Luanda - O XVII Encontro Nacional das Comunidades terminou ontem, na Caála (Huambo), ao som de trovões e chuva grossa. O segundo dia de trabalho foi marcado pela interacção dos camponeses com representantes do Ministério do Comércio e da Agricultura. O Programa de Aquisição de Produtos Agro-Pecuários foi um dos mais criticados.

Fonte: Rede Angola

Os camponeses defenderam que a ideia e a iniciativa do governo é boa mas o programa apresentava várias dificuldades e não atingiu os objectivos anunciados. Estevão Chaves, representante do Ministério do Comércio, explicou que neste momento um dos objectivos é salvar os activos (instalações e infra-estruturas associadas) e reformular o programa em questão.


Os líderes associativos queixaram-se da excessiva burocracia, das dificuldades de comunicação e das dívidas contraídas pelo PAPAGRO que nunca foram pagas. A própria relação dos camponeses com os bancos comerciais – o Banco Poupança e Crédito (BPC) era um dos parceiros do PAPAGRO – é marcado pela desconfiança. Muitos queixam-se da falta de sensibilidade e conhecimento dos técnicos bancários sobre a actividade agrícola.


Inácio Chingomba, membro de uma cooperativa da província do Huambo, explica que um dos principais problemas da actividade agrícola é o acesso ao mercado. Por isso, resolveram deitar mãos à obra e criaram um mecanismo intermediário entre o campo e os potenciais clientes.


“Como tínhamos muitas dificuldades em escoar a produção, resolvemos aproximar os produtores do mercado. Acompanhamos o trabalho que é feito no terreno e, consoante as informações que nos vão passando, desenvolvemos contactos para vender os produtos”, explica Chingomba em conversa com o Rede Angola.


O dinamismo associativista deu resultados imediatos – mas falta agora dar consistência à estratégia comercial dos camponeses.


“Houve uma altura que conseguimos criar uma relação comercial com a mina de Catoca, na Lunda Sul. Eles precisavam de batata-rena e, através dos contactos que fomos fazendo, conseguimos fazer negócio com a empresa de diamantes. Ainda por cima, depois de lhes explicarmos as dificuldades que enfrentamos, sobretudo com os transportes, eles concordaram em pagar Kz 220/kilo. Quando naquela altura estávamos a vender a batata-rena à volta dos Kz 60/kilo”, conta Inácio Chingomba.


Quando chegou a altura de fazer um contrato de fornecimento de produtos à mina de Catoca, os camponeses aperceberam-se que a empresa tinha feito novos contratos de fornecimento de batata-rena a partir da África do Sul.


“Depois disso conseguimos ter um contrato com a rede Nosso Super, no Huambo. Só que eles deixaram de nos pagar – e sem pagamento não há como continuar a produzir. Desistimos, por enquanto, de trabalhar com o Nosso Super. Também já foi possível distribuir os nossos produtos pelo Uíje, Kwanza Norte e Moxico”, frisa Chingomba.


Neste momento, “a carga está a ir directamente no [Mercado do] 30, em Luanda, e na província de Benguela, que é via directa a partir do Huambo”.


“As nossas dificuldades aumentam bastante porque não temos acesso ao crédito para adquirir um camião, por exemplo, que ajudasse a actividade das associações e cooperativas de camponeses. O frete está a custar Kz 2500 por cada 150 kilos, quando no passado o preço rondava os Kz 1200 por 150 kilos de carga”.


São encargos que fazem toda a diferença para os pequenos produtores. À falta de divisas e às enormes dificuldades na importação de fertilizantes – que estão raros e muito caros, limitando as pequenas produções de cariz familiar – somam-se os constrangimentos associados às sementes melhoradas.


Ao longo de terça e quarta-feira, o município da Caála ouviu as dificuldades que limitam o desenvolvimento de um sector tradicional e fundamental para o curto e médio-prazo do país: para além dos problemas do comércio rural (onde o PAPAGRO surge como exemplo dos equívocos que continuam a ter força política), também a mecanização agrícola, acesso à água, o suporte técnico e a mediação relativa aos conflitos e legalização de terras não tem estado a funcionar.


O XVII Encontro Nacional das Comunidades, organizado pela Associação para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA), reuniu comunidades de Benguela, Huila, Cunene, Huambo e Malanje. A ocasião foi aproveitada para fazer um balanço sobre as actividades das cooperativas e associações de camponeses nas diferentes regiões onde a organização trabalha.


Para além da actividade produtiva, o movimento associativista camponês desenvolve nas suas comunidades sistemas de micro-crédito, providencia serviços sociais (são responsáveis por escolas, projectos de alfabetização e postos médicos, entre outros) e advogam o diálogo com as administrações locais.


No próximo ano, o encontro será realizado em Ombandja, província do Cunene, que ganhou as eleições internas contra Cacuso (Malanje).


O Rede Angola viajou à Caála a convite da ADRA.