis estratosféricos como ele já foi riscado da ementa de muitos angolanos. Muitas famílias luandenses resgataram a conguenha como alternativa ao pão.


Como naquela altura, também agora o aumento artificial do preço do pão decorre da cartelização do mercado da farinha de trigo. São libaneses, indianos e seus compinchas quem determina o preço.

 

Pelos cálculos da recém-criada Associação das Indústrias de Panificação e Pastelaria de Angola (AIPP) não adviriam prejuízos nenhuns para os panificadores se, por exemplo, o pão pequeno fosse vendido a um preço que variasse de entre 15 a 19 kwanzas. Mas porque o mercado da farinha de trigo é um monopólio de estrangeiros, a mesma unidade de pão hoje é vendida, quando há, a preços que chegam aos 100 kwanzas.

 

“Vamos até dizer que (os estrangeiros) formaram um cartel e são eles que põem e dispõem dos preços”, queixava-se recentemente ao Novo Jornal o industrial Gilberto Simão, presidente da AIPP.

 

Com o aumento quase diário do preço da farinha de trigo, não é apenas o pão que se torna, cada vez mais, num alimento inacessível às “amplas massas populares”. É também o emprego de milhares de angolanos que está ameaçado.

 

Ele também importador e por isso domina bem os preços, Gilberto Simão defende que o saco de farinha de trigo de 50 quilos deveria chegar às panificadoras ao preço de 7.000 Kz. “Mas, em Malange está a 18 mil, no Huambo a 19 e há províncias onde se cobra mais de 20 mil”. Esta situação, diz o industrial, tende a “exterminar os empresários nacionais”.

De acordo com dados convergentes, 80% das padarias nacionais são detidas por comerciantes indianos e libaneses.

Em 2016, Gilberto Simão, presidente da Associação das Indústrias de Panificação e Pastelaria de Angola, repete o que o Presidente da República disse há 11 anos: empresários estrangeiros promovem a subida artificial dos preços.

Aqui chegados, vamos então às inevitáveis perguntas: se o problema está mais do que identificado, o que impede, então, a tomada das pertinentes medidas para aliviar o sofrimento dos angolanos? Por que razão, libaneses, indianos e outros não podem ser chamados à pedra por causarem sofrimentos aos angolanos?

A inação de quem de direito induz à legítima suspeita de que libaneses, indianos e outros manipulam alegremente os preços de bens de consumo porque têm as costas amparadas em confortáveis almofadas. Alguém lhes faz companhia quando se sentam à mesa para partilharem o fruto da escandalosa roubalheira aos angolanos.

Tal inação também pode ser explicada pelo facto de tanto o MPLA quanto o seu líder terem como garantido o voto maioritário dos angolanos. No dia em que um e outro forem obrigados a suar às estopinhas pelo voto, “brincadeiras” como essa de libaneses e indianos não mais terão lugar no nosso País.


Enquanto subestimarem o valor do seu voto, os angolanos continuarão a ser tratados como “coisas” insignificantes no seu próprio País.