Lisboa - A amnistia que o regime angolano concedeu aos 17 ativistas presos há um ano “é perversa”, considera o músico luso-angolano Pedro Coquenão, cuja banda atuou esta sexta-feira no Festival Músicas do Mundo, em Sines.

Fonte: Lusa

Em entrevista à Lusa, antes do concerto conjunto com a banda congolesa Konono n.º1, no Castelo de Sines, o músico da banda Batida, que esteve ligado aos protestos organizados em Portugal a favor da libertação dos 17 “presos políticos”, acedeu a comentar o desfecho do caso, conhecido há uma semana.

 

Amnistiar alguém inocente” é “uma fuga ótima para o regime, de sair um bocado pela porta dos fundos”, atira. “Parece que é um ato magnânimo e, no fundo, é um ato de total trafulhice”, constata.
Isto porque não permite “repor a verdade” e, além disso, traduz-se em “problemas no futuro mais imediato”, antevendo-se um rol de “dificuldades, obstáculos, condicionamentos, repressões” para os 17 ativistas detidos a 20 de junho de 2015 e condenados a 28 de março deste ano a penas entre dois anos e três meses e oito anos e meio de prisão.

 

A amnistia aprovada há uma semana pela Assembleia Nacional angolana — que, entre oito mil condenados, abrange os 17 ativistas acusados de “rebelião”, mas que sempre se defenderam reclamando direitos de expressão, reunião e associação — deixa de ter efeito em caso de reincidência.

 

“As reivindicações não são só do grupo que foi preso”, pois, por trás delas, está “um povo”. Se antes tinha pouca água e pouca farinha, agora não tem água nem farinha nenhuma, compara Pedro Coquenão, rejeitando a ideia de um protesto geracional, falando antes numa tomada de posição “transversal”, que “não tem que ver com jovens”, mas com “coisas básicas, poder comer e sobreviver com dignidade” no próprio país.

 

“Não vejo o caso a resolver-se, vejo o caso a ir-se resolvendo”, distingue, admitindo que “faz toda a diferença” para os 17 ativistas poderem estar em casa, perto da família. “Mas não sei quanto tempo será, se realmente todas as pessoas serão abrangidas ou não, se nunca mais vai haver prisões, se o tipo que está preso vai sair ou não”, enumera.

 

“O que fica para a história são pessoas que não têm uma condenação, não têm um processo encerrado, mas passaram um ano presas e ficam marcadas para o resto da vida com um caso de conspiração”, destaca. Ao mesmo tempo, aqueles que se associaram a elas, mesmo que só por solidariedade, acabaram “implicadas e privadas da sua liberdade” também.

 

Se tiveres alguma atitude contrária àquilo que é a vontade do regime angolano — porque não é um governo, é um regime –, acabas sempre por sofrer qualquer tipo de represália” conclui.
E não há pressão internacional nem opinião pública que anule esse ano que os ativistas passaram presos, alguns cumprindo greves de fome. “Acaba por ser uma pena, na prática ela existiu e ainda está a existir, alguns deles vão ficar marcados para resto da vida, enquanto este regime for o regime predominante, porque não vão facilmente arranjar emprego”, exemplifica Pedro Coquenão.

 

A vergonha não foi assumida, a culpa também não e quando a culpa não é assumida, em princípio, o erro vai continuar a repetir-se”, antecipa.