Luanda - Mais uma proeza foi realizada por Centro de Integração Pública (CIP), com um debate de extrema importância, sobre a temporalidade/longevidade do Eng.º José Eduardo dos Santos na governação de Angola. Obviamente que esta temática para além de ser sensível e complexa é também de grande relevância política e histórica.

Fonte: Club-k.net

A participação dos intervenientes foi crucial, com rigor e tenacidade (Economista José Matuta Cuato e Eng.º Pedro Lourenço). Matuta Cuato, um analista político já conhecido da nossa praça, cujos textos sobre a situação política e económica do país nos órgãos de imprensa (Semanário Manchete, Semanário O País e Club K) tem contribuído muito para fortificação do debate sobre democracia e o estado actual da economia em Angola. Eng.º Lourenço, foi igual a si mesmo, com um estilo que nos habituo nas suas intervenções na Rádio Despertar mas com uma visão pertinente e animador sobre a temática que “acendeu” os ânimos da plateia. Agora pergunto, a luz da contabilidade histórica e político-constitucional, será mesmo que o Presidente José Eduardo dos Santos está a 37 anos a governar Angola na qualidade de um Estado Democrático de Direito, assente numa democracia pluripartidária e economia de mercado? Para responder esta pergunta e esclarecer os factos, é necessário primeiramente, olharmos para cartografia da história real de Angola e o contexto, posteriormente, fazermos uma interpretação político-constitucional justa e coerente desta situação.

ENQUADRAMENTO POLÍTICO-HISTÓRICO E AS ELEIÇÕES PRESIDÊNCIAS E LEGISLATIVAS DE 1992: O LEGADO DIFÍCIL E CONTURBADO

Com a conclusão, em 1976, daquilo que ficou registado por “Segunda Guerra de Libertação Nacional” e ao longo destes primeiros anos da República, fora adoptado por inteiro a ideologia marxista-leninista e o modelo político-económico da economia centralmente planificada. Portanto, os cânones do marxista-leninismo visualizam-se em todos os sectores da sociedade angolano, como é óbvio, a Constituição Revolucionária de 1975 e todo sistema político e jurídico-constitucional reflectiam estas mudanças. De 1979, após o passamento físico do Presidente Neto em Moscovo, Presidente Eduardo dos Santos assumiu o leme governativo do País e direcção do seu Partido (MPLA). Ora, deste período até anos 1990, Angola vivia o período monolítico, com ausência total de princípios estruturante da democracia participativa, eleições competitiva e pluripartidária. Portanto, com as mudanças no contexto internacional e interno, o Governo da RPA sentiu a necessidade, de adoptar as mudanças e abraçar a democracia.


Em 1992, depois de um longo processo de sucessivas negociações, as quais remontam aos Acordos de Nova Iorque (em 1989), posteriormente os Acordos de Bicesse (em 1991), Angola viveu as primeiras reformas político-constitucionais com abertura á economia de mercado. Sendo estas reformas, fundamento directo a realização nos dias 29 e 30 de Setembro as eleições, onde participaram 11 candidatos presidenciais e 18 partidos políticos, mais de 800 observadores que representaram as Nações Unidas (NU), governos estrangeiros (EUA, França, Africa do Sul, Bélgica, Alemanha e Canadá), a comunidade europeia e ainda os observadores internacionais independentes, observadores regionais, onde contava-se uma afluência de 91,34% dos eleitores angolanos. O discurso destes observadores fora unânime, as eleições democráticas em Angola fora livres, justas e transparentes, resultantes da instauração de um novo regime, consubstanciada na consagração constitucional de um Estado Democrático e de Direito na senda da nova Lei-Constitucional prevista nos Acordos de Bicesse. Portanto, nestas eleições como esta registado nos documentos históricos e várias literaturas, participaram nas eleições legislativas, o MPLA teve para o Parlamento 55,07% (129 deputados) e a UNITA 33,45% (70 deputados). Nas presidências, José Eduardo dos Santos averbava 50,83% e Jonas Savimbi aglomerou 39,39%.


Face a estes resultados iriam a segunda volta os dois candidatos mais votados (Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi). A luz destes resultados adverso à UNITA, o processo democrático em Angola não sobreviveu a sua primeira prova de fogo. Jonas Savimbi e a UNITA, não aceitaram os resultados eleitorais, acusando o MPLA e a CNE que orquestração de fraude eleitoral generalizada em conluio com os observadores internacionais que muitos deles na altura eram os seus parceiros estratégicos. Jonas Savimbi “financiou ou melhor pagou” a maior parte dos partidos pequenos (fundados na véspera da década 90/91) entrando na dança da acusação política de fraude eleitoral e venderem o discurso de que o Candidato Eduardo dos Santos e o MPLA queriam tomar de assalto o Poder Político. Jonas Savimbi desencadeou uma nova guerra civil que mergulhou o país por completo numa recessão económica aguda e muito mais violento conflito armado, ocupando e mantendo em seu Poder grandes cidades, tendo tomado cinco das 18 capitais provinciais (Caxito, Huambo, M’banza Congo, N’dalatando e Uíge) ao mesmo tempo que submetia outras (designadamente Cuíto, Luena e Malange) a cercos prolongados de bombardeamentos de artilharia pesada, da qual resultou, lamentavelmente, mas sem qualquer dúvida, um imensurável banho de sangue fratricida entre os angolanos, onde as estimativas sugerem mais de 500 mil angolanos foram mortas durante esta fase. Com isso, seguiu-se a destruição de infra-estruturas, as estradas, transportes, pontes, comunicações e instalação de minas terrestres em grande escala por todo país. Aqui é necessário enfatizarmos, e fique patente, que durante estes acontecimentos (1992 a 2002), houve uma interrupção do processo democrático, eleitoral e normativo-constitucional.

ERRO DA CONTAGEM POLITICO-CONSTITUCIONAL: JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS NÃO ESTÁ A 37 ANOS NO PODER

De 1979 a 1991, reflectindo outro contexto, um regime em que o processo democrático e processo de legitimação popular não era previsto, na qual a Constituição de 1975 era clara no seu artigo 33.º, onde estabelecia o processo de cooptação que segundo a qual “no caso de morte, renúncia ou impedimento permanente do Presidente da República, o Conselho da Revolução designará de entre os seus membros que exercerá (…) o cargo de Presidente da República”. Com isso, subentende-se tecnicamente que, com a democratização em 1990/1991, quebrou-se os princípios paradigmáticos e constitucional da forma de substituição ao cargo de Presidente da República. Portanto, o processo constitucional tecnicamente começou do zero, e todos os candidatos estavam em mesma posição de contagem eleitoral. A Lei n.º 23/92, de 16 de Setembro foi bastante expressiva na primeira parte do artigo 59.º, advogando que “o mandato do Presidente da República tem a duração de cinco anos e termina com a tomada de posse do novo Presidente eleito”.


Ora, o facto de não realização da segunda volta das eleições presidenciais, bem como a solução legal que deveria ser dar a tal acto ou situação. E o que agudizou ainda mais a situação, foi a própria Lei Eleitoral n,º 5/92, de 16 de Abril, não clarificava ou definia o trato que se deveria dar legalmente a situação caso o mesmo ocorre-se. Tal acto abriu dois precedentes de extrema relevância: 1) Com a desistência de JONAS SAVIMBI, o JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS devia ou deveria ser declarado tecnicamente vencedor pelo CNE ou Tribunal Supremo nas vestes do Tribunal Constitucional e tomasse posse. A partir daqui reconheceria a legitimidade constitucional do JOSÉ EDUARDO como Presidente da República e imputasse os limites de duração de mandatos. 2) Com a não realização da segunda volta das eleições presidências ou outras eleições, JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS deve ou deveria “inquilinar” o cargo do Presidente da República sem que tome ou tomasse posse. Porque a tomada de posse é que confirma/confirmaria e legitima/legitimaria constitucionalmente o exercício do Poder e das funções presidências estabelecidas na Carta Magna.


No entanto, não havendo ou tendo sido concluída a eleição jurídico-constitucionalmente regulada e nos termos do artigo 5.º da Lei n.º 23/92, que aprovou a Lei-Constitucional, o mandato do Presidente da República (…) àquela data prorroga-se até à realização efectiva de novas eleições de que saia ou sairia eleito o Presidente. O que colocou o problema no nosso sistema jurídico-constitucional não se terem verificado mandatos presidências com inicio em sufrágio conclusivo. Portanto, não havendo finalização da eleição presidencial e por essa razão não houve nenhuma tomada de posse. Logo, não se pode contar mandato presidencial que não houve. Deste modo nada podia impedir que o cidadão JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS se candidata-se ao pleito eleitoral de 2012, e em termos de contagem jurídico-constitucional considera-se como sua primeira candidatura.


Olhando para os factos históricos e explicação político-constitucional, JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS, nunca tomou posse, nunca foi declarado tecnicamente vencedor das eleições presidenciais de 1992, como não havia novo presidente, ninguém tomou posse, por força de dispositivos constitucionais alternativos, tinha que inquilinar o cargo até a tomada de posse do novo Presidente. O processo da “inquilinação político-constitucional” do Cargo do Presidente da República não lhe retiraria a possibilidade de apresentar-se às próximas eleições presidências como se fosse pela primeira vez. Como houve nenhum processo de eleitoral ou a realização da segunda volta das eleições presidências, a sua candidatura do cidadão JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS, terá de ser visto, para efeitos de contagem de mandatos futuros como constitui-se o primeiro mandato. Logo não se pode contabilizar 37 anos no Poder, se foi a primeira vez que concorreu foi em 2012 nas Eleições Gerais (com um processo eleitoral conclusivo), ganhou as eleições através do voto popular, voto dos angolanos para conduzir os destinos de Angola. Tomou posse e o seu mandato termina em 2017, isto depois da tomada de posse do novo Presidente de Angola eleito pelos angolanos. Agora advogar constitucionalmente que o JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS está 37 anos a governar seria uma falácia e injustiça constitucional.

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* Politólogo & Jornalista