Luanda - Esquemas tomam conta da compra de farinha de trigo em Luanda. Para conseguir a principal matéria-prima usada na produção de pão, os gerentes de padaria têm de dar ‘gasosa’ de até 2000 Kz/saco. Muitas padarias estão a falir.

Fonte: OP
Regista-se neste momento uma inflação no preço do pão, fruto da dificuldade na compra e subida do preço da farinha de trigo. São poucos os armazéns e lojas que ainda comercializam a principal matéria- prima para a feitura do pão e, todos os dias, tem sido uma luta para comprar tal produto.

Durante uma ronda feita por este jornal, na última quarta-feira, constatamos que muitos gerentes e donos de padarias e/ou pastelaria levam dias e até semanas para conseguirem um carregamento de 20 sacos de farinha de trigo, por exemplo, que poderá garantir dois dias de produção ao seu estabelecimento.

Santos Monteiro é proprietário da padaria Bom Pão, no Mbonde Chapé, está há uma semana à procura de trigo e, no único armazém que encontrou, localizado no Palanca, “quem não entra no esquema” não consegue comprar nada. “O trigo está difícil. Encontrei aqui, mas nós, que temos padaria, não estão a nos vender, só às senhoras revendedoras”, reclamou.

O esquema a que o nosso interlocutor se referiu consiste no seguinte: paga-se uma gasosa às senhoras para que sejam facturados pelo menos 20 sacos, caso contrário é obrigado a comprar a farinha nas senhoras que revendem próximo ao armazém, ao preço de 27 mil kwanzas o saco de 50 quilos.

“Quem consegue o trigo são os que não têm padaria”, refutou, por isso diz estar com a “corda no pescoço”, não sabendo como vai pagar aos trabalhadores e a que preço vai vender o pão. “O trigo está que nem diamante, a 16 mil Kwanzas, e tem havido máfia na venda.

Só os que têm cunha conseguem”, sublinhou.

Trigo comprado sem ter chegado ao país

Depois de dois dias de luta, Maria João teve de chegar ao armazém às 5h da última Quarta-feira para conseguir comprar cinco sacos de farinha de trigo. “Você vem hoje, encontra um preço e amanhã encontra outro. Antes de ontem estava a 16.500 e hoje já está a 18.000 Kz, o saco. Em Viana, tem muitos armazéns que vendem trigo, mas o único que neste momento recebeu contentor é este, do Palanca”, disse a pasteleira.

Outros armazéns encontram-se fechados, segundo a nossa entrevistada, porque o carregamento de trigo já foi comprado mesmo sem ter chegado a Luanda. “São os ‘mamadous’ e os libaneses que fazem o negócio com os gerentes dos armazéns e não nos deixam comprar trigo, depois revendem a 30.000 Kz”, disse Maria, que enfrenta inúmeras dificuldades para manter de pé a sua pequena pastelaria.

Em função da crise que o país atravessa, os armazenistas adoptaram também a estratégia de exigir o alvará comercial aos gerentes e/ou donos de padaria para quem quiser comprar mais de 20 sacos de farinha de trigo. “Se dinheiro para comer não tenho, imagina para tratar o alvará!?”, interroga-se, José Carlos, que alimenta a família produzindo pão em casa e que estava entre o grupo de pessoas que há uma semana não consegue comprar farinha.

Desesperado, o cidadão disse estar constantemente a acordar de madrugada para que seja atendido primeiro, e muitas vezes fica sem entender por que aparecem mais pessoas à sua frente, não sabe o que será da sua vida, com os filhos que tem para sustentar, se a sua padaria caseira fechar.

Os armazéns da Angoalissar, em Viana e Cazenga, bem como os supermercados Ta’Ki e Angomart estão, neste momento , sem o stock de farinha de trigo. Muitas padarias dependem do armazém Dimassaba, no Palanca, e do mercado do Kicolo, em Cacuaco.

‘100 sacos, 100 mil Kz de gasosa’

A jovem que se identificou por Beka veio do Lobito para comprar farinha de trigo em Luanda e apenas o consegue por via da ‘gasosa’. O último carregamento que fez levou 100 sacos de 50 quilos e teve de pagar, a quem a ajudou a facturar, 1000 Kz de ‘gasosa’ por cada saco. O stock apenas durou uma semana e neste momento está com dificuldade de voltar a carregar porque a taxa que paga de ‘gasosa’ subiu para 2000.

“Estou a negociar para que baixem para 1500 Kz, tendo em conta que preciso de mais 30 e apenas consegui 20. Aqui o sistema é mesmo esse: ou pagas gasosa ou não vais conseguir trigo”, disse. Aquela cidadã também informou que muitas padarias no Lobito estão a fechar porque a procura de farinha de trigo é maior que a oferta.

Para além disso, os custos com o transporte da mercadoria de Luanda ao Lobito são altos e muitos gerentes desistem, pois fala-se em 500 Kz por saco.

Durante a ronda, este jornal apurou que muita gente tem o armazém Dimassaba como ‘boia de salvação’ e, por isso, todos os dias há enchente naquele estabelecimento comercial. Tal facto fez com que o seu proprietário chamasse a Polícia para controlar a situação. Devido ao tumulto, a Polícia não permitiu a entrada quando pretendíamos contactar o gerente.

“Pão nosso de cada dia” em queda

Em cada município e bairro da cidade capital vê-se pelo menos uma padaria que foi à falência e/ou que esteja a caminhar para esta fase. As que aguentam vêm-se obrigadas a praticar preços altos.

Os principais produtores do ‘pão nosso de cada dia’ estão a fechar as portas e a desempregar gente, a padaria Sudu Nafan, no Calemba II, por exemplo, é uma delas. As duas padarias que abasteciam o condomínio Jardim do Éden (uma delas chama-se Bom Preço), também tomou o mesmo rumo, bem como a padaria da Morvic, na rotunda do Camama.

No Golf II encontramos fechada a padaria Ango Lukelo, enquanto nas imediações da praça do Papá Simão, Cazenga, duas não sobreviveram à carência da farinha de trigo, nomeadamente as padarias Ki Pão e DMS Comercial.

Há um mês fechada, a padaria Dourada, no Grafanil, propriedade do cidadão de nacionalidade senegalesa identificado apenas por Dialó, tenta reerguerse. O cidadão disse que a subida do dólar complicou o seu negócio, porque antes tinha uns amigos que importavam a farinha de trigo e quando tivessem a mercadoria lle telefonavam. “A estes amigos eu podia produzir para depois pagar o trigo, agora tenho de ir à procura nos armazéns. Estava no Ta’Ki, junto da Comarca de Viana, disseramme que tenho de facturar na direcção da empresa (KM 25), posto lá, todo trigo já tinha sido vendido”, reclamou.