Luanda  - 1. RAZÃO DE ORDEM: Como é consabido não somos militantes do direito penal na perspectiva do ius puniendi, sendo que por isso pedimos licença aos ilustres protagonistas deste metie para que na medida da transversalidade do direito nos seja permitido fazer abordagem de uma pequena faceta dos quesitos que podem emperrar a aplicação da lei em voga nos termos como o temazamos.

Fonte: Club-k.net

Com efeito, visualizamos dificuldades para os magistrados no momento da aplicação dos efeitos jus – económicos prefigurados no n.º 2 do art. 4.º da vertida Lei, donde podem resultar dúvidas insanáveis para a aplicação da legalidade penal ínsita na Lei e no Direito Penal pela nebulosidade querida como sendo um falso problema. Nisto se reforça este nosso esforço.

2. CONCEITUAÇÃO

Façamos antes a conceituação deste quisito: A amnistia, em linhas gerais, é o acto jurídico institucional do Estado, geralmente do Poder Legislativo, através do qual o Estado renuncia à imposição de sanções ou extingue as sanções já pronunciadas. Como está na origem semântica do termo – a palavra “anistia”, como “amnésia”, deriva do grego amnestia, que significa esquecimento – provoca um “esquecimento” das infracções cometidas, isto é, cria uma ficção jurídica, como se as condutas ilícitas nunca tivessem sido praticadas.


Portanto, a amnistia extingue as consequências de um facto que em tese seria punível e, consequentemente, qualquer processo sobre ele, sendo por isso tomada, às vezes, como uma medida ordinariamente adoptada para pacificação dos espíritos pós-motins ou revoluções, podendo ser considerado como sendo um perdão geral.


Apesar da nossa Constituição – art. 62.º e 244.º da CRA - não apresentar qualquer diferenciação e definição de amnistia, a doutrina jurídica distingue duas espécies de amnistia:


- Amnistia Penal; aquela que extingue a responsabilidade penal para determinados factos criminosos, enquanto decisão do Estado de não punir as pessoas já condenadas ou que podem vir a ser condenadas por certos actos praticados, que são tipificados como crimes. Este tipo de amnistia tem como objectivo evitar a punição, para os casos em que já tenha havido uma condenação penal pelo Tribunal, estendendo-se somente para alguns tipos de crimes, não exclui a responsabilidade civil, além do que foi amnistiado não pode o amnistiado vir a ser considerado reincidente.


- Amnistia Tributária e Previdenciária; aquela que extingue as infracções de natureza administrativa dos contribuintes, sem abranger as eventuais crimes ou contravenções previstas na Constituição ou no Código Tributário. Ela tem como objectivo diminuir a carga fiscal das empresas e é concedida mediante lei específica do órgão legislativo do Estado – Assembleia Nacional, que instituiu os respectivos tributos ou contribuições amnistiadas.

3. TIPO DE AMNISTIA CONTIDA NA LEI DA AMNISTIA DE ANGOLA

Não será difícil verificar que o tipo de amnistia prevista na Lei da Amnistia é a Penal, não afectando no seu seio a amnistia Tributária ou Previdenciária, pois a presente Lei da Amnistia, na sua ratio e mens juris, visa a extinção geral da responsabilidade penal para determinados factos criminosos e a decisão do Estado em não punir as pessoas já condenadas ou que possam vir a ser condenadas por certos actos praticados e que sejam tipificados penalmente.

Sendo a amnistia aqui visada a Penal, dela podemos retirar algumas consequências jurídico–penal em sede do ius puniendi:


I. Evitar a punição, para os casos em que já houve a condenação penal pelo Tribunal com ou sem trânsito em julgado;


II. Extinguir o processo judicial (em instrução preparatória, contraditória ou em discussão e julgamento), para os casos em que as pessoas submetidas aos actos judiciais não tenham sido ainda condenadas;


III. Evitar que o processo seja instaurado em sede da instrução preparatória, para os casos em que os indivíduos suspeitos da prática dos crimes ainda não tenham sido processados judicialmente.


Em obediência aos princípios da legalidade (art. 67.º, 29.º, 195.º da CRA), da igualdade (art. 22.º, 23.º, 57.º, n.º 2, CRA), da proibição da aplicação retroactiva e analógica na norma penal, da imparcialidade, da confiança (art. 57.º, n.º 2 CRA), e mais outros que iremos verter mais abaixo, todos os crimes indicados na lei foram amnistiados e, por conseguinte, devem todos os que os cometeram serem sujeito aos efeitos da lei: Amnistiados de facto, termos que os que estiverem presos por estes crimes devem ser soltos por meio de mandato de soltura casuístico.


Dúvidas não há de que todos os crimes visados amnistiar sejam, em verdade, crimes de natureza económicos, termos que a nossa análise se reforça também.


Este nosso argumento está assente na ideia de que, em respeito aos princípios fundamentais do Direito Penal, os efeitos da referida Lei são também de aplicação automática (ou imediata), não se submetendo os actos do magistrado do processo à necessidade de quaisquer outras formalidades que não ao casuísmo da necessidade administrativa a zelar e prover o mandato de soltura casuístico.


Esta mesma verdade está também velada nos actos a praticar pelo M.º P.º em sede da sua função de garante da legalidade e das medidas cautelares aplicadas por meio da Lei das Medidas Cautelares, maxime, as interdições de saída do país que são tantas. Neste iter impõe-se verter que para aqueles casos em que ao M.º P.º incumbiu a aplicação/controlo/fiscalização, em face da Lei da Amnistia deviam prover a sua aplicação imediata, mesmo porque também administram os processos em sede da especialidade da sua actividade.


4. OS INCONVENIENTES DA APLICAÇÃO DA LEI DA AMNISTIA - ANÁLISE EM RESUMO

Apesar da amnistia penal geral que fundamentamos no que vertemos, há um grande problema que merece atender porque a lei o aponta em sede dos crimes patrimoniais com condenação indemnizatória, maxime, o n.º 2, in fine, do art. 4.º quando diz que “…., o benefício da amnistia ou perdão é concedido mediante reparação ao lesado pelo período de até um ano”.


Está aqui prefigurado o grande problema que resulta da inamnistia que a lei estende aos crimes conexos ao não excluir a responsabilidade civil e ao facto de que o amnistiado não pode ser considerado reincidente. Quid iures em sede da aplicação da lei nos crimes amnistiados quando:


- Sabemos que a maioria dos crimes entre nós são de natureza patrimonial e, nas sentenças condenatórias, estão neles prefigurados a indemnização?


- Sabemos que muitos reclusos não podem ser soltos há anos porque não têm como pagar a caução e assumir as indemnizações e, por isso, revertem isto em tempo de mais estada na cadeia?


- Sabemos que, estando presos a cumprir pena, não têm como pagar as indemnizações e os seus crimes não são transmissíveis aos seus familiares?


- Sabemos que não têm como conseguir rendimentos ao serem soltos para pagarem as indemnizações em um ano?


- Sabemos não ter sido claro aqui o legislador ao impor tal mandato, donde que sem quimeras in dubio pro reo?


Ora, em sede dos princípios já prefigurados aqui e do facto de que a amnistia penal torna inaplicável a norma primária ao caso a que ela se refere, extinguindo-se por completo a pena e os seus efeitos, ela é irrevogável, uma vez que a sua eventual revogação equivaleria à imposição retroactiva e, mesmo, analógica, das penalidades prejudicando-se o réu ou o condenado em violação ao principio in dubio pro reo.


É neste sentido que no caso de dúvida suscitada pela última parte do n.º 2 do art. 4.º da Lei da Amnistia ao afirmar que a cessão da amnistia depende da “reparação ao lesado pelo período de até um ano…”, nada repudia a soltura do recluso como prefigurado pela Lei, mesmo porque a acção indemnizatória prefigurada no art. 5.º conjugado com o citado n.º 2, do art. 4.º, nos faz ver que, ainda em sede dos princípios, sobre estes factos deixa de haver qualquer acção penal ou qualquer competência do foro penal para acautelar este efeito, donde que, com a soltura do recluso, até um ano de não reparação, a cobrança segue a acção cível, em respeito do princípio ne bis in idem e, repete-se, in dubio pro reo.


Ora, este nosso argumento pode a fortiori descambar em criticas não fundamentadas em sede, repita-se, dos princípios, pois a manutenção do recluso na prisão por não “reparação ao lesado pelo período de até um ano” resultará inconstitucional, ilegal e susceptível de reparação pelo Estado nos termos do art. 62.º e 75.º da CRA.


Outrossim, o dispositivo n.º 2 do art. 4.º da Lei da Amnistia viola o princípio constitucional da igualdade (art. 22.º, 23.º, 57.º, n.º 2, CRA), pois como podem os crimes não submetidos a julgamento/condenados serem amnistiados e sem a obrigação de pagamento de até um ano se, nalguns casos, são de valores tão altos...? como podem somente os "pobres" condenados serem a isto submetidos? Por favor, também aqui este dispositivo não pode ser aplicado como, mas esquecido definitivamente e soltos sem mais crimes os condenados.


Enfim, assenta-se de vez que tanto a amnistia como o perdão judicial, são hipóteses de exclusão da punibilidade, aqui, em sede penal, pois nada impede de o Estado vir através do seu poder soberano e por meio de uma Lei amnistiar (apagar os efeitos do crime) ou conceder o perdão àqueles que cometeram crimes durante o período de vigência de tais leis.


5. OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL - ALGUNS RELEVANTES


Não podemos deixar de fazer aqui uma aproximação final aos princípios, pois o direito penal só é quando atende, sempre, aos princípios. Isto porque em verdade, o direito penal funciona com o toque constante que impõe aos direitos fundamentais, termos que o operador desta área deve sempre atender aos princípios quando pensa, decide e aplica o direito penal.


Olhando na diagonal este quisito, são os seguintes os princípios do direito penal a selar aqui:
a) Princípio da Legalidade ou da reserva legal;
b) Princípio da proibição da analogia “in malam partem”: Proibição da adequação típica “por semelhança” entre os factos. Muito comum entre nós;
c) Princípio da anterioridade da lei: Só há crime e pena se o acto foi praticado depois de lei que os define e esteja em vigor;
d) Princípio da não retroactividade da lei mais severa: A lei só pode retroagir para beneficiar o réu;
e) Princípio da fragmentariedade da lei penal: O estado protege os bens jurídicos mais importantes, intervindo somente nos casos de maior gravidade;
f) Princípio da intervenção mínima: O estado só deve intervir quando os outros ramos do Direito não conseguirem prevenir a conduta ilícita;
g) Princípio da ofensividade: Não basta que a conduta seja imoral ou pecaminosa, ela deve ofender um bem jurídico provocando uma lesão efectiva ou um perigo concreto ao bem;
h) Insignificância ou Bagatela: donde que a tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico, reconhecendo-se a atipicidade do facto nas perturbações jurídicas mais leves;
i) Princípio da culpabilidade: Só será penalizado quem agiu com dolo e que com culpa tenha cometido um facto tido como crime pela norma incriminadora;
j) Princípio da humanidade: O réu deve ser tratado como pessoa humana;
k) Princípio da Proporcionalidade da pena: que não deve ser superior ao grau de responsabilidade pela prática do facto;
l) Princípio do estado de inocência ou in dúbio pró réu;
m) Princípio da igualdade;
n) Princípio do “ne bis in idem”: É dizer que ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo facto.


DOMINGOS FRANCISCO JOAO (Mitto)
Docente, Advogado e Jurisconsultor
-www.lnjadvogados.com-