Lisboa - Na altura, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) atravessava uma crise interna e, em maio de 1974, surge a "Revolta Ativa" - uma ala dissidente que reivindicava a democratização do movimento e entrou em rota de colisão com o líder António Agostinho Neto. O nacionalista angolano Adolfo Maria integrou a "Revolta", com Gentil Viana, entre outros militantes.

Fonte: DW

"Foi uma rutura muito dolorosa para mim, sob todos os pontos de vista, inclusive pessoal", conta Adolfo Maria, que era muito próximo a Agostinho Neto, o primeiro Presidente de Angola. "Mas é uma questão de coerência. Vi que o caminho está errado e que não podia continuar só por fidelidade e lealdade a uma pessoa. Não! Eu próprio discuti muitas vezes com o presidente Neto, dizendo que não estava de acordo."


Já na altura a mudança se impunha, diz. Adolfo Maria protestava contra a instauração daquele "regime totalitário, que por subordinação externa, do Leste, adotou o chamado modelo socialista, sem que para tal tivesse elementos para montar esse sistema. Não havia um partido comunista forte, não havia inclusive quadros para dirigir uma economia estatizada e estatal."


A "Revolta Ativa" foi perseguida pelo regime angolano. Uma operação da polícia política DISA resultou na detenção de vários elementos contestatários considerados incómodos.


Adolfo Maria foi alvo da repressão naquele período, e cita o nome de Nito Alves, ligado aos acontecimentos de 27 de maio de 1977: "As pessoas que fizeram o '27 de Maio', sobretudo o Nito Alves, ele era dos mais repressivos do movimento. Ele próprio encabeçou a luta contra a 'Revolta Ativa'. Portanto, eles tinham a mesma lógica. Se eles ganhassem iam fazer o mesmo. Agora, não há dúvida nenhuma que a direção [do MPLA], sobretudo o presidente Neto, não hesitou em decretar uma repressão fortíssima que se traduziu em milhares de mortes."

Angola seria hoje um país efetivamente democrático se, desde o período da luta de libertação, o MPLA tivesse seguido outro caminho, frisa o nacionalista angolano.


"Certas opções económicas teriam resultado em menos recuos", afirma. "Houve depois a guerra, é certo, mas antes disso já a economia estava toda destroçada, desmantelada por erros de opções e mesmo de governação."

Poesia do tempo de auto-cárcere


Adolfo Maria acaba de lançar um novo livro, "Angola no Tempo da Ditadura Democrática Revolucionária", que considera ser a última etapa de uma catarse de uma vida marcada por momentos intensamente dramáticos nos primeiros anos após a independência de Angola, em 1975.


"Era do MPLA, da luta armada de libertação nacional. Nós fizemos a dado momento um movimento de contestação exigindo da direção do MPLA mais democracia, a revisão da estratégia que estava errada e que nos tinha conduzido a uma situação de impasse total na luta armada. Depois da independência, os nossos companheiros que chegaram ao poder castigaram-nos. Como? Cinco meses depois mandaram-nos prender", sublinha.


Adolfo Maria conseguiu fugir e esteve escondido durante cerca de três anos. Foi num ambiente de profunda solidão que, procurando preencher o tempo ao fim de oito meses de auto-cárcere, começou a fazer poemas e romances. Neles estão expressos vários estados de alma: "Algumas vezes, de revolta pela situação de injustiçado. Outras vezes, de doutrina, pensando sobre o mundo e os porquês de ideais revolucionários degenerarem em situações como aquela; outras vezes são evasões, são delírios - quer evocando amores antigos, quer arquitetando amores."


Passados quase quarenta anos, o livro traz algumas notas sobre a "Revolta Ativa" ou sobre o "27 de maio de 1977".


Na opinião de Adolfo Maria, ainda falta fazer mais estudos sobre esse período da história de Angola. Seria ainda necessário que houvesse, por parte dos intelectuais que sempre apoiaram a direção do MPLA, "uma maior abertura de espírito para realmente analisarem o fenómeno."


"Não foi por acaso que [a 'Revolta Ativa'] apareceu", refere. "Há razões objetivas para isso, de toda a ordem: sociológicas, políticas, etc."


Segundo o nacionalista angolano, os estudos têm sido impedidos por atitudes preconceituosas ou por receios de investigar um período que, tal como os acontecimentos do "27 de Maio", ainda é tratado como um "tabu".