Luanda - A centralidade da Universidade angolana enquanto lugar privilegiado da produção de conhecimento científico avançado, excelência dos seus produtos, criatividade do trabalho intelectual, liberdade de discussão e o espírito crítico tornaram-na numa Instituição dotada de grande prestígio social. Esse status, adquirido inicialmente com a Universidade Pública e posteriormente com algumas Universidades Privadas, depara-se com um conjunto de constrangimentos que podem concorrer para a descaracterização intelectual da Universidade e, como consequência imediata, a desvalorização dos diplomas universitários.

Fonte: Club-k.net

Não sendo uma problemática recente, nunca é demais realçar que a expansão do Ensino Superior não foi adequadamente acompanhada com o rigor nos critérios de contratação ou promoção, fazendo ingressar para a classe docente quadros com baixa motivação para a investigação cuja prioridade era a aquisição do poder simbólico, status ou o prestígio pessoal que o título de “docente universitário” acarreta.


À medida que a dinâmica global da mão-de-obra foi procurando por quadros cada vez mais especializados o mercado do Ensino Superior foi seleccionando os curricula que se afiguravam como fonte de lucro e resposta imediata às solicitações, fazendo com que muitas Instituições fossem designadas “Universidade” sem reunir todas as funções desta (Formação Graduada, Pós-Graduada, Pesquisa e Extensão). A preocupação com os impactos imediatos e a dificuldade em captar os sinais e as rápidas transformações societais ofuscaram, no entanto, uma reflexão mais cuidada sobre as consequências, a médio e longo prazos, de tais opções. Daí que, hoje, a Universidade seja confrontada ou com produção em excesso ou com produção deficiente (muito deficiente) de perfis profissionais.


Quando a crise nos bateu a porta, as Instituições de Ensino Superior (com raras excepções) quase que de forma simultânea e imediata procederam ao aumento das propinas e outros emolumentos, com a justificativa de se obedecer aos ajustes financeiros que se impunham. Porém, na maior parte dos casos, os ajustes não se reflectiram no aumento dos níveis de produção científica ou, no mínimo, na melhoria das condições objectivas para a investigação. Por seu lado, e a título de exemplo, quando a crise financeira irrompeu sobre a Europa, em 2008, as Universidades daquela geografia - Portugal mais concretamente - articularam esforços numa verdadeira plataforma universitária e interdisciplinar para compreender a crise, explorar ideias e buscar alternativas ao período de desregulação que então iniciava (uma das referências é o Observatório das Crises e das Alternativas da Universidade de Coimbra).

 

Numa situação de crise económica como a que vivemos a Universidade pode funcionar como um viveiro ou incubadora ao acolher ou deixar permanecer no seu seio, por um período mais ou menos prolongado, (nos Centros de Investigação, Núcleos de Empregabilidade, Frequência de Pós-Graduações e outros programas) pessoas que não pretendam entrar no mercado de trabalho em períodos conturbados e de pouca oferta, preferindo acumular títulos, qualificações e outras valências que possam fortalecer posteriormente a sua posição no mercado.

 

A sociedade do conhecimento exige ao capital humano maior criatividade e eficiência no uso da informação, uma vez que quando mais elevado for o capital humano maior a sua capacidade intelectual e cognitiva para responder aos grandes desafios sociais e económicos que a sociedade do século XXI apresenta. Sendo a Universidade um bem público intimamente ligado ao projecto de país, as dificuldades que enfrenta não devem impedi-la de desempenhar adequadamente as suas funções sociais e simbólicas como: inculcar nos estudantes valores positivos perante o trabalho, regras de comportamento, formas de sociabilidade e interpretações da realidade.


Os parâmetros da Universidade transcendem os seus muros. Deste modo, é importante que se criem mais espaços de interacção com a comunidade envolvente, onde seja possível definir prioridades e actividades de extensão, promovendo a criatividade do trabalho intelectual como ferramenta auxiliar dos poderes públicos na busca de alternativas à crise actual.


Florival de Sousa – Mestre em Sociologia, Universidade de Coimbra