Lisboa - A Justiça angolana demora às vezes anos a responder aos pedidos de colaboração enviados pelos tribunais portugueses, tanto na área penal como na área civil. No entanto, na justiça civil o tempo médio de resposta diminuiu de forma significativa nos últimos três anos. Segundo a Direcção-Geral da Administração da Justiça, por onde passam uma parte destes pedidos, o tempo médio de resposta passou de quase um ano em 2013, para 52 dias no ano passado.

Fonte: Publico

Em causa estão situações como um pedido para as autoridades angolanas inquirirem uma testemunha que vive em Angola e é relevante para um processo a decorrer nos tribunais portugueses ou o interrogatório de um suspeito que se encontra naquele país africano. Por vezes, o que se pretendem é tão só que as autoridades angolana notifiquem um residente naquele país de uma acção de divórcio ou de um pedido de indemnização intentado contra si nos tribunais portugueses.

 

Esta cooperação será importante para o desfecho de processos mediáticos, como a Operação Marquês, onde um dos suspeitos foi constituído arguido e interrogado em Angola ou para o caso de corrupção que levou à detenção de um procurador suspeito de ter recebido luvas na ordem das centenas de milhares de euros para arquivar um inquérito que visava o actual vice-presidente de Angola, Manuel Vicente.

 

Segundo dados da Procuradoria-Geral da República (PGR), na área criminal, foram enviadas, entre 2013 e 2015, 204 cartas rogatórias, o instrumento jurídico através do qual são feitos os pedidos de cooperação entre dois países. Em 2013 foram transmitidos 79 pedidos, no ano seguinte 54 e o ano passado 71. Tal significa uma média anual de 68 cartas rogatórias nesses três anos.

 

O valor é ligeiramente superior aos pedidos de cooperação feito nos processos cíveis, segundo os dados da Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ), que contabiliza o envio de 158 cartas rogatórias em três anos. No entanto, este organismo faz questão de ressalvar que nem todos os pedidos de cooperação feitos na área cível passam por si. “Os dados apurados apenas se referem aos pedidos para cujo envio foi solicitada a intervenção da DGAJ pelos tribunais nacionais, não reflectindo os pedidos remetidos directamente pelos tribunais nacionais à Justiça de Angola”, realça a instituição.

 

Sobre o tempo de resposta, a DGAJ adianta que em 2013 houve cartas rogatórias que demoraram quase três anos a serem cumpridas e que, nesse ano, a resposta mais rápida demorou um mês. A média desse ano ficou-se pelos 353 dias, um valor que desceu para os 52 dias no ano passado. Em 2015, a resposta mais demorada já se ficou pelos sete meses.

Três anos para cumprir carta rogatória

Na área criminal, a PGR não avança com um tempo médio, sublinhando que “uma carta rogatória para uma notificação exigirá muito menos tempo e recursos do que o pedido de diligências de investigação”. Mesmo assim, dá alguns exemplos: um pedido enviado a 8 de Janeiro de 2013 que em Maio deste ano, três anos e quatro meses mais tarde, ainda não estava cumprido. A PGR nota também um exemplo de rapidez, como uma carta rogatória remetida em Junho de 2015, que em meados de Novembro, cinco meses mais tarde, já tinha sido devolvida a Portugal.

 

Questionada sobre quais os países que demoram mais a responder aos pedidos de colaboração das autoridades portuguesas, a PGR refere “o Reino Unido, pela diferença de sistemas jurídicos, e estados africanos ou sul-americanos (com excepção do Brasil)” que diz “evidenciam alguma demora na execução dos mesmos”.

 

O oficial de Justiça Luís Rasoilo tem dois casos em tribunal, ambos com pedidos de cooperação para Angola, que aguardam há meses por serem cumpridos e não se mostra optimista. “A experiência diz-me que levarão anos a serem cumpridas, se o forem”, afirma ao PÚBLICO. Conta que no tribunal onde trabalha, em Vila Nova de Gaia, recentemente um juiz desistiu de um pedido para inquirir uma testemunha em Angola, já que a solicitação já tinha quatro anos e continuava sem resposta.

 

Sobre as demoras, João Traça, membro da comissão executiva da Câmara de Comércio e Indústria Portugal Angola, defende que é preciso “ter em conta a diferença de desenvolvimento sócio-económico entre Angola e Portugal”. E acrescenta: “Com melhores telecomunicações, mais formação dos profissionais, mais estradas, serviços públicos mais eficientes, redes e estruturas de informação devidamente estruturas é sempre mais fácil praticar uma justiça mais célere”, sustenta. O dirigente, que também é advogado, explica que a simples entrega de uma carta em Angola pode ser uma verdadeira dor de cabeça: “Os mapas nem sempre estão bem organizados, as moradas são, por vezes, pouco precisas, as estradas são de difícil acesso”.

 

João Traça acredita que nos últimos anos muita coisa evoluiu em Angola, como os correios, o acesso à internet e os serviços públicos online, mas diz que ainda há “um caminho longo” para progredir.

Angola pede muito menos ajuda a Portugal


Os números mostram que a Justiça Angola pede muito menos ajuda aos tribunais portugueses, tanto a nível criminal como civil. Entre 2013 e 2015, foram recebidos em Portugal 27 pedidos na área penal e 44 na área civil, segundo dados da PGR e da DGAJ. João Traça vê a diferença com normalidade, lembrando que os tribunais portugueses têm mais meios e recursos mais sofisticados que os angolanos. “Embora esteja prevista a aprovação de um novo código penal para breve, presentemente em Angola ainda se continua a utilizar o mesmo Código Penal que no período anterior à independência, e que tinha sido aprovado no século XIX!”, exemplifica. O membro da câmara de comércio acredita que as demoras são “a parte visível de um sistema longe de ser perfeito e não propriamente o resultado de um processo de intenções ou decisões políticas”, admitindo, no entanto, que possa existir uma ou outra situação em que houve o objectivo de dificultar o cumprimento das diligências.

 

O advogado Rui Patrício, que tem experiência em casos de cooperação judiciária internacional, nomeadamente com Angola, acredita que o êxito destes pedidos depende fundamentalmente de três aspectos cumulativos: a natureza e a qualidade das relações entre os estados requerente e requerido, a vontade do estado requerente e as suas regras internas e, sobretudo, a qualidade, o cuidado e o rigor do próprio pedido. O advogado sustenta que há outros mecanismos de cooperação para além das cartas rogatórias “eficazes e alguns mais simples e mais céleres”. “Não se pode pensar e actuar no século XXI com os quadros mentais do século XIX, como as vezes ainda parece acontecer”, defende.