Luanda - Na essência, a política é uma ciência social, bastante complexa, com valores e princípios diversos e contraditórios, visando o poder público, como «condição sine qua non», para que um «projecto político», de uma formação politica, seja materializado e realizado na prática. Noutras palavras, o objectivo estratégico da política é o alcance do poder público, através do qual se torna viável pôr em prática o «ideário político partidário», que se consubstancia num Manifesto eleitoral ou num Programa de Governação.

Fonte: Club-k.net
A política moderna, assente nos valores e nos princípios democráticos, baseia-se essencialmente na diversidade, na pluralidade, no multipartidarismo, no sufrágio universal e na alternância democrática. A aceitação desses princípios e valores, que se acaba de enunciar, se afirma a presença do contraditório, da tese, da antítese e da síntese.

A antítese, que é a base do contraditório, é a figura de retórica pela qual se exprime a oposição entre dois termos ou duas proposições. Sendo, neste caso, a título de exemplo, os ricos e os pobres.

Nesta lógica, os ricos e os pobres constituem um contraste que se opõem reciprocamente, defendendo interesses divergentes, cuja síntese se situa na classe média, que supera as duas classes, na sua configuração social.

Noutras palavras, a antítese, em termos filosóficos, é uma negação de um termo ou de uma especulação anterior, cuja lógica contraria os factos dos fenómenos análogos. Em função disso, como fundamento filosófico, de acordo com o Immanuel Kant (filosofo alemão, 1724-1804), a antítese é uma proposição negativa das «antinomias da razão pura».

Enquanto o Friedrich Hegel (filosofo alemão, 1770-1831), a antítese é o segundo momento do processo dialéctico, que nega o primeiro, ou tese, e que contribui para o emergir da síntese, que supera ambos. Noutras palavras, a dialéctica é o pensamento lógico, que se baseia no processo pelo qual o pensamento (que se confunde com o ser) se desenvolve segundo um ritmo ternário: tese, antítese, síntese.

Repare bem que, o «contraditório», surge como antítese ao «absolutismo», assente na «metafisica», que considera tudo como emanação do absoluto, sendo este, ao mesmo tempo, causa e objecto. Este processo de pensamento, da razão pura e absoluta, esteve na origem do surgimento do sistema de governação em que imperava a vontade do chefe – transformando-se numa ditadura, numa tirania, num despotismo, ou num sistema autoritário.

Portanto, embora o percurso filosófico do pensamento dialéctico tivesse sido sinuoso na sua manifestação teórica e na sua afirmação prática, ele constitui a génese da democracia pluralista, assente na diversidade de ideias, na competividade, no sufrágio universal e na alternância, como forma de fazer valer a vontade da maioria, resultante do contraditório político.

O contraditório, reflectido no multipartidarismo, permite fazer o juízo adequado da qualidade dos candidatos e da viabilidade dos programas e dos manifestos eleitorais, como frutos dos «ideários» das organizações politicas – em disputa. Ou seja, este processo de pensamento dialéctico, assente na diversidade, na competividade, no contraditório e na alternância, servira de base fundamental das transformações sociais, das reformas económicas, das conquistas cientifico-tecnológicas, e das mudanças políticas profundas do sistema politico, desde Pré-história, à Idade Média, até a época contemporânea, em que a democracia plural se afirmara como sendo o melhor sistema politico de governação.

Logo, o Conceito filosófico assente na «razão pura e na razão absoluta» tornou-se dominante nos círculos da Esquerda, bem como da Direita, cuja identidade ideológica, embora contraditória, mas pugnavam pelo mesmo sistema politico, isto é, Monopartidário. Esta corrente ideológica tivera sido abraçada e defendida por vários partidos tradicionais, na época da luta pelas independências da Africa, da América Latina e da Asia.

No caso especifico de Angola, os três Movimentos de Libertação de Angola (FNLA, MPLA e UNITA) não foram uma excepção, na sua afirmação politico-ideológica. Esta ideologia, assente no pensamento único, na razão pura e na razão absoluta, bem expresso acima, desempenhou o papel decisivo nas rivalidades antagónicas entre os três Movimentos de Libertação de Angola, que sustentara o conflito armado prolongado e atroz. A sua substância teórica e material mante-se inalterada – permanecendo válida até aos dias de hoje.

Se observar bem os «conceitos ideológicos» dos dois partidos históricos (MPLA e UNITA), notará uma identidade ideológica nas suas teses fundamentais, quanto ao exercício do poder público. O MPLA defende ser o «único» que reúne todas condições para continuar a governar o país – a todo custo. Ao passo que, a UNITA, por sua vez, se considera como sendo a «única força política» no país, capaz de substituir o MPLA e assumir o poder do Estado.

Como vedes, a identidade ideológica dos dois partidos tradicionais reside no «factor único», como pressuposto determinante do exercício do poder público, em Angola. Por graça, os dois partidos históricos anulam-se reciprocamente, considerando-se como inimigos eternos, que não pode aproximar-se e encontrar um espaço comum de convivência e de coexistência pacífica.

Ao passo que, a democracia multipartidária, as formações políticas, embora divergentes, mas no interesse nacional, são capazes de conviver juntas e de servir os interesses do povo e do país, se a vontade dos eleitores ditar assim. Na República Federal da Alemanha, por exemplo, as duas principais correntes politicas, que se opõem diametralmente, e que governam o país alternadamente desde 2ª Guerra Mundial, são: O Partido Conservador (CDU-CSU), e o Partido Socialista (SPD).

Porém, acontece que, nas eleições gerais de Setembro de 2013, a composição do Parlamento Alemão é de 631 mandatos, distribuídos da seguinte forma: Partido Conservador: 311 mandatos. Partido Socialista: 193 mandatos. Partido da Esquerda: 64 mandatos. Aliança 90/os Verdes: 63 mandatos. Suponhamos que o Partido Socialista optasse pela formação do governo de coligação com os dois partidos minoritários, teriam o total de 320 mandatos, correspondente a 50.7%. Contra 311 mandatos do Partido Conservador, que faz 49.3%.

O que significaria que, a diferença entre os partidos do governo e o partido da oposição seria apenas de 9 mandatos, que representa 1.4%. Na base desta equação, da falta da maioria confortável, haveria o impasse legislativo. Tendo a incapacidade legislativa no Parlamento haveria a obrigação de realizar eleições antecipadas, como tem acontecido sucessivamente na Espanha.

Logo, no interesse nacional, no sentido de criar um clima de estabilidade politica e económica, com o funcionamento pleno dos órgãos de soberania do Estado, os dois maiores partidos divergentes (CDU-CSU e SPD), com doutrinas ideológicas bastantes opostas, decidiram formar uma «grande coligação», que está a governar o país desde 2013.

À luz desta cultura política, de flexibilidade e de tolerância, colocando sempre os interesses nacionais acima dos interesses partidários e particulares, é bem provável que surja nas eleições de 2017 um governo coligado entre a CASA-CE e UNITA; entre o MPLA e UNITA; ou entre CASA-CE e MPLA, na última instância. Isso não constitui tabu nenhum, como alguns sectores da sociedade angolana têm estado a fazer campanhas sistemáticas de desinformação e de diabolização dos seus adversários políticos, por estar a perder o terreno – atrás da corrida.

Alias, na História de Angola, em 1975, após os Acordos do Alvor, já houve o Governo de Transição, composto por FNLA, MPLA e UNITA. Em 1997, após os Acordos de Lusaka, tivemos o GURN, composto por vários partidos, incluindo o MPLA e a UNITA. Angola registou vários Acordos Bilaterais entre o MPLA e a UNITA.

O diálogo entre os dois partidos históricos nunca cessou e os compromissos assumidos continuam válidos. Isso explica a disponibilização (pelo MPLA, à UNITA) de grandes somas de dinheiro, em 2012, como parte dos Acordos assumidos em Bicesse, em Lusaka e no Luena, na Província do Moxico. Em 2012, a UNITA se encontrava em condições financeiras dificílimas, quase em falência, incapaz de realizar um Congresso. Este pacote volumoso, em forma de compensação, vinha numa altura propícia, como uma lufada do ar fresco.

O «timing» e o «objectivo estratégico» desta cedência, por parte do MPLA, são questionáveis. Mas, de qualquer forma, fazia parte da estratégia política do MPLA, no surgimento da CASA-CE, que constitui um fenómeno novo, com capacidade enorme de alterar o status quo, que vinha prevalecer desde da luta anticolonial.

Os dois partidos históricos, parceiros de vários Acordos da Paz, têm interesses comuns de defender os seus espaços políticos conquistados com muito sacrifício, com muito suor e com muito sangue derramado. Isso é lógico e justo, à luz da ciência politica, que não se apoia na utopia ou no mundo imaginário.

Na verdade, a CASA-CE é vista como adversária séria e bastante robusta, na visão estratégica dos dois partidos históricos, que buscam perpetuar a sua identidade ideológica, assente na razão pura e absoluta. Além disso, através de vários Acordos (alguns secretos) Bilaterais, entre MPLA e UNITA, existe uma base vasta e solida de aproximação e de identidade politico-ideológica entre os dois partidos históricos.

Que acho, ser muito positivo, desde que não seja escamoteada e não desse a impressão contrária daquilo que de facto existe. A título de exemplo, o Projecto da criação da UNITA-RENOVADA tivera sido forjado em Lusaka, entre os negociadores da UNITA e do MPLA, à margem da Mesa Negocial, com beneplácito da Tróica dos Observadores.

Esta estratégia, da criação da UNITA-RENOVADA, visava o isolamento internacional da UNITA, a eliminação física do Presidente-Fundador, e a capitulação da UNITA do Muangai. Esta conspiração politica, urdida em Lusaka, era do conhecimento pleno da Direcção da UNITA, que fez com que houvesse reticências ao Líder da UNITA, no Huambo, em proceder à assinatura do Protocolo de Lusaka. Enfim, há muita coisa que está bem escondida no fundo do Mar, que um dia virá à superfície.

Não obstante, a questão fundamental, nesta época contemporânea, é a dinâmica da democracia plural, que obriga a inovação constante à luz das transformações profundas que ocorrem no país e no mundo. Os partidos políticos não dependem de si próprios, mas sim devem saber fazer leituras objectivas e realistas dos fenómenos sociais, e obedecer escrupulosamente à vontade do povo, através dos eleitores, que votam nas urnas.

Pois, «a vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos». Isso é que interessa, e que deve ser salvaguardo, numa democracia plural, de competividade renhida, feita num ambiente transparente, justo, leal e igual. Todavia, se um partido politico pensar que, de uma forma abstracta e arbitrária, é o único que representa a vontade do povo e que deve governar, estaria na lógica da razão pura e da razão absoluta. Contrariando, deste modo, a cultura da diversidade, da competividade, do contraditório e da alternância democrática, que concedem a legitimidade e a representatividade do exercício dos poderes públicos.

Em suma, o processo do pensamento científico não tem fim, sempre desenvolve à medida que surgirem novos fenómenos e novas realidades. Neste ambiente dinâmico, em que o mundo está sujeito aos factores da globalização, o pensamento político evolui qualitativamente, em busca de soluções científicas e viáveis.

Pois, as premissas antigas, de uma certa época, de uma realidade específica e concreta, podem tornar-se caducas e inviáveis para corresponder bem aos desafios presentes. Estamos perante esta realidade no nosso país, em que os desafios do país, a consciência dos angolanos e as suas exigências estão muito além da visão dos partidos tradicionais, que ainda vivem no passado, sem capacidade de inovação, de adaptação e de democratização interna. Vivendo na ilusão, no mundo utópico, não tendo capacidade de fazer leituras objectivas e realistas da conjuntura nacional e internacional.

Luanda, 10 de Outubro de 2016