Luanda - Já há algum tempo que o signatário não olhava com a necessária atenção para o desempenho desta instituição pública chamada "Prémio Nacional da Cultura e Artes (PNCA)", criada no ano 2000, tendo o seu regulamento sido revisto pela primeira vez em 2005, com a retirada, nomeadamente, da banda desenhada da categoria da literatura, para passar a integrar a ampla prateleira das artes plásticas, ombreando com a pintura, escultura, cerâmica/tecelagem e fotografia artística.

Fonte:O Pais

Foi exactamente o prémio atribuído na categoria das artes plásticas ao " Núcleo dos Jovens Angolanos de Banda Desenhada" que mais chamou a nossa atenção este ano para o desempenho do PNCA, 16 anos depois do mesmo estar na estrada.


E chamou a atenção do nosso "Observatório" por razões que não são muito simpáticas para quem, na nossa apreciação, teve a responsabilidade de tomar esta decisão.


Estamos como é evidente diante de uma manifesta injustiça que parece encobrir outras razões que a própria razão desconhece, mas que não são tão difíceis assim de descobrir, de inventariar.


É só descodificar a mensagem, na linha das várias intolerâncias que se alimentam no espaço amplo da liberdade de expressão, onde apesar de já não ser "técnicamente" possível o regresso ao passado, se continuam a movimentar conhecidos “espadachins” de batalhas perdidas, que não perdem a oportunidade de demonstrar com as suas "habilidades" que nem tudo ainda está (definitivamente) perdido.


Tendo em conta a realidade concreta que tem sido a afirmação e o desenvolvimento da banda desenhada angolana a qual temos que associar inevitavelmente o "cartunismo", a decisão tomada este ano pelo PNCA aponta em várias direcções, menos para aquela que seria a mais acertada e equilibrada se estivermos todos a viver no mesmo país, que é o que nem sempre é um dado adquirido e devidamente consolidado.


Em principio, será esta "dúvida" relacionada com o contexto geográfico em que nos encontramos que melhor explica alguns equívocos que vamos sendo testemunhas em relação a algumas escolhas que se fazem, quando chega a hora de se identificarem os verdadeiros protagonistas do nosso quotidiano nas diferentes áreas onde temos a cultura a acontecer como uma manifestação viva, actuante e mobilizadora.


Não sabemos se é a primeira vez que a banda desenhada é distinguida pelo PNCA.

Parece-nos que sim, o que acaba por ser uma das manchetes desta edição do Prémio, sem ser, obviamente, um boa notícia para quem gostaria de ver as instituições públicas a despartidarizarem-se o mais rapidamente possível, o que cada vez nos parece ser mais uma nebulosa miragem.

A confirmar-se que é assim mesmo, ainda nos parece mais complicada a decisão tomada em premiar o referido grupo, contra o qual nada de pessoal nos anima, nem poderia animar, já que não é bem esta a nossa motivação.
Isto não quer dizer sejamos indiferentes aos fenómenos (entenda-se personalidades) mais individualizados que têm realmente interesse público, sejam eles políticos ou culturais. Sempre achamos, contudo, estranho que um salão anual dedicado à banda desenhada tenha sido marcado pela ausência da sua principal referência que nunca recebeu qualquer convite para estar presente.


Pelo que julgamos saber, o primeiro convite apenas lhe chegou este ano, como resultado mais da conjuntura do que da própria vontade dos organizadores do certame. É desta referência chamada Sérgio Piçarra (SP) que estamos a falar.

É em relação a ele que o PNCA cometeu a grande injustiça deste ano ao passar bem ao lado dele sem o querer ver, ignorando completamente a sua trajectória e muito particularmente o trabalho que tem desenvolvido nos últimos anos.

Quer se goste dele ou não, já não é possível não reconhecer a Piçarra a sua dimensão de proa, o estatuto de ser actualmente o maior e mais talentoso cultor deste género.

Olhar para o panorama da banda desenhada/cartunismo deste país e não ver Sérgio Piçarra, atribuindo-se lhe este e outros prémios que bem merece, só mesmo um boneco saído das suas mãos afiadas saberia descrever com a necessária expressividade e bastante humor, que é o que este clamoroso "esquecimento" merece.

Já o dissemos numa outra ocasião.

Voltamos a dizê-lo aqui para que não restem dúvidas.
Não encontramos na nossa paisagem cartunística ninguém que com a mesma beleza estética ao nível do traço, acutilância/diversidade temática ao nível do conteúdo e permanência continuada no mercado, tenha feito a aposta de Sérgio Piçarra neste tipo de jornalismo com tão elevado e consistente nível que é difícil não reconhecer.


Isto, mesmo quando não estamos de acordo ou nos irritamos com a mordacidade das suas piadas, reparos ou observações.

É já ponto assente que em relação a este tipo de mensagem, há muito que o nosso consentimento deixou de ser necessário como critério de avaliação de um cartoon.

Aliás, nunca foi, com a excepção dos países, que ainda são muitos, onde funciona a lei da rolha, seja por razões políticas, religiosas ou retaliativas.

Esta última e silenciosa modalidade também é aplicada entre nós.

No caso do cartoon, ou este tem graça ou não tem.

Ponto, parágrafo.

É aí que está o segredo do sucesso de um cartunista que, não raras vezes, acaba até por ser elogiado pelos alvos das suas farpas devido à elegância da sátira e à profundidade da alfinetada com que vai carimbando os seus sucessivos temas.

E acreditamos que mais não tem feito o SP por razões que são completamente alheias à sua própria vontade e adivinho estarem relacionadas com conhecidos receios editoriais da nossa praça que nunca deixaram de povoar o panorama jornalístico e que, actualmente, explicam por exemplo a prolongada ausência de SP das páginas do JA (o nosso Pravda).


Foi neste último, que nos idos de anos 80, SP começou a caminhar e se fez gente, tendo anos depois um dos seus cartoons ditado, por suposta falta de vigilância, o afastamento de um dos directores que passou por aquele diário, após o boneco ter sido considerado um grave atentado à imagem do poder.
Se fosse agora, o pobre do SP ainda poderia ser acusado de "terrorismo cómico".