Lisboa - Há um Presidente desaparecido em África. Rumores, diz o seu Governo. Verdade e transparência, pedem os cidadãos. O chefe de Estado do Malawi, Peter Mutharika, aterrou em Nova Iorque a 16 de Setembro, onde participou na Assembleia Geral da ONU, que acabou no dia 26. Desde então, não só não regressou a casa como não foi visto em público.

Fonte: Publico

Mutharika, de 76 anos, é Presidente desde 2014. Não se lhe conhecem doenças, mas a maioria dos rumores refere que estará nos Estados Unidos para fazer tratamentos médicos – os líderes africanos, muitos com idades avançadas, têm por hábito tratar-se no estrangeiro (por vezes, na mesma altura em que prometem melhorar as condições dos serviços de saúde nos seus países, como aconteceu já este ano com o Presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari, que tratou uma infecção a uma orelha no Reino Unido).


Depois de muitos diz que disse, e quando já estava animada a discussão no Twitter, organizada com o hashtag #BringBackMutharika (a partir do #BringBackOurGirls, usado para apoiar as meninas nigerianas raptadas pelo Boko Haram e pressionar as autoridades para tentarem a sua libertação), o Governo do Malawi decidiu publicar um comunicado, onde se garante que o estado de saúde do Presidente “é muito bom e robusto” e se recorda que espalhar rumores “infundados, maliciosos e doentios” é um crime.

 

 

Espalhar o pânico

 

“Difundir rumores falsos sobre a saúde do Presidente é um crime e a não ser que este comportamento pare, o Governo não vai hesitar em levar à justiça todos os que estão por trás destes boatos irresponsáveis que visam claramente espalhar o medo e o pânico entre os cidadãos responsáveis e cumpridores da lei”, lê-se no texto assinado pelo ministro da Informação, Malison Ndau, na página oficial do Governo no Facebook. Antes, em letras maiúsculas, para ninguém ter dificuldades em perceber: “IGNOREM OS RUMORES; O PRESIDENTE ESTÁ ÓPTIMO”.

Os cidadãos não se ficaram e basta ler os comentários ao post de Ndau. “A pergunta de um milhão ainda não teve resposta e torna todo este comunicado inútil”, escreve um. “O que é que ele está a fazer nos EUA e quando é que ele regressa? Que deveres oficiais são estes que não podem ser mencionados?”, interroga-se.

Domingo?


Entretanto, o Governo já anunciou a data de regresso. Mutharika vai voltar no domingo, dia 16 de Outubro, garantem os seus ministros. Em Washington, a embaixada do Malawi recusou responder a vários pedidos de comentários de diferentes media.

Apesar da boa saúde aparente do Presidente, ninguém esquece que o seu irmão morreu de ataque cardíaco quando estava na presidência, em 2012 (Bingu wa, o terceiro chefe de Estado do país, chegou ao cargo em 2004).

E claro, há todo o historial de líderes africanos que não admitem doenças enquanto se tratam longe dos olhares dos cidadãos que deveriam governar. Para além do nigeriano Buhari, há o caso do argelino Abdelaziz Bouteflika, de 79 anos, que raramente aparece em público desde 2013 (já esteve internado por longos períodos, nomeadamente em França); o de Paul Biya, o líder com 83 anos dos Camarões, que passa grandes temporadas na Suíça; ou o líder há mais tempo no poder, Robert Mugabe, de 92 anos – em Setembro, saiu do Zimbabwe sem que o destino fosse anunciado e a oposição política garantia que estava morto. “Sim, é verdade. Morri e ressuscitei, como sempre”, disse, depois do regresso do que terá sido uma visita ao Dubai para visitar o filho.

Mutharika também tem filhos, três, que vivem, precisamente nos EUA. Mas a ausência de uma explicação razoável para o atraso no regresso ao seu país não vai contribuir para pôr fim às especulações. A assessora de imprensa do Presidente, Mgeme Kalilani, diz que ele tem estado a participar “em vários assuntos de Governo”. Mas agora o Parlamento do Malawi exige ser informado de todas as despesas desta viagem, do chefe de Estado e de toda a equipa.

O Big Man é infalível


“Os princípios da transparência e da responsabilização obrigam-no a explicar por que é que decidiu abruptamente ficar nos EUA mais tarde do que o que tinha sido comunicado”, disse à Associated Press Robert Phiri, director da organização que reúne os grupos religiosos do país. Phiri lembra que o Malawi tem experimentado “uma crise económica”. Na verdade, trata-se de uma seca que está a devastar o país e já deixou 6,5 milhões de pessoas com fome (a maioria permanece viva graças a doadores que a revista Economist descreve como “cada vez mais exasperados”) numa população de 16 milhões.

“Eles estão a enfrentar desafios humanitários catastróficos”, descreve um responsável ocidental à mesma revista. “Precisamos que o Governo se concentre nos assuntos importantes.”

Mutharika pode estar a tratar de assuntos de Estado, de férias (com dinheiro que faz falta ao seu país) ou doente, com ou sem gravidade. Não há como saber, pelo menos até domingo. “O Big Man [em Ciência Política, o corrupto que está à frente de um regime totalitário ou autocrático] não é apenas o único a concentrar a sabedoria no país, também se espera que seja infalível”, diz à Economist Boniface Dulani, cientista político da Universidade do Malawi. “Dizer ‘estou doente’ pode enfraquecer a imagem do Big Man.”