Luanda - Até aos dias de hoje… o governo, influenciado com práticas políticas menos democráticas, é como uma luva, e o partido político que o constitui é como uma mão dentro da luva. A luva move-se à maneira da mão; pelo que, o governo simplesmente segue decisões do partido que são transformadas em leis e certifica-se de que as regras são observadas. Assim, bem-estar ou desgraça da sociedade é mais reflexão dos costumes do partido.

Fonte: Club-k.net

Em Julho de 1987, ainda nos tempos do comunismo, o governo de uma Angola em guerra civil e sob ameaça militar sul-africana, deu aval ao começo de “Saudemos Outubro”, uma operação militar em homenagem ao 70° aniversário do triunfo russo bolchevique da Revolução de Outubro de 1917. A acção contaria com a participação das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) e consultores russos que avançariam com as tropas de brigadas que levariam a cabo a ofensiva enquanto outros ficariam em postos de comando estacionados na povoação de Cuíto-Cuanavale e na vila de Menongue – a sede administrativa de Cuando-Cubango, geograficamente a mais vasta das províncias de Angola; Cuíto-Cuanavale, um de seus municípios, situa-se na confluência dos rios Cuíto e Cuanavale, e contava com uma única passagem acessível sobre o rio Cuíto para se avançar na direcção este do território que se encontrava infestado de forças da UNITA. O objectivo da operação era assolar os guerrilheiros no este e sudeste do país e desaloja-los dessas regiões.


A África do Sul emitiu então um comunicado a realçar como as Forças de Defesa Sul-Africanas (SADF) interviriam no conflito se as forças angolanas avançassem a sul e atravessassem o rio Lomba; um grupo de pilotos militares angolanos e cubanos, inclusive Manuel Rojas García, um tenente-coronel da Força Aérea Cubana e então chefe desse ramo na missão militar de seu país em Angola. – Com suas aeronaves, o grupo instalou-se no aeroporto de Cuíto-Cuanavale, a 140km da aldeia de Mavinga – então bastião da UNITA – e a 160km do aeroporto de Menongue, onde contavam com mais aviões e helicópteros. A sua missão era essencialmente não permitir intromissão da aviação das SADF em acções das FAPLA contra a UNITA. Segundo García, no seu livro (Prisioneiros da UNITA nas Terras do Fim do Mundo), em Cuíto-Cuanavale a situação estava relativamente calma. No aeroporto estavam estacionados – o Posto de Comando das brigadas das FAPLA, estações de radiolocalização, artilharia terrestre e antiaérea de vários calibres, grupos de mísseis terra-ar e terra-terra, tanques e outros tipos de armamento – e aterrava pesadas aeronaves quadrimotores de turbo-hélice AN-12, tripuladas por russos, que transportavam combustível, géneros alimentícios e material militar de Luanda, a aumentar as reservas logísticas necessárias para a ofensiva; o cenário animava-se de actividade, um incessante movimento de veículos militares nas ruas e outras vias de acesso –, e um grande estacionamento de tropas. A UNITA, com o apoio de tropas das SADF, começava a reagir à ofensiva e a tomar a iniciativa; a área de concentração das forças pró-governamentais estava sob fogo de artilharia terrestre.


Em aviões de combate, a maioria MiG-21, os homens da aviação começaram a cumprir sua missão desde meados de Setembro, a fazer manobras de reconhecimento e armados com foguetes ar-terra do tipo C-5 de 57 milímetros, a velocidades entre 900-1000km/h, a uma altitude não superior a 200m, o que os proporcionava surpresa no ataque – ao mesmo tempo os expunha ao perigo de serem alvejados pelos guerrilheiros que já possuíam mísseis antiaéreos do tipo Stinger, de origem norte-americana; os guerrilheiros preparavam emboscadas com esse tipo de mísseis, com o qual, meses antes destruíram nas proximidades de Mavinga um MiG-23, tendo o piloto cubano perdido a vida durante a sua ejecção.


À medida que as brigadas (47.ᵃ, 21.ᵃ, e 16.ᵃ) e um grupo táctico, com todo o seu complexo armamento distanciavam-se de Cuíto-Cuanavale em direcção à Mavinga, intensificavam-se os voos, porque essas forças estavam a ser atacadas com mais frequência pela artilharia terrestre dos sul-africanos com os seus canhões de longo alcance, de 155 milímetros do tipo G-5 e G-6 de 25 e 30km de alcance, respectivamente, e várias baterias de artilharia, tipo Valkyrie.


Em algumas missões das forças pró-governamentais, excluía-se o uso dos foguetes de 57 milímetros, e colocava-se debaixo das asas dos MiG-21 quatro bombas de 250kg cada uma – para diferentes tipos de combate, visto que a aviação era mais eficaz com as mesmas nessa zona e infligia aos adversários mais danos materiais e psicológicos, pois possuíam maior raio de destruição; os guerrilheiros, a serem apoiados e aconselhados por militares das SADF que “possivelmente” contavam com soldados de origem namibiana, estavam ávidos de destruir a 47.ᵃ Brigada que tinha atravessado o rio Lomba a 80km a sul-sudeste de Cuíto-Cuanavale e que, na opinião de García, “inexplicavelmente, se encontrava concentrada nas margens do rio numa área muito limitada que não correspondia às normas lógicas, nem para continuar a ofensiva nem para ocupar posições de defesa efectivas”… revela García que, alguns dias mais tarde, começaram a ser detectadas nos radares de radiolocalização do aeroporto e nos das brigadas, incursões de aviões das SADF de origem francesa Mirage – a aproximarem-se perigosamente das posições das FAPLA, com vista a conhecer a capacidade de resposta da aviação pró-governamental. Os sul-africanos estavam receosos, pois sabiam que não era o ano de 1985, quando numa operação semelhante das FAPLA, tinham massacrado, praticamente sem protecção aérea, as forças angolanas que avançavam em direcção a Mavinga, abatendo um grupo de aviões e destruindo a maioria em terra; agora, equipadas com um arsenal antiaéreo moderno, tinham aviões de guerra MiG-23 e estavam melhor organizadas; revela García que, o cenário era o mesmo, mas a experiência assimilada pelos angolanos e a qualidade do arsenal antiaéreo espalhado na região aconselhavam os invasores a calcular melhor os seus passos. Assim, as suas primeiras incursões aéreas foram de reconhecimento da situação e, a 80-100km das posições das brigadas regressavam às suas bases na Namíbia, a 400km da região dos confrontos.


Para as forças pró-governamentais, a situação agravava-se… as reservas de combustível para a operação não eram devidamente respostas; parte do abastecimento de combustível chegava ao aeroporto de Menongue em aeronaves de quatro potentes motores de reacção IL-76, que não tinham sido concebidas para essa tarefa e operavam como se fossem aviões-cisternas, tendo que fazer muitos voos a partir de Luanda para se poder concentrar uma quantidade de combustível aceitável. Os voos dos IL-76 e AN-12 que chegavam ao aeroporto eram escoltados a partir da região de Menongue, sobretudo com os MiG-23, a fim de se afastar possíveis ataques da aviação inimiga, utilizando durante a protecção a essas aeronaves parte do combustível que transportavam.

Transportação de reservas logísticas, inclusive géneros alimentícios e outras providências, como equipamento militar para Cuíto-Cuanavale devia ser feita através dos caminhos-de-ferro e das estradas, mas há muito tempo que os carris das vias-férreas estavam inoperacionais devido à sabotagem pelos guerrilheiros… as tropas e os veículos tinham de atravessar pontes sobre três rios e passar por vários campos de minas ao longo de quase 200km de percurso, e naquela altura sofriam tantas emboscadas e ataques da UNITA, que chegavam demasiado dizimadas; pelo que, o avanço das forças pró-governamentais em direcção à Mavinga decorreu sem estarem devidamente criadas as melhores condições, sobretudo sem ter em conta as tristes experiências de como acabaram outras operações militares naquele território, e com a presença de outros factores em termos de organização e de concepções militares dos consultores russos que correspondiam a outro tipo de época, a outro tipo de guerra e a outro tipo de região.

A assessoria dos russos era mais proporcional a uma guerra convencional entre dois exércitos frente a frente e não um exército contra uma guerrilha, num território que esta conhecia e utilizava com fácil mobilidade. Era difícil prever as acções dos guerrilheiros e saber onde se encontravam as principais concentrações de seus efectivos; estavam em quase todas as regiões das zonas rurais. As SADF avaliaram as condições das forças pró-governamentais e compreenderam como podiam tirar proveito dessas desvantagens. Ao início de Outubro começaram a desencadear incursões esporádicas e a atacar as posições das FAPLA, mas a altitudes superiores a 4,000m, perdendo precisão nos seus ataques; à maneira russa, as baterias antiaéreas angolanas reagiam.


A nossa aviação afligia-se de dificuldades em responder efectivamente aos ataques dos invasores: a rotação, no motor de um MiG-21, em regime de potência máxima consome 250L de combustível por minuto; com abastecimento máximo de 3,000L cada – as aeronaves não podiam se manter no ar em missões de patrulha, e por falta de condições de camuflagem adequadas nem podiam se manter no aeródromo mais próximo à zona de guerra; a maioria dos MiG-23 estava estacionada no aeroporto de Menongue, a 150-180km da região dos confrontos, o que não garantia eficácia na contenção da aviação inimiga quando esta atacava as brigadas, pois os nossos aparelhos necessitavam entre 10-12 minutos para chegar à linha da frente. Quando um grupo de aviões inimigos voava relativamente próximo de acessos de posições em terra das brigadas das forças pró-governamentais e eram captados tardiamente pelos nossos radares, colocar os MiG-23 no ar a partir de Menongue era ineficaz para impedir ataques contra essas forças… na tarde de 25 de Setembro, a UNITA bombardeou com intensidade as posições da 47.ᵃ Brigada, que incorreu inúmeras baixas, entre as quais um morto e dois feridos russos.

Uma parelha de aviões com pilotos angolanos levantou voo alguns minutos depois e não conseguiram localizar as posições de fogo dos guerrilheiros, mas a ofensiva cessou; mais aviões descolaram para vigiar a área e evitar outro bombardeamento contra a brigada – enquanto esta recuperava do ataque sofrido. Sob o prosseguir da patrulha aérea, o comando angolano decidiu enviar dois helicópteros que tinha para evacuar um grupo de feridos, incluindo os russos. “Inexplicavelmente”, após terem levantado voo, as pás de ambas as aeronaves, devido a um “inacreditável” erro dos seus tripulantes, colidiram umas nas outras; a queda e avaria total dos aparelhos deixaram a operação sem helicópteros, não só para se evacuar os combatentes terrestres, como para a missão de salvamento e resgate de pilotos, que era uma das suas principais tarefas. – Os consultores russos decidiram então utilizar os seus próprios pilotos de helicópteros, que estavam em Luanda para evacuar as suas baixas, uma missão que requeria transferir por ar os helicópteros – por razões de segurança para os seus tripulantes – por quase toda a margem marítima, desde Luanda até Lubango e depois até Cuíto-Cuanavale, por várias escalas durante o trajecto numa travessia superior a 1,500km. Durante dois dias houve tantas mensagens entre a chefia da 47.ᵃ Brigada, o Posto de Comando de Cuíto-Cuanavale e Luanda para organizar essa evacuação que, até o último soldado em Pretória sabia da operação que tinha sido planejada. Nessa altura estava de visita ao aeroporto Carlos Lamas Rodríguez, um coronel – chefe da Defesa Antiaérea e Força Aérea Revolucionária (DAAFAR) da Missão Militar Cubana em Angola, a quem os russos pediram escolta aérea durante a evacuação. Rodríguez, a dirigir a operação a partir do Posto de Comando, ordenou a organização de apoio directo aos helicópteros com dois MiG-21, e inicialmente a utilização de uma esquadrilha de MiG-23 estacionados em Menongue, a baixa altitude, para armar uma emboscada e surpreender os pilotos sul-africanos que com toda a certeza iriam intervir para evitar o salvamento.


À tarde de 27 de Setembro, levantaram voo os dois helicópteros com pilotos russos para a evacuação do seu pessoal e de outros feridos angolanos; García, e Ramón Quesada Aguilar – um capitão da Força Aérea Cubana, ligaram os motores de suas aeronaves MiG-21 para dar cobertura aos helicópteros rumo à região da 47.ᵃ Brigada e no seu regresso ao aeroporto. “Inexplicavelmente”, ao começar a rolagem em direcção à pista, a roda do trem principal esquerdo do avião de García caiu numa vala molhada e ficou atolado; após várias fracassadas tentativas de sair da vala, inclusive acelerando o motor ao máximo de sua potência, teve que o desligar e solicitar os serviços de um camião. Utilização de um veículo brasileiro de tipo Engesa não resultou; o avião nem se mexeu – imediatamente a seguir foi disponibilizado um camião russo do potente tipo Ural (Kamaz) que, além de ter tirado o avião da vala quase o arrancou do solo.


O voo de escolta tinha se atrasado quase 15 minutos –, finalmente os aviões estavam no ar e a 80km de Cuíto-Cuanavale já estavam em cima dos helicópteros à altitude de 3,000m – fora da altitude de alcance máximo dos mísseis portáteis Stinger em posse do inimigo. A partir daquele momento foi tudo muito rápido… Quando os helicópteros aterraram para o salvamento, os pilotos comunicaram por rádio que, durante a viagem, tinham sido atingidos com disparos de rifle; os MiG-21 desceram até aos 2,500m mas não se conseguiu localizar posições de fogo do inimigo. Os helicópteros estavam por baixo, mas o plano previsto visava descer abaixo de 2,500m apenas se se detectasse forças guerrilheiras, pois sabia-se, com toda a certeza, que a UNITA tinha emboscadas preparadas com mísseis portáteis nas proximidades da área de salvamento… Tensos, a tentar detectar a posição adversária, García e Quesada ouviram a informação do Posto de Comando transmitida pelo controlador de trafego aéreo, capitão Ricardo López Castillo… seis aviões sul-africanos à 60km da área de salvamento voavam na direcção da brigada. – Por instantes, García e Quesada esqueceram os helicópteros, mas estava tudo previsto; quatro aviões MiG-23, que minutos antes levantaram voo de Menongue e se mantinham a baixa altitude para não serem captados pelo inimigo, foram enviados para interceptar os Mirage.

A escolta comunicou sua intenção de voar ao encontro dos aviões inimigos, pois tinha pendurados debaixo das asas das aeronaves – além de 32 foguetes de 57 milímetros para ataques terrestres, 2 mísseis ar-ar do tipo R-60, mas recebeu a ordem de se manter sobre os helicópteros até cumpir a sua tarefa… Acabou por se dar o encontro dos caças com os Mirage; dois MiG-23 sob orientação de um major – Alberto Ley e com um capitão – Chávez Godoy, travaram o confronto a grande velocidade contra dois Mirage… Ao fim de várias manobras, Ley atingiu um Mirage que foi se destruir na aterragem de emergência na pista de seu aeródromo; o piloto, ferido, ficou paraplégico.


A escolta ouvira por rádio o desenrolar do combate e manteve-se afastada dos helicópteros, na provável direcção por onde podiam aparecer outros Mirage para os atacar, alerta para repelir o ataque; talvez o abate do Mirage e escassez de combustível dos caças desencorajaram outras possíveis intenções dos pilotos sul-africanos. Após a aterragem dos MiG-23, a escolta manteve-se no ar à velocidade económica à espera que os helicópteros aterrassem; durante a viagem de regresso, estes voltaram a ser atingidos com tiros de rifle mas a escolta nem sequer se apercebeu. Todos em terra, entre gestos de felicitação pelo sucesso da operação, abriu-se uma garrafa de champagne – cedida por um russo – e porque foi o primeiro avião inimigo abatido por um cubano noutras paragens.


Quase ao anoitecer, numa aeronave AN-24, García acompanhou o coronel Rodríguez e as baixas russas até Luanda. Ao fim de dia e meio, García regressou a Cuíto-Cuanavale num MiG-21; a aviação continuou a cumprir missões de apoio às brigadas, que desde meados de Outubro não tinham conseguido continuar o seu avanço devido à resistência persistente da UNITA, e estavam praticamente estagnadas na defensiva, sujeitas à intermináveis ataques dos guerrilheiros que conheciam melhor o terreno. Escassez de géneros alimentícios e demais providências agravou-se nas brigadas e era complicado enviar abastecimento por terra pois havia grupos da UNITA a tomar posições na sua retaguarda e a ameaçar cercá-las por completo, obstruindo-lhes as vias de acesso terrestre; era uma situação difícil e não houve solução rápida e possível que proporcionasse assistência efectiva à 47.ᵃ Brigada que devido à características da paisagem enfrentava até dificuldade em se retirar rapidamente, na eventualidade de a situação se agravar; além disso, aumento de ataques de artilharia e de outros meios da UNITA causavam mais prejuízos às suas tropas e ao armamento – e debilitavam o seu espírito combativo… Começou então a surgir informações contrárias ao Posto de Comando sobre ataques à brigada vindas de várias direcções, e esta sofria dezenas de baixas, pois, o espaço de terreno em que estava concentrada “não correspondia ao volume de equipamento que possuía para organizar uma defesa terrestre efectiva, e nos últimos dias a UNITA tinha incrementado os ataques com canhões ao cair da noite e também de madrugada, pois sabiam que na pista dos aviões das forças pró-governamentais não havia meios que possibilitassem voos nocturnos, o que lhes encorajava em atacar as brigadas àquelas horas sem se preocupar com a aviação; iluminação no aeródromo serviria de ponto de referência adicional para os ataques nocturnos com canhões do inimigo e para a actividade de outros possíveis grupos”… por fim, a aniquilação total da 47.ᵃ Brigada acabou por se consumar.


A 11 de Outubro continuou a surgir mensagens contraditórias ao Posto de Comando com sinais de pânico e previsão do seu final apocalíptico, uma situação que acabaria por se confirmar durante a noite desse mesmo dia; assim que se estabeleceu comunicação via rádio com eles, ouviu-se claramente a confirmação de que a brigada tinha sido derrotada, sofreram muitas baixas e os seus operativos tinham se dispersado desorganizadamente pela região, após a UNITA ter feito centenas de prisioneiros e ocupado o lugar. García participou numa reunião nocturna no Posto de Comando onde foi realçada a situação da 47.ᵃ Brigada; responsáveis angolanos ali presentes com seus consultores russos não tiveram qualquer hipótese de reverter a situação, e ninguém comentou sobre o destino do grande volume de equipamento abandonado pela brigada. Pediu-se a García que no dia seguinte, de manhã cedo, organizasse um reconhecimento aéreo sobre o cenário do desastre; em cumprimento de sua tarefa, García e um seu companheiro angolano, António Jesus levantaram voo em seus caças e, foram então testemunhos excepcionais do caso de um prejuízo inconcebível… todo o arsenal abandonado: tanques, camiões de várias dimensões, veículos com mísseis terra-ar, terra-terra e outros tipos de armamento…


Diz García que, ficou perplexo ao ver tantos veículos e material de guerra em plena selva. “Era quase inimaginável como tinham chegado até ali, dada a topografia do terreno e as poucas vias de acesso”, disse o cubano, “inicialmente não avistámos guerrilheiros, mas durante uma viragem detectamos grupos de pessoas a correrem em várias direcções; não as atacamos porque receámos bombardear alguns restos das nossas próprias forças dispersas. Sem pensar nas consequências, estive prestes a largar as minhas bombas em cima de parte do equipamento abandonado, que constituía um alvo perfeito e inofensivo, mas não tinha essa ordem e, por fim, faltou-me decisão para o fazer”.


Avança García que, estava convencido que, pelo menos naquela faze, as FAPLA não teriam a oportunidade de substituir aquela quantidade de armamento e muito menos transferi-lo em tempo lógico – de Luanda ou Namibe, onde estavam os seus portos mais seguros, para aquela região que se encontrava a mais de 1,000km de distância. Após a aterragem, apesar do relatório de García e seu companheiro, nesse mesmo dia também não foi tomada qualquer decisão sobre o que fazer com o equipamento abandonado pela brigada que tinha ficado indefesa; ouviu-se várias opiniões e discussões sobre a decisão a tomar e, prevaleceu o critério dos que acreditavam na possibilidade de se enviar forças da 21.ᵃ Brigada, que estava a 10-15km do lugar, para recuperar o material perdido; “eu que conhecia e tinha tropeçado em determinados momentos nas dificuldades subjectivas e objectivas que entorpeciam o cumprimento das missões em Angola sabia, com toda certeza, que ninguém era capaz de organizar naquele momento e naquela região o resgate de um volume tão colossal de armamento”, admite García. Apesar de assistir à uma reunião na qualidade de observador, coincidiu com um grupo que aconselhou destruir o mais depressa possível o equipamento abandonado, recorrendo ao bombardeamento pela aviação, “antes que a UNITA se apoderasse do mesmo”. Rejeitou-se a informação que García e seu companheiro transmitiram sobre indícios reais de que a UNITA estava a transferir o equipamento para as suas bases no sul e, no dia seguinte, enviou-se outros dois aviões pilotados por angolanos para se convencerem do que já era evidente. Movimentou-se uma parelha de MiG-21 prontos a descolar caso fosse tomada a decisão de se começar a destruir o equipamento militar abandonado; a ordem nunca foi dada.


Numa tarde de finais de Outubro, García e Quesada num MiG-21 UTI (bilugar), a voar à baixa altitude estavam numa operação de reconhecimento e ataques à posições dos guerrilheiros na zona de Luonze, a 12km a sudoeste de Luvuei, Moxico, quando eles mesmos foram surpreendidos com um míssil Stinger que destruiu a aeronave… ejectaram numa área de habitual actividade da UNITA e das SADF. Capturados pelos guerrilheiros que os deteriam por 10 meses antes de os devolver à Havana através de mediação de Abidjan, Cote D’ivoire, Jonas Savimbi viria a ter um encontro pessoal com García, a quem disse muitas coisas incríveis. Savimbi afirmou que passava a maior parte de seu tempo junto de seus homens nas operações de luta; “neste preciso momento, tenho o meu Posto de Comando a 20km da frente de Cuíto-Cuanavale enquanto que os dirigentes do MPLA e as altas chefias militares das FAPLA deixam os seus homens sozinhos e se mantêm em Luanda”, disse o então líder da guerrilha, uma piada que levou García a lembrar-se de que, ‘foguetão’, o então chefe das tropas das forças pró-governamentais que combatiam em Cuíto-Cuanavale, tinha o seu Posto de Comando em Menongue, a mais de 200km do cenário dos confrontos.


Apesar da derrota das SADF em Março de 1988, incorremos prejuízos que poderiam ter sido evitados. Alguns anos antes de 1987, numa difícil atmosfera psicológica como consequência de uma conspiração contra Kundi Paihama, então Ministro do Interior, em que um de seus adjuntos terá dito que não queria subordinar-se a um “bailundo”, uma referência pejorativa a pessoas provenientes do sul do país, esse raro patriota angolano, um soldado resoluto viria – a ser exonerado do referido cargo para assumir o de Ministro da Segurança do Estado e, posteriormente, em 1981 – indicado como comissário (governador) de Benguela, então em renhida disputa militar. Por iniciativa de Paihama, tivera sido criada uma unidade de forças militares que constituíram um batalhão cujos operativos, chamados “Onças da Montanha”, atenuaram severamente a actividade dos guerrilheiros nas regiões entre Benguela e Huambo. Ao se desintegrar o referido batalhão, as “onças da montanha” já tiveram estado a ‘vaguear’ na região de Góvi, a sul de Huambo, próximo ao nordeste de Huíla e sul do Bié… Menongue, Cuíto-Cuanavale, e Mavinga, não estavam muito distantes; se as implacáveis ‘onças’ tivessem sido espalhadas pela selva a perseguir os guerrilheiros, estes não teriam a hipótese de persistir nas suas acções de obstrução à operações cubanas cujo objectivo era essencialmente contrapor as SADF. Assolar a UNITA, restaurar o funcionamento dos Caminhos de Ferro de Benguela (CFB) – concentrar reservas logísticas no Huambo e utilizar seu aeroporto proporcionaria ao esforço da guerra maior vigor, e a derrota dos invasores teria se consumado em 1987, ou antes, e não em ’88. “Já ninguém nos consegue vencer”, afirmou Savimbi; “até 1978 poderíamos ter sido derrotados, mas os dirigentes do MPLA dedicaram-se à boa vida, a passear em França e outros países, enquanto que nós fomos criando bases sólidas e aperfeiçoando a nossa situação militar”. O longo período de guerra causou à nação uma série de prejuízos que poderiam ser evitados, inclusive as proporções na destruição de infra-estruturas e na desorganização da sociedade.


Segundo Mao Tsé-Tung, o revolucionário chinês, “guerra é política com derramamento de sangue, ao passo que, política é guerra sem derramamento de sangue”, uma coincidência com o slogan do MPLA que, em tempos de paz, diz – “a luta continua!”, pois a política é um processo e a oposição persiste. O modus operandi do MPLA dá a impressão de que, dizer “a luta continua!” não passa de uma farsa; a realidade é outra. A UNITA, que está de parabéns por ter sobrevivido às consequências de intrigas que teve com o governo e à aflição que a morte de seu ex-líder causou, está a reverdecer, repito… a UNITA está a reverdecer e a ganhar muito mais do que espaços geográficos que perdera nos dias em que incorreu derrotas militares… essa força política está a ganhar espaços mentais um pouco por todo o país. Porém, a ressurgência da UNITA e o crescimento da popularidade de Abel Chivukuvuku/André Mendes de Carvalho são problemas do MPLA e não do povo; a nação angolana somente enfrenta problemas com os sul-africanos que, no contexto de integração regional na África Austral, disputam a reputação de domínios cultural, económico, evolução político-militar e, essencialmente, social –, apesar de a nossa sociedade ter poucas hipóteses de competir com a sociedade mais civilizada do continente; o outro desafio é assustador... uma discreta campanha de expansão do islamismo, cujos operativos já estão entre nós, disfarçados de agentes de “intercâmbio e desenvolvimento socioeconómico”; os árabes, tradicionais promotores do islamismo, caluniam o Ocidente e, a falar da era colonial e de casos de tendências de neocolonialismo como males, querem passar a falsa ideia de que são eles os amigos dos africanos; despertai! Em conformidade com a World Book Encyclopaedia (Livro Enciclopédico Universal), em finais de 1,700 e nos anos de 1,800 os árabes expandiram consideravelmente o tráfico de escravos e, entre 1832 e 1873, a ilha de Zanzibar, na África Oriental, era um mercado de escravos onde muitos africanos oriundos da então Tanganyika eram vendidos. – Angola, por agora, além do seu processo político interno, está sujeita a assumir simultaneamente os dois desafios externos, sendo o profissionalismo no processo interno o segredo de um valoroso espírito de disputa com os estrangeiros.

O que fazer?

Um responsável pelo serviço sociopolítico deve, com o seu exemplo no trabalho, granjear autoridade; deve conhecer a população de sua jurisdição administrativa, os seus pensamentos e anseios, as condições de sua vida em casa, para se evitar a influência alheia de elementos oposicionistas locais e estrangeiros, para se proporcionar circunstâncias em que o cidadão possa progredir.


Estar mais perto do povo, juntos com o povo, à frente do povo –, eis o primeiro preceito do servo social em geral e do responsável pelo trabalho político em especial; deixar os súbditos à sua sorte pode resultar em consequências graves como é a triste história da “47.ᵃ Brigada”… Assimetrias em condições sociopolíticas são susceptíveis de acirrar desassossego social; a mais provável causa de excessos nos casos de desigualdades sociais que se repercutem em assimetrias regionais em Angola não é a situação geográfica de Luanda; há uma série de causas desse problema… um regime estatal discretamente acomodado em egoísmo, tribalismo e regionalismo, orgulho impulsivo. – Todas as atenções – assuntos sociopolíticos, económicos etc., tudo por Luanda, em detrimento de Angola como um todo. Há em Luanda alguém mais racional do que os europeus que pretendiam transferir para Huambo as instalações da administração colonial em Angola? Os portugueses devem ter reconhecido que, era, de modo mais possível, necessário aproximar o processo político à todas as regiões de Angola, a então jóia da coroa do Império Luso do século XX, para melhor servir as populações locais; só abdicaram da ideia porque temiam que, administrar este território a partir de uma sede remota no seu interior constituiria um sério perigo relativamente à questões de sua própria segurança como estrangeiros, colonialistas cuja presença era cada vez mais contestada pelos autóctones; pelo que, decidiram permanecer em Luanda considerando que a sua localização geográfica proporcionava melhores condições de embarque e desembarque, inclusive mais seguras possibilidades de controlo da actividade comercial por mar e, em caso de necessidade, rápida aquisição de meios de auxílio coercivo à acção política. Politicamente, a situação geográfica de Huambo proporciona à essa região um valor estratégico único e indispensável; a não ligação com o mar não constitui dificuldade à desenvolvimento sociopolítico… casos exemplares incluem urbes europeias como Berlim, Moscovo, Paris, etc.; por cá, na África Austral, outros exemplos incluem Windhoek, Pretória, etc. Pensar que, entre milhões de angolanos, somente alguém e seus seguidores acomodados em Luanda é que são estrategas políticos – é um aspecto de esquizofrenia, ilusão. Actualmente, a reputação de Luanda não passa do que foi no passado – o mais avançado posto de comando revolucionário à nível continental, cujo vigor emitiu a vibração à qual o antigo regime de apartheid na África do Sul não pôde resistir; no campo sociopolítico, com o poder cobiçosamente concentrado, Luanda não tem o potencial de ser uma capital política capaz de levar o país à prosperidade.

O saudoso presidente António Agostinho Neto, o próprio fundador da nação já tivera tido alguma sensibilidade em relação à necessidade que pairava, de se colocar alguns membros do governo central em outras províncias para ajudar no controlo da execução de tarefas inerentes ao Estado; pelo que, em 1987, responsável pelo Ministério do Estado para a Inspecção e Controlo Estatal, Kundi Paihama fora informado pelo presidente José Eduardo dos Santos que, seria o primeiro ministro a residir fora de Luanda e, enviado para se instalar no Huambo com a responsabilidade das províncias do Bié, Benguela, Cuanza-Sul e do próprio Huambo. – Outra vez nomeado como Ministro da Segurança do Estado, esse patriota acumulou os cargos; Paihama viria a ser envenenado cá no Huambo… Um livro (General Kundi Paihama, uma história de batalhas e conquistas) sobre esse raro filho angolano da Huíla não diz quem tentou o assassinar –, é mais provável que o atentado à sua vida tenha sido planejado entre os conspiradores no próprio regime; mas é possível que a conspiração tenha sido uma criatividade de indivíduos do governo local ou de espiões da UNITA; previamente, em 1981, no dia em que Kundi Paihama chegou a Benguela como comissário, um capitão da UNITA almoçou no palácio do governo.


Penso verdadeiramente que, se a normalidade de estado de saúde desse homem não fosse obstruída, a sua sensibilidade em relação ao sentido de tarefa, à seriedade de propósito e, ao sentido de valor pessoal – de qualquer forma seria crucial na resolução de um conflito armado que teria terminado no século XX, pois a sua personalidade influenciava o modo de agir de Jonas Savimbi. Lumbandi, como também é chamado, viria assumir as responsabilidades de Ministro da Defesa nacional, tarefa que assumiria escrupulosamente até aos dias da conquista da paz definitiva; os discretos invejosos tribalistas do regime, idiotas, devem ter se consumido de ciúmes por não ter sido eles a assumir a nobre tarefa atribuída ao homem que orgulha-se de ser do sul, “homem de Quipungo”. Infelizmente, pela lei da vida, todo ser humano está destinado à fase da vida em que o sol começa a se pôr… refiro-me à velhice e à degeneração fisionómica. Aos jovens que desejam ser bons cidadãos, pessoas dignas de respeito, sugiro que Kundi Paihama, uma entidade incorruptível –, é digno de modelação; penso que, se a nação está a ser mal dirigida, a governação tende a ser medíocre, é porque os demais integrantes do regime não são humildes o suficiente para se inspirarem em pessoas exemplares como esse compatriota, um antigo amigo de Agostinho Neto, que acreditava que o mais importante era resolver os problemas do povo. É triste, esse governo, uma instituição na qual o som tem mais velocidade do que a luz, emitir mais discursos e menos acções práticas, e fingir se preocupar com o povo durante campanhas eleitorais… os que se diz serem servos políticos recolhem votos através do país para se beneficiarem em Luanda; não concordo com eles em como dirigem o país. Quanto aos meus concidadãos que dizem haver motivos para se absterem do processo eleitoral, penso neles com profunda simpatia e compreensão… votar e não vivenciar os benefícios não faz sentido.


Como uma atitude de fidelidade à verdade, devo realçar que, num processo eleitoral, em situação de desilusão com uma escolha político-partidária, a decisão mais certa a se tomar não é estagnar-se numa tradição de identidade com este ou aquele partido, mas sim reconhecer a seriedade de um programa eleitoral, independentemente do partido que o propor; pois, numa sociedade civilizada, o mais importante não é o prestígio de um partido político, mas sim o bem-estar da mesma. Enquanto alguns em Luanda persistirem na mania de negligência que, por sua vez, causa problemas de excessos de desigualdades sociais, deve-se fazer algo com o propósito de se livrar o país dessa desgraça. É verdade que, em nenhum país do mundo é possível satisfazer as necessidades de todos, e até porque as necessidades das pessoas são insaciáveis –, mas é um dever e não um favor – um governante, um servo político, garantir que, pelo menos, a maioria dos cidadãos seja agraciada com condições básicas de existência. Aqui ainda há casos em que até sobrevivência é difícil.


Enfim, enquanto o MPLA tem problemas com visão, audição e prudência –, nós avançamos, e para os indecisos, aconselho que, não há nada de errado em se pensar em alternância e escolher um outro partido.


Inácio Vilinga_ autodidacta em Política, e assuntos russos desde 1999.