Luanda - “Angola Amordaçada – A Imprensa ao serviço do Autoritarismo” é o título do livro, recém-lançado no nosso país, da autoria de Domingos da Cruz, jornalista, investigador universitário e professor angolano que não desiste de falar e de escrever.

Fonte: Publico

Foi ele o inspirador do Curso de Activismo sobre as Ferramentas para Destruição do Ditador e Evitar Nova Ditadura realizado em Luanda e que o levou, bem como a numerosos jovens activistas angolanos, à prisão. Presos e julgados, foram condenados a pesadas penas de prisão – Domingos da Cruz, considerado o cabecilha da associação de malfeitores, foi condenado a oito anos e meio da prisão –, mas o poder político, habilmente, não deixou sequer que o Tribunal Supremo se pronunciasse, em recurso, sobre tão absurdas condenações.

 

José Eduardo dos Santos teve a inteligência e a maleabilidade de os incluir a todos numa amnistia, assim pondo termo politicamente a um processo que nunca foi jurídico, embora (aparentemente) se desenrolasse nos palcos judiciais, mas que, sobretudo, se estava a tornar um sério incómodo para o regime angolano. O nome Luaty Beirão tornara-se uma bandeira internacional e não convinha que se transformasse num mártir.

 

Como é evidente nestas guerras de longo prazo, há avanços e recuos de parte a parte. Ninguém pode garantir quando e como os direitos fundamentais, nomeadamente a liberdade de expressão, serão restabelecidos, de forma inequívoca, em Angola. Haverá uma rotura violenta ou uma evolução mais ou menos acidentada? Basta pensarmos na forma como evoluiu o regime militar do Myanmar para termos de reconhecer que, na luta por um regime democrático, nada está garantido à partida, mas nunca tudo estará perdido.

 

E, assim, tendo em conta o princípio de que água mole em pedra dura tanto dá até que fura, Domingos Cruz voltou ao ataque com a publicação deste livro, que contou com a sua presença em Lisboa. Desta vez, Domingos da Cruz debruça-se sobre a realidade da comunicação social em Angola e, como era previsível, o cenário é desolador.

 

Repare-se que a realidade não é a de uma ditadura de partido único e em que só estão legalmente autorizados a falar no espaço público aqueles que concordam com o poder político; segundo Domingos da Cruz, a realidade de Angola no campo da liberdade de expressão e de imprensa até revela “algumas virtudes legais conforme as exigências do mundo contemporâneo”, o pior é o resto...

 

E o resto é quase tudo: nas palavras de Domingos da Cruz, por exemplo: “O empenho (do poder político angolano) pela asfixia e controle da sociedade estende-se também no plano tecnológico e no processo de produção de informação (...), as autoridades angolanas orientaram os proprietários das gráficas Damer e Litotipo (ligadas ao poder), para não imprimirem os jornais minimamente livres: Folha 8, O Crime, Correio do Sul, entre outros.” Ou, ainda outro exemplo, a lei de imprensa, publicada em 2006, ainda aguarda regulamentação para poder entrar plenamente em vigor (!), sendo certo que contém uma disposição que, pondo de lado o labor dos tribunais, determina que “as dúvidas ou omissões resultantes da aplicação desta lei serão resolvidas pela Assembleia Nacional”, onde o partido no poder tem a maioria assegurada...

 

Para além da análise da realidade legal e factual da imprensa e da liberdade de expressão em Angola, Domingos da Cruz insere neste livro um capítulo particularmente esclarecedor com o título de “Casos de Violações à Liberdade de Expressão e de Imprensa” em que relata diversos casos concretos com nomes e datas que começa assim: “Existem três categorias de riscos que interferem no procedimento normal da liberdade de expressão e de imprensa em Angola: ameaças, mortes e prisões. Quanto às ameaças, elas são directas e indirectas. Estes procedimentos expressam a vontade clara do poder político para conceber, gerir, distribuir e direcionar as informações, ou seja, controlar o conteúdo media.”

 

Mas, apesar desta vontade do poder político angolano de controlar toda a produção informativa, há também a necessidade de manter uma aparência de pluralidade/pluralismo, e é nestes interstícios de liberdade que Domingos da Cruz – e muitos outros – vão fazendo um lento e louvável trabalho de cidadania.