Luanda  - MENSAGEM DOS 15+DUAS

[Apresentada na Conferência de Imprensa]
Excelentíssimos Senhores;
Caros Membros da Sociedade Civil;
Dignos Convidados;
Ilustres Jornalistas;
Minhas Senhoras e Meus Senhores;


Ao contrário do que está plasmado na Constituição da República, o nosso país não é democrático. Não há independência de poderes. Como vemos, não assenta na dignidade da pessoa humana e ainda não expressa os anseios do povo angolano; porque o seu objectivo central não está na construção de um Estado social, uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz e igualdade.


No papel e nas leis, somos um Estado Democrático de Direito, que se funda na soberania do povo; no primado da Constituição e da lei, na separação de poderes, na interdependência de funções, na unidade nacional, na livre expressão e organização política, bem como na democracia representativa. Mas, a razão que nos leva a estarmos reunidos hoje nesta sala é uma amostra, ainda que insignificante para alguns, de que, 40 anos depois, continuamos a ser um Estado Democrático de Direito no papel. Enfrentamos uma gritante crise na construção do Estado de direito!


As nossas instituições ainda estão longe de promoverem ou defenderem os direitos e liberdades fundamentais do angolano. Se o fazem ou se alguma vez o fizeram, foi por pressão, num arrojado exercício de manutenção do poder do grupo dominante.

Caros compatriotas,

O que nos traz hoje aqui é contarmos-vos o nosso testemunho. A nossa parte da história. Apresentar-vos no mínimo possível, os detalhes, os factos, o que se passou e deixar a vosso critério o julgamento.
É provável que muitos ainda não o saibam, mas é importante dizer que os eventos de 20 de junho de 2015 não foram um começo em si, são parte de um processo de luta que já leva alguns anos, muito sacrifício e esforço colectivo. A vida é um processo dinâmico e em cada estágio exigem-se novas actitudes e ações diante daquilo que ela nos apresenta.


Somos parte de uma juventude que vai despertando das amarras do medo, que vai tomando consciência de si e do seu tempo; que pelo dever patriótico de construir novos paradigmas, ousa desafiar o status quo em que vivemos visando ocasionar uma transformação social profunda que resulte na construção de uma verdadeira Nação. Uma nação verdadeiramente democrática, verdadeiramente reconciliada, apostada na sua afirmação no mundo como nação autónoma, soberana e vanguardista.

 

Somos maioritariamente apartidários (não sendo esse um requisito para quem se queira juntar), sem lideranças, apregoadores do exercício pleno da cidadania como meio de participação na vida social e política do país e defensores dos direitos humanos. Não nos arrogamos de ser o motor da transformação social que se quer, mas nos consideramos apenas uma pequena peça deste motor que devemos ser todos nós independentemente de qualquer identidade ou qualificativo. Aliás, a nossa bandeira é a construção de uma sociedade participativa.

 

Reconhecemos que os 40 anos de existência do Estado angolano produziram uma sociedade extremamente desregrada, corrupta e conduzida por um sistema militarizado composto por gente que não se despiu das velhas amarras do comunismo (um comunismo muito mal assimilado), uma geração que não se livrou do autoritarismo militar e das suas más práticas, que fez gerar uma sociedade disfuncional, lubrificada de bajuladores, tiranos, saqueadores do erário público, criminosos inveterados, em que sagra o culto da personalidade, impunidade e do deixa andar; um país megalómano mesmo não tendo nada com que se gabar em termos de realizações!

Compatriotas,


O processo mais comumente conhecido como 15 + Duas é parte de um processo de luta que vem desde 7 de março de 2011, protagonizado por jovens de vários extractos sociais da anestesiada e amordaçada sociedade angolana. Este processo de luta visa essencialmente o estabelecimento do ideal de nação já enunciado acima e na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática, plural, inclusiva, baseada no primado da lei, respeito pela vida, pelos direitos fundamentais e sem ditadura, esta que nos destroça a cada ano, tendo como sua marca registada: detenções arbitrárias e espancamentos brutais (com recurso a todo tipo de meios contundentes e agentes à paisana além da polícia uniformizada); invasões à domicílio (servindo-se de milícias armados à paisana); inviabilização e sabotagem de protestos públicos por "Ordens Superiores; difamação e calúnia de activistas e suas atividades nos meios de comunicação pública; raptos e morte de activistas, etc.

 

O processo, digamos, desde a detenção, julgamento e condenação, mostrou-se ser uma aberrante palhaçada, revelando preto no branco, o estado negro e ditatorialmente dilaceradas que se encontram as instituições angolanas. A nossa saída sob termo de identidade e residência é sem dúvidas produto de orientações superiores de quem já não pode mais fingir que sequestrou a independência das instituições republicanas, o ditador José Eduardo dos Santos. Mas, Eduardo dos Santos não agiu de sua livre e espontânea vontade, foi fruto da muita pressão que se fez, interna e externamente. Por isso, não nos sentimos regozijados, aliás actos como este mostram claramente que é preciso lutar para resgatar Angola!


O povo é o único soberano e, quando age como povo nunca comete crime e nem viola a lei. É o único que deve defender o Estado (entende-se Estado com 'E' grande) angolano. Portanto, vós sois a raiz de todo o bem porque lutais pela democratização deste país e, ao mesmo tempo, a raiz de todo o mal sempre que vos calardes perante as injustiças e o desgoverno que sagra a nossa terra.


Devemos lembrar que cada povo tem o governo que deseja ter. Se um governo não satisfaz os anseios, enquanto integrantes e objectos da ação governativa, do seu povo, é legítimo erguer as nossas vozes e repor a legalidade. Devemos deixar de só olhar para os céus a pensar que um ser invisível irá resolver os problemas da terra!

Irmãos angolanos,


Eis os factos.

O processo de que vos estamos a falar, vulgo 15 + Duas, teve início com a detenção no dia 20 de junho de 2015, pelas 15 horas, numa das salas de aula do Instituto Luandense de Línguas e Informática - ILULA, de 13 jovens activistas que se encontravam numa sessão de debates nesta instituição que está situada na Vila Alice, rua João de Deus, em Luanda. Estavam na 6ª sessão destes debates que tiveram início no dia 16 de maio de 2015.


Como matéria de estudo/debate usavam uma brochura da autoria do professor e activista Domingos da Cruz intitulada Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar nova Ditadura - Filosofia Política para a Libertação de Angola. Esta brochura é uma adaptação da obra "Da Ditadura à Democracia" do filósofo americano Gene Sharp.

O objectivo deste estudo/debate era: "tornar mais eficiente o nosso activismo. Melhorarmos a nossa forma de luta e tornar mais efetiva a nossa actuação. Uma oportunidade para estudarmos o activismo em si e aprendermos formas de luta não violenta, sempre em observância aos princípios democráticos e no espírito da lei justa, com o intuito de conduzir ao fim da ditadura que interpretamos existir na nossa martirizada pátria."


Foi assim que definiram o objectivo do debate na primeira conversa mantida ainda em Dezembro de 2014 à margem de uma manifestação agendada para este dia.

 

O dia foi 7 dezembro, a manifestação, "Contra a violência Policial." A polícia deteve vários activistas neste dia que foram soltos na casa dos pais do Nito Alves. A confluência originou uma reunião informal, que além da questão do estudo do activismo, fizeram fotos para a campanha "Eu sou Ganga - exijo justiça" que estava a ser organizada pelo Rafael Marques. No fim deste encontro, o Domingos encarregou-se de reunir alguma bibliografia sobre o activismo que incluiria material audio-visual. Alguns outros como o Nuno Dala também encarregaram-se. Na verdade, estava aberto para todos os que quisessem reunir material em torno desta perspectiva de estudo do activismo.

 

Depois disso, criou-se uma janela de chat no facebook para a continuação da discussão sobre o estudo e apresentação do material que fora sendo reunido. A janela também serviu para discutir-se o calendário e o início do estudo/debate. Adoptou-se por unanimidade o formato livre e aberto, sem a figura de professor ou mentor para o estudo. Do material reunido por Domingos da Cruz em colaboração com o Nuno Dala, viria a resultar na elaboração da brochura já referida acima.

 

A conversa na janela teve muitos altos e baixos, alguns chegaram mesmo a abandoná-la. "Nós não nos conhecíamos bem e conflitos nestas circunstâncias são inevitáveis." Mas a ideia seguiu e a 1 de maio de 2015 aconteceu o primeiro encontro físico para a apresentação do que se tinha reunido e compilado, discussão do programa do estudo, o local e a data de início do mesmo. Este encontro teve lugar no jardim defronte a administração de Viana.

 

Distribuíram-se tarefas. O Luaty e o Domingos ficaram de contactar os possíveis locais para os debates. O Luaty teve êxitos quase imediatamente e conseguiu uma das salas do instituto já mencionado que também contempla uma livraria, a livraria Kiazele, ambos propriedade do professor Alberto Neto. Era um local familiar a muitos dos activistas envolvidos, já tinham trabalhado numa das suas salas durante a Campanha de Observação Paralela das Eleições de 2012 conduzida pelos activistas, que ficaram neste local durante meio ano. A data para o início dos debates ficou o dia 16 de maio de 2015, e neste dia, estavam reunidos na sala perto de 30 activistas, para a primeira sessão de debates. "Debatemos e foi um êxito total, foi estimulante e premonitava boas perspectivas."

Ilustres concidadãos,

As engrenagens de um país estão na cidadania, no seu exercício. Não são os partidos políticos que fazem um país, estes são apenas meios para o exercício do poder político e não a materialização do exercício da cidadania. Entendemos no entanto que a transformação social que se quer, deverá ser fruto de um esforço conjunto. É preciso juntarmos sinergias para a materialização daquilo que nos identifica: a liberdade, a democratização e a construção da nação angolana.


A nossa luta centra-se em valores como: a liberdade, a justiça e a democracia, almejando uma Angola melhor para todos os angolanos. Queremos um país que valoriza e dignifica a pessoa humana e um Estado que providencia de maneira efetiva os serviços de necessidade básica. Queremos um país, onde os nossos filhos e netos possam viver sem o medo de exercerem os seus direitos consagrados, tal como agora, na realidade ditatorial em que vivemos e combatemos. A mudança que pretendemos, não será possível sem a emancipação da mulher. É preciso que haja igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres. Tal como no passado, as mulheres devem juntar-se para a causa justa de todos. Lembremos heroínas como: a rainha Njinga Mbandi, Ndona Nkimpa Vita, Lueji Ankonda, Deolinda Rodrigues e inúmeras outras, exemplos para as atuais mulheres angolanas e não só.

Compatriotas,

Afinal, quem somos nós?

Somos jovens de vários extractos sociais, de vários níveis de formação e também sem formação nenhuma, apartidários ou partidários, religiosos ou ateus, empregados ou desempregados, formando-se ou autodidactas, somos filhos de camponeses e de abastados, estamos na zunga e nos escritórios também, vivemos no musseque ou na cidade, enfim, somos nós, somos vós, somos todos nós! Somos a manifestação dos anseios não saciados do nosso povo. Um grito de mudança que não se quer calar.


Como grupo, nascemos sem hierarquias, sem estatutos e assim ainda nos mantemos. Guiados pelo ímpeto de criar novos paradigmas e construir uma sociedade participativa em oposição a que nos foi dada, que é essencialmente apática, excessivamente temerosa e extremamente passiva, agravado pelo facto de vivermos num país que nasceu de um sistema centralizado (que foi abandonado apenas nos papéis, mas as mentes continuam lá), cooptante e intolerante - o comunismo. Que castrou e mutilou a proactividade, a liberdade criativa, que criou dependência e que incutiu nas mentes dos angolanos que a ignorância é sabedoria e sabedoria é ignorância. Que exercer cidadania é ser inimigo da paz. Que questionar a governação é pôr em causa a segurança do estado, etc.


Nós apregoamos lutar e aspiramos a construção de uma sociedade actuante, cidadãos que vêm e expressam o líder em si, ao modelo do cidadão-governante. Somos portanto, parte da Geração da Mudança. Aspiramos a Transformação Social e a Refundação do Estado Angolano. Este processo se consubstancia em três eixos fundamentais, na filosofia dos 3 Us:


1. UNIDADE - um lembrete de que não vamos construir um país baseado na vingança, no revanche, na intolerância ou na anulação do outro, haja o que houver.

2. ULTERIDADE - um lembrete de que precisamos de um Projecto Político Filosófico de Nação, que esteja muito acima dos anseios individuais ou grupais. Que esteja acima do imediatismo político. Uma ideia de nação, um backbone onde as gerações actuais e futuras possam construir e adicionar o seu bloco e, assim eternamente.

3. UBUNTU - um lembrete à construção e empenho pelos valores africanos. Os valores da solidariedade africana, os valores da hospitalidade, da afro-identidade e da percepção de que nós somos porque os outros (africanos e não africanos) são.

A Transformação Social implica:

− Participação cidadã e o exercício pleno da cidadania, desmistificando e despolitizando o conceito de cidadão, cidadania e participação cívica;
− Fim da ditadura e de todas as fontes (legais, sociais ou políticas) que sustentam a sua manutenção, criando-se uma verdadeira abertura política e pluralidade.
A Refundação do Estado Angolano implica:
− O estabelecimento incondicional do Contrato Social;
− O estabelecimento de uma verdadeira Reconciliação Nacional assente na constituição de uma Comissão de Verdade para o perdão mútuo e amnistia pelos possíveis crimes contra a humanidade e de guerra, desde 1961 até à data actual, envolvendo todos actores políticos e sociais desde então;
− Estabelecimento de um Pacto de Nação visando uma amnistia aos crimes económicos e sociais, cometidos desde que somos nação, mediante condições.

Os nossos agradecimentos


Para finalizar, queremos agradecer a todos. Aos nossos advogados, às organizações nacionais e internacionais, às individualidades nacionais e internacionais, governos, políticos e outros que corajosa e bravamente nos apoiaram e de diversas formas nos ajudaram a enfrentar toda a desumanidade, privações e injustiças despoletadas pela ditadura eduardista!

O nosso muito obrigado!

Luanda, 17 de Agosto de 2016

Os Activistas Implicados no Processo 15 + 2
1. Afonso Mayenda João Matias "M´banza Hamza
2. Albano Evaristo Bingo Bingo
3. Arante Kivuvu Italiano Lopes
4. Benedito Jeremias Dali "Dito Dali"
5. Domingos José João da Cruz
6. Fernando António Tomás "Nicolas Radical"
7. Henrique Luaty da Silva Beirão
8. Hitler Jessy Tchiconde "Hitler Samussuku"
9. Inocêncio António de Brito
10. José Gomes Hata "Cheick Hammed Hata"
11. Laurinda Manuel Gouveia
12. Manuel Chivonde Baptista Nito Alves
13. Nelson Dibango Mendes dos Santos
14. Nuno Álvaro Dala
15. Osvaldo Sérgio Correia Caholo
16. Rosa Cusso Conde "Zita"
17. Sedrick de Carvalho